Africa do Sul - Townships Squatter-camps (Phomolong)
<meta charset="utf-8"></meta> Autor: Daniel Mendonça.
As Townships
Townships, na África do Sul, constituem territórios de habitação de populações pretas e pardas, ou de origem não europeia, formados ao longo do processo de segregação urbana e social que caracteriza a maior parte do século XX naquele país. Embora seja possível pensartownshipscomo termo equivalente a favelas, convém ter cuidado. A tripartição histórica entretownshipsdeAfricans(negros), deColoureds(mestiços) e deIndians(indianos e paquistaneses) é um exemplo da diferença entre favelas etownships. Outra distinção notável consiste no fato de parte das muitastownshipssul-africanas hoje se configurarem como espaços de residência de média e alta classes – caso de setores de Soweto, talvez a mais conhecidatownshipdo país. Respeitadas estas e outras diferenças, porém, o conceito geral de favelas, entendido sob a perspectiva da exclusão societária e como espaço de recriação da experiência popular, tem algo dizer sobre similaridades entre áreas urbanas nas quais historicamente se inscreveram não apenas pobreza e violência, mas, também, modos singulares de sociabilidade, consciência e luta política em Brasil e África do Sul.
Mais quetownships,squatter-campspodem ser compreendidos como favelas.Squatter-campsconsistem em áreas de ocupação informal, com pouca estrutura urbana - acesso precário a água, energia elétrica e coleta de lixo, por exemplo. Emsquatter-camps, populares vêm se estabelecer, no maior parte dos casos, em barracos de lata, os chamadosshacks. Em geral, esses moradores não tem a titularidade de seus lotes e estão sujeitos a remoção. Phomolong, terceiro termo desta proposta de verbete, é umsquatter-campsituado natownshipde Mamelodi, um antiga área de residência de negros na região de Pretoria, capital sul-africana. Segundo uma interlocutora local, Phomolong significaesteja em paz–embora, segundo ela,ninguém aqui viva em paz. Essa contradição entre nome e condições de vida constitui prisma adequado para entender alguns aspectos da vida em Phomolong e em outrossquatter-campsda África do Sul.
A contradição marca, em primeiro lugar, modos de sociabilidade centrados no consumo intensivo de álcool ezolo(maconha). Conquanto as práticas coletivas de ingestão dessas substâncias constituam um meio de renovação do elo social e transcendência momentânea da paisagem aflitiva (la Hausse, 1984), a intoxicação continuada não raramente implica o estupro de mulheres (Lage da Cruz, 2017). A contradição marca, em segundo lugar, a perspectiva dos moradores sobre a própria condição de habitantes do lugar. Certo interlocutor costumava referir-se a Phomolong nos seguintes termos:na townshiphá algo conectando as pessoas. Ele exprimia, além disso, consciência aguda da comum privação:estamos todos sofrendo e lutando por casas, uma boa vida...A contradição marca, por fim, as formas locais de consciência e prática políticas. De acordo com outro interlocutor,o Congresso Nacional Africano[CNA, partido majoritário no país desde a eleição presidencial de Nelson Mandela]está em nosso sangue.Ocorre, entretanto, que, em 2016, Phomolong foi um dos epicentros de protesto contra decisão de cúpula do CNA, contrária às preferências de bases locais. A insurreição terminou em saque de armazéns, forma clássica da política popular (Ferguson, 2019), e, decorridos dois meses, numa derrota histórica do CNA, a primeira nas eleições para a prefeitura da capital Pretoria.
Desde 2019, três anos após a derrota do partido de Mandela nas eleições municipais em Pretoria, parte de Phomolong está passando por um processo de regularização de propriedade e melhoramento urbano – a exemplo da substituição de ruelas por vias mais amplas e limpas.
Referência bibliográfica
FERGUSON, James.Proletarian Politics Today: On the Perils and Possibilities of Historical Analogy.Comparative Studies in Society and History,61(1), pp.4-22, 2019.
LAGE DA CRUZ, Daniel.Liberdade é Prazer (Enjoyment).Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UNB. Brasília, 2017.
LA HAUSSE, Paul.The Struggle for the City: Alcohol, the Ematsheni and Popular Culture in Durban, 1902-1936. University of Cape Town, 1984.