Favela Vive 3 (análise crítica)
Autoria: Felipe Mesquita
A canção “Favela Vive 3” se propõe a trazer em sua letra a vivência da favela, de forma a representar a realidade dessa zona periférica e de seus moradores. O projeto é um cypher, que tem como objetivo reunir MCs, para rimas inéditas e com uma conexão mais complexa. Os rappers DK, Lord, Choice, Djonga, Menor do Chapa e Negra Li se juntam nessa música, que é um protesto, para expor as questões sociais relacionadas à favela. São abordados no rap temas como racismo, violência policial, guerra às drogas e a ausência do Estado nas comunidades.
A violência policial é um tema bastante recorrente ao longo da música, e já aparece logo nos primeiros versos: “Mano os cana peida de subir de madrugada. Sempre marca operação com a porta da creche lotada”. O verso de DK destaca um fator em comum entre as diversas operações policiais que ocorrem. Elas acontecem, em sua grande maioria, em dois horários específicos, no início da manhã e final da tarde, quando a porta da creche está lotada e o trânsito de moradores indo e vindo do serviço, escola ou faculdade é maior. É possível concluir, portanto, que essas operações não são pensadas para garantir a segurança da população, pelo menos não a população das comunidades. A música foi lançada em 2018, mas ainda hoje, quase cinco anos depois, ela continua atual.
Vídeo[editar | editar código-fonte]
Sons como representação da violência[editar | editar código-fonte]
“Entre o crime e o rap, click-clack. Nasce um som, morre um moleque.” Neste verso, Lord fala sobre dois sons distintos, utilizando signos diferentes. O rap, que é escrito normalmente, e o som da arma, que aparece como onomatopeia, mas, sem dificuldade, conseguimos associar ao objeto que ele queria representar. De forma mais aprofundada, ao analisar esses dois sons, para investigar o simbolismo por trás de cada um, é possível identificar que os dois são opostos. Enquanto o rap representa a esperança e onde “nasce um som”, o barulho da arma é o signo da morte e da violência. Ao parar para pensar, não é só o barulho de armas e tiros que simbolizam a violência. Outro som bastante familiar é o barulho do helicóptero sobrevoando a favela, que representa a ameaça, dá um sinal de que uma operação está acontecendo ou para acontecer. O barulho é um sinal de alerta.
Hall (2016) apresenta no livro “Cultura e Representação”, a abordagem construtivista, que afirma que nós construímos sentido, usando sistemas representacionais. Ou seja, não são nem as coisas por si próprias, nem os indivíduos de forma arbitrária que dão significado à linguagem. A construção é feita a partir do domínio simbólico da vida. Assim, voltamos para os sons que são a representação da violência, morte e ameaça neste território. O significado deles nesses espaços se dá por uma experiência comum recorrente, onde essas sonoridades aparecem sempre nas situações de violência policial, invasão, confronto etc. Dessa forma, esses sons são associados a essas circunstâncias de violência e ganham um sentido atrelado a elas.
Ausência do Estado[editar | editar código-fonte]
O Estado se faz ausente nas favelas, sendo conivente com os problemas e opressões que esse território enfrenta.“Esquerda de lá, direita de cá. E o povo segue tomando no centro”. A letra de Djonga expressa um sentimento de abandono, em que acredita-se, que independente do espectro político, o povo segue não sendo uma prioridade dos governantes e dos políticos. Outra parte da canção onde é possível identificar a ausência do Estado é a seguinte: “Passou da barricada, aqui é nóis quem faz as leis”. As barricadas são, normalmente, utilizadas para dificultar a entrada da polícia, no entanto, pode-se entender, também, a barricada como a representação das fronteiras da favela, o limite onde o poder do Governo não ultrapassa.
Outras representações da favela[editar | editar código-fonte]
Embora sejam feitas denúncias aos problemas presentes na favela, ao longo da música alguns versos fogem dessa narrativa, como o exemplo a seguir:
“Pensa no Baile da Gaiola lotado, as piranha jogando, os mano faturando
Meu show anunciado, um poeta no topo, um favelado rico
Os humilhados serão exaltados!”
Considero esse verso, assim como outros que aparecem, bem simbólico. De início pode parecer meio deslocado da ideia central de “Favela Vive 3”, porém, pensando que o projeto traz a representação da favela, faz sentido estar incluído no meio das estrofes. A favela não é só composta por coisas ruins como as citadas até aqui. Apesar dos problemas que são enfrentados, a favela é também um lugar de lazer, de cultura, de empreendedorismo etc.
Além disso, o dinheiro e os itens de luxo aparecem como o signo de vitória, prosperidade e bem estar. “A tropa tá na pista fardada de Calvin Klein.”. A ostentação é uma forma de representar a conquista e a abundância. Os itens de luxo, que alguns podem enxergar como futilidade, aqui tem um significado maior. O verso de Djonga a seguir reforça a ideia do dinheiro como um signo de prosperidade: “Mas nóis sorri quando cai grana”. Essa prosperidade é significativa tanto para quem canta, como para quem se sente representado pelos rappers. Esses artistas representam a favela, então ver esse sucesso, para alguns, vai ser significativo. Principalmente, para crianças, adolescentes e jovens, eles poderão servir como inspiração.
Conclusão[editar | editar código-fonte]
Com uma representação crítica sobre as questões sociais presentes na favela, a canção “Favela Vive 3” traz uma dura reflexão sobre o território e aborda assuntos importantes a serem discutidos. No entanto, seria enriquecedor diversificar, em termos de gênero, sexualidade e identidade de gênero, os MCs em projetos futuros, visto que nesta edição a maioria dos participantes são homens héteros, sendo Negra Li a única mulher presente no projeto. Essa diversificação iria agregar, pois trazer diferentes corporeidades que também vivenciam a favela, é trazer, também, outros olhares sobre a favela.