Alexandro Cardoso (Alex Catador)
Autoria: Cristiano Nicola Ferreira
Biografia[editar | editar código-fonte]
Alex Cardoso, Alex Catador, homem negro de 42 anos, é catador de materiais recicláveis, escritor, diretor de conteúdo do filme Catador@s de Histórias, liderança comunitária, membro da equipe de articulação nacional do Movimento Nacional das Catadoras e dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), membro da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada, Central de Cooperativas de Catadores de Porto Alegre e Região Metropolitana - Rede CATAPOA, Representante da Associação Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis no Rio Grande do Sul, também faz parte da equipe da Aliança Global de Catadores e da Rede Latinoamericana de Catadores de Materiais Recicláveis (Red Lacre).
É cientista social formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde defendeu o trabalho de conclusão de curso intitulado ‘O eu catador: reciclando humanidades, ressignificando resíduos e compartilhando a cultura social da reciclagem’. A defesa aconteceu na Cooperativa que Alex faz parte.
Foi um momento recheado de simbolismo e emoção, onde colegas de trabalho e colegas de curso se encontraram para celebrar essa linda realização. Atualmente é mestrando em Antropologia Social, na UFRGS. Ele já representou o Brasil em encontros da Organização das Nações Unidas (ONU) nas discussões sobre sustentabilidade e reciclagem, além de representar o MNCR em eventos internacionais. Alex é uma grande inspiração de entrega, amor, dedicação e luta por um mundo mais justo.
Recentemente, o Alex lançou um livro autobiográfico chamado ‘Do Lixo a Bixo: a cultura dos estudos e o tripé de sustentação da vida’, onde apresenta um pouco da sua trajetória de militância e o retorno aos estudos. O Alex é sempre poético e um espaço de acolhida, reflexão, apoio e esperança para quem o cerca, na apresentação do livro, em versos, ele se apresenta dizendo:
Sou @alexcatador, aquele que nasceu num carrinho, cresceu com o saco nas costas e na cooperativa fiz meu ninho. Da partilha, me fiz solidário, um ser coletivo e nunca solitário, com bandeira no alto e computador nas mãos, aprendendo com os mais excluídos a mais bela lição, compartilhar é um dos principais atos de amar. Sou o catador que voltou a estudar, do iletrado esculpir-se doutor, não reciclando apenas resíduos, reciclando consciências do saber, transformando em belo a arte de aprender, vinda de lugares que ninguém queria saber, é nessa fonte que vou bebendo, aprendendo e ensinando a viver. (CARDOSO, 2021, pág. 19).
Infância[editar | editar código-fonte]
O Alex nasceu em 1980, na cidade de Passo Fundo, há 290 km de Porto Alegre. Logo cedo veio com a família morar na capital do estado. Ele viveu com a família na antiga Vila Cai Cai, ocupação que era localizada a cerca de 2 km do centro de Porto Alegre, ficava atrás do Estádio do Sport Club Internacional, o Gigante da Beira Rio, que tem esse nome por se localizar perto do Rio Guaíba que circunda a cidade. A Vila Cai Cai foi uma ocupação urbana que começou no final dos anos 1970 e foi encerrada em 1994 por ser considerada uma área de risco. As pessoas que moravam na antiga Vila Cai Cai, foram transferidas para o Loteamento Cavalhada, espaço territorial que o Alex reside e onde está localizada a cooperativa que trabalha, a Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada (ASCAT).
A vila ficava em um espaço que se localizava entre o Rio Guaíba e um dique, que era uma estrutura construída para que em momentos de chuvas fortes, com a cheia do rio, as águas não invadissem a cidade. Em seu livro o Alex relata que as cheias marcaram profundamente sua infância e a realidade das famílias que ali moravam, tendo feito com que perdessem rotineiramente todo o pouco que tinham. Isso acontecia porque enquanto o dique fazia com a cheia do rio não invadisse a cidade, as pessoas que moravam do “lado de lá” do dique eram atingidas diretamente por todas as cheias. Em dados momentos o Alex relatou com dor o fato de não possuir nenhuma foto de sua infância, que foram levadas pela água.
O trabalho com a reciclagem fez parte desde a infância. Parte das brincadeiras de criança do Alex, com suas amizades da Vila Cai Cai, era separar determinados materiais, ver quem empilhava mais rápidos os sacos de resíduos que ficavam dispostos pela ocupação, quem conseguia levantar mais peso, quem conseguia limpar mais rápido e melhor os resíduos. Além da exclusão social e das enchentes, a fome e a violência também estiveram presentes na sua infância.
Pai e avô[editar | editar código-fonte]
O Alex foi pai cedo, aos 16 anos. Nesse período a escola também já tinha sido deixada de lado a dedicação era integralmente ao trabalho com os resíduos recicláveis, ainda mais agora que constitui família. É pai de duas filhas e dois filhos. Além de pai amoroso e atencioso, é avô de duas netas, que são uns amores.
A catação[editar | editar código-fonte]
A catação de materiais recicláveis faz parte de toda a vida do Alex. Alex é a terceira geração de sua família que trabalha como catador em Porto Alegre, Na sua infância era a forma de sustento da família e as brincadeiras de Alex criança também eram envolvidas pelo trabalho com os resíduos. Muito cedo ele acabou deixando a escola e passou a coletar materiais recicláveis pelas ruas de Porto Alegre, como visto na figura 1. O trabalho na Cooperativa ASCAT começou em 1997, quando o Alex tinha 17 anos. Ele seguia no trabalho árduo, necessário e, lamentavelmente, tão desvalorizado, tendo se tornado ao longo do tempo uma referência na organização da categoria na luta coletiva por melhorias na condição de trabalho e direito por uma vida digna. Mas cabe destacar que o Alex é uma exceção. Ele salienta muito isso ao refletir sobre os amigos que sucumbiram pela violência urbana e policial ao longo dos anos, em um país estruturalmente racista e violento contra ativistas sociais.
Movimento Nacional de Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR)[editar | editar código-fonte]
O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) é um movimento social que há cerca de 20 anos vem organizando os catadores e catadoras de materiais recicláveis pelo Brasil afora. O Alex contribui com o movimento desde a sua formação e pelo seu compromisso e dedicação com a categoria de catadoras e catadores é adorado e respeitado e, com o tempo, foi se tornando uma referência nacional e internacional da luta da categoria. Em 2019, chegou a ser um dos representantes na Assembléia da Organização das Nações Unidos Meio Ambiente, que ocorreu em Nairóbi. Um registro é possível ver na figura 2.
Devido ao ser protagonista na luta e resistência das catadoras e catadores do Brasil, Alex também faz parte da equipe da Aliança Global de Catadores, que é um processo de articulação entre milhares de organizações de catadores de materiais recicláveis apoiado pela WIEGO em mais de 28 países cobrindo principalmente América Latina, Ásia e África. Além de atuar no Comitê Nacional do MNCR, no time organizacional do sul do Brasil, e, também, do time de coordenação estadual. Alex também faz parte do grupo de trabalho em mudanças climáticas da Rede Latinoamericana de Catadores de Materiais Recicláveis (Red Lacre).
Pelo seu papel de liderança e conhecimentos adquiridos, Alex já participou da formulação de várias políticas para a categoria, como é o caso da Política Nacional de Resíduos Sólidos, encampou a luta contra a proibição de circulação de carrinhos na cidade de Porto Alegre sem dar uma alternativa de trabalho e renda às catadoras e catadores, contribui com a organização da categoria através da formação de cooperativas de reciclagem. Além disso, luta contra as políticas de incineração dos materiais recicláveis e o descaso com vidas e com o meio ambiente.
O retorno aos estudos[editar | editar código-fonte]
O retorno do Alex aos estudos formais aconteceu em no momento que conseguiu expor em palavras alguns incômodos que o acompanhavam. Um deles é o fato de ter entrado em várias universidades do mundo para palestrar, mas que ao sair daquele espaço, voltaria a ser excluído, silenciado e ignorado por ter conseguido estudar formalmente somente até a 5ª série do Ensino Fundamental. O fato daqueles lugares se tornarem passageiros não tem uma relação com a vontade de pertencimento ao espaço, ainda, tristemente, tão elitizado das universidades, mas, sim, ao fato de poder, através do acesso ao ensino formal, amplificar a sua voz, fazer as paredes universitárias estremecerem com seus pontos de vistas, exemplos e sensatez até então excluídos. Além disso, e, principalmente, fornecer o exemplo para quem o rodeia, que é possível e que vale a pena estudar.
Depois de 20 anos fora dos bancos escolares, o Alex voltou para a escola para concluir o Ensino Fundamental. Também fez o Ensino Médio da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e ingressou na graduação em Ciências Sociais, na UFRGS, em 2018. Se desdobrou durante todo o período entre militância e os estudos, tendo concluído com excelência e de uma forma tão emocionante o seu trabalho de conclusão de curso, que foi apresentado na cooperativa que faz parte, nos primeiros meses de 2022. As pessoas principais eram as catadoras e os catadores, foi marcada como uma espécie de retorno aos processos acadêmicos de forma presencial, híbrido, com 80 pessoas, incluindo professoras e professores que passaram pela trajetória do Alex no Ensino Fundamental, Médio, e colegas das sociais, além da imprensa e mais de 3500 pessoas assistindo online. Isso demonstra a solidariedade em alternativa à meritocracia, onde a trajetória do Alex se deu de maneira coletiva, não sendo à toa a quantidade de pessoas assistindo a apresentação. Registro do Alex na universidade pode ser visto da figura 3. Vale cada segundo da apresentação da defesa do Alex, pois é de uma riqueza e simbolismo capaz de arrepiar, inspirar e recarregar as energias para a luta por uma sociedade mais justa. Atualmente, o Alex é mestrando em Antropologia Social, na UFRGS, onde seguirá produzindo pesquisas e fortalecendo a luta das catadoras e catadores, dentro e fora do ambiente acadêmico.
Referências[editar | editar código-fonte]
CARDOSO, Alexandro. Do lixo a bixo: a cultura dos estudos e o tripé de sustentação da vida. Belo Horizonte: Dialética, 2021. 156 p.