Projetos que atuam com crianças em favelas cariocas

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Este verbete apresenta alguns projetos que atuam com crianças em favelas cariocas. A experiência de crianças que residem em favelas e periferias do Rio de Janeiro pode ser bastante atravessada por episódios diários de violências, como operações policiais, conflitos entre grupos armados, criminalização da pobreza, situações de racismo etc. Tais situações afetam diretamente suas infâncias, visto que até a atividade de brincar na rua torna-se um risco pela possibilidade iminente de tiroteios. Diante desse panorama, moradores de diferentes favelas e periferias cariocas construíram projetos a partir da mobilização comunitária, com o propósito de atuar diretamente com esses indivíduos, e assim promover arte, cultura, direitos, diversão e brincadeiras. O presente verbete se propõe a apresentar brevemente alguns desses projetos.

Autoria: Kharine Gil. Informações reproduzidas a partir de redes de comunicação oficiais dos projetos.

Recriando Manguinhos[editar | editar código-fonte]

O Projeto "Recriando Manguinhos"[1] foi criado em 2015 por moradores do Complexo de Favelas de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro, com o objetivo de realizar atividades recreativas, lúdicas, culturais e educativas com crianças da região.

Segundo moradores envolvidos no projeto, tornou-se comum ouvir reclamações de crianças de que, no horário em que não estavam na escola, tinham medo de brincar nas ruas e nas praças próximas às suas casas. Assim, o grupo de vizinhos reuniu adultos interessados  em  se revezar para, nas  tardes  de sábado, realizar diferentes tipos  de brincadeiras  com  as  crianças  daquele  território  utilizando  objetos,  jogos,  músicas, atividades de desenho, pintura, escrita, dentre outros.[2]

O projeto atua com crianças de 6 a 14 anos por meio de atividades como músicas, contação de histórias e artes diversas. Além das atividades artísticas, o projeto também realiza atividades externas com as crianças, como passeios e excursões. Alguns dos objetivos do projeto foram explicitados por Simões e Silva (2022, p. 356)[2]:

  • Contribuir  com  a  formação  sobre  direitos,  a  partir  da  realidade  local  de Manguinhos, por meio da arte, cultura e educação;
  • Estimular uma cultura de participação comunitária e solidariedade dos jovens e das crianças;
  • Dialogar com outros espaços educativos como continuidade formativa desses jovens e crianças;
  • Contribuir com o processo criativo, imaginário e atuante dos jovens e das crianças;
  • Estimular políticas públicas para crianças e jovens a partir do diálogo com experiências do território.

Os autores também tiveram acesso a alguns materiais do projeto, como desenhos feitos pelas crianças. Em uma das atividades era necessário desenhar sua brincadeira preferida e, no desenho feito por uma das crianças, brincadeiras como pular corda, pique-pega, pula-pula e mímica foram desenhadas ao mesmo tempo que os pedidos como "eu quero brincar em paz" e "sem tiroteio".

Fonte: Simões e Silva, 2022

A prática de desenhar deve estar inserida cotidianamente na rotina infantil, pois possui uma potencialidade considerável nas formas de expressão de uma criança, sendo uma maneira de demonstrar suas percepções sobre o mundo no qual está inserida, além de favorecer a produção de identidades. Percebe-se que o desenho apresentado expressa como a rotina de violência do território pode afetar consideravelmente a vida de uma criança que tem sua vida cerceada por tais conflitos.

Acesse as redes sociais do projeto aqui

Escola de Artes do Spanta[editar | editar código-fonte]

Escola de Artes do Spanta

O projeto foi criado em 2009 por iniciativa de diretores e músicos do bloco carnavalesco Spanta Neném, com o objetivo de promover cultura e educação com crianças e adolescentes da Favela Santa Marta, Zona Sul do Rio de Janeiro. O projeto se define como um "programa de inclusão sociocultural" e proporciona ao público de 7 a 17 anos de idade atividades artísticas e socioeducativas que possibilitem a construção de um espaço que estimulem o autoconhecimento, a autoestima e a melhoria da qualidade de vida desses indivíduos.[3]

No espaço são oferecidas aulas e oficinas de percussão, flauta doce, flauta transversa, trombone, trompete, violão, cavaquinho, bateria de escola de samba, artes cênicas, atividades culturais externas, teatro, oficina de ideias, orientação vocacional, idealização de eventos e apoio psicossocial.

O projeto utiliza uma metodologia denominada de "jornada de ensino - começo, meio e fim", em que é feita uma trajetória de aprendizagem com as crianças dividida em quatro etapas:

Jornada de Ensino - Escola de Artes do Spanta
Etapa Objetivo Público-alvo Idade
Iniciação criativa Promove o primeiro contato da criança com o

universo artístico e atividades lúdicas de cidadania

Crianças 3 meses a 6 anos
Núcleo de aprofundamento Desenvolve aspectos técnicos e potencializa a criatividade, através de oficinas de música, dança, teatro e atividades psicossociais Crianças e adolescentes 7 a 18 anos
EAS+ O programa EAS+ vai capacitar e ampliar a visão de mundo dos jovens,

moradores da Favela Santa Marta e entorno oferecendo atividades conectadas às necessidades do mercado, com uma pegada inclusiva, criativa e produtiva

Jovens +15 anos
Livres para voar! Orienta os educandos para a vida profissional e estabelece parcerias sólidas com instituições de ensino e empresas, garantindo oportunidades reais de formação e emprego Jovens +15 anos

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Favelas do Brincar - EDUCAP[editar | editar código-fonte]

Contação de histórias no EDUCAP

O "Favelas do Brincar" é um espaço que foi inaugurado na sede da ONG comunitária EDUCAP - Espaço democrático de união, convivência, aprendizagem e prevenção, localizada no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro. Este projeto é uma iniciativa do movimento Unidos pelo Brincar em parceria com o G10 Favelas e consiste em um espaço para que as crianças da região tenham acesso à brincadeiras, jogos e intervenções lúdicas.

"Toda criança tem o direito ao lazer, por isso, o ‘Favelas do Brincar’ tem uma importância neste contexto. O brincar traz desenvolvimento e inclusão para as crianças, principalmente, àquelas que precisam de espaços lúdicos de interação, segurança e qualidade. Isso é de extrema importância nas favelas”, afirma Lúcia Cabral, educadora e fundadora do Educap.[4]

Além do Complexo do Alemão, o projeto também está presente em outras regiões do país, como Paraisópolis e Heliópolis, em São Paulo.

O EDUCAP, espaço onde o projeto está localizado, também é uma organização que atua diretamente com as crianças do conjunto de favelas do Alemão a partir de várias iniciativas. Uma delas, inclusive, é o projeto de extensão "JUVENTUDE(S): intervenções urbanas de arte-cultura no território" do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que possui parceria com o EDUCAP e com o Colégio Estadual Olga Benário, também localizado no Alemão, e realiza intervenções com crianças e adolescentes por meio de oficinas de arte-cultura que promovem a formação em cidadania e direitos humanos.

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Instituto Social Espaço Sonhar[editar | editar código-fonte]

Espaço Sonhar

O Instituto Social Espaço Sonhar foi fundado em 2014 por Quezia Cavalcante, moradora de Manguinhos, com o objetivo de promover a garantia de direitos de crianças por meio da educação, saúde, cultura, esporte e lazer.

A organização atua diariamente com pelo menos 26 crianças de seis meses a 10 anos que residem na região, na Zona Norte do Rio de Janeiro, além de contar com a participação de mais de 80 crianças nas atividades externas que são promovidas pelo projeto, como passeios à Fiocruz e à Quinta da Boa Vista.[5]

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Rocinha em Cena[editar | editar código-fonte]

Evento Rocinha em Cena

[6]O Projeto Rocinha em Cena foi fundado por Leo Godoi em 2015 e disponibiliza aulas de inglês, teatro, grafite, estudo bíblico e reforço escolar para as crianças da Rocinha, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Inicialmente as aulas do projeto ocorriam em um espaço cedido dentro de uma escola de surf da região. Porém, algum tempo depois o local entrou em reforma e a praia deu lugar à sala de aula para que o sonho fosse continuado.

"Comecei com apenas quatro alunos, sem nenhuma divulgação, já cheguei a 200 alunos. Esses quatro permanecem comigo até hoje, de forma voluntária, mas ensinando outros adolescentes e jovens. Eu pegava as crianças em casa e dava aula na praia de São Conrado e depois deixava as crianças em casa, isso foi por seis meses. Antes da guerra de 2017 da Rocinha eu já estava nessa batalha por espaço.[6]

Atualmente o projeto possui uma sede na região Trampolim, localizada na parte baixa da Rocinha, e oferece gratuitamente aulas de muay thai, jiu jitsu, reforço escolar, violão, crochê, yoga e teatro.

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Favela em Ação[editar | editar código-fonte]

Oficina de alfabetização Favela em ação

O projeto Favela em Ação é um espaço social localizado na Vila Aliança, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Em suas redes sociais, o projeto se apresenta enquanto um movimento social sem fins lucrativos que tem como objetivo auxiliar no desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens da região que estejam em situação de vulnerabilidade, por meio da educação, cultura e esporte.

O Favela em Ação oferece:

  • Aulas de muay thai;
  • Aulas de ballet;
  • Oficinas de teatro;
  • Oficinas de alfabetização;
  • Oficinas de cinedebate;

Além disso, o projeto promove passeios com as crianças e seus familiares para espaços culturais, como espetáculos de teatro.

Acesse as redes sociais do projeto aqui

Congresso sobre Segurança Pública na Maré[editar | editar código-fonte]

O 1º Congresso Falando sobre Segurança Pública com Crianças e Adolescentes da Maré foi realizado em agosto de 2022 na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, Nova Maré, e contou com diversas oficinas e atividades para as crianças. Denominado como "congressinho", o evento fez parte do 1º Congresso Internacional Falando sobre Segurança Pública na Maré, organizado pelo Eixo de Segurança Pública da Redes da Maré.

Alunos da Escola Municipal Primário Erpídio Cabral de Souza (Índio da Maré), localizada na Nova Holanda, participaram do evento, e as crianças participaram da dinâmica da confecção de cartazes sobre a temática da Segurança Pública na Maré.

Crianças que participam do projeto Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto realizaram a atividade de pintar em tecidos os desejos e sonhos que possuem para a Maré, como também participaram da plenária da cidadania com votação de uma proposta para Segurança Pública na Maré.

“As crianças e adolescentes estão abertos à discussão sobre segurança pública. Percebo que hoje estão transitando pela Maré, fazendo mais pontes entre eles, ruas e espaços”, comenta Fernanda França, coordenadora de liderança juvenil e desenvolvimento pessoal da Luta pela Paz.[7]

Acesse o site do Congresso aqui

Congresso sobre Segurança Pública na Maré - oficina de cartazes

Ação Civil Pública da Maré[editar | editar código-fonte]

A Ação Civil Pública (ACP) é uma ferramenta processual e jurídica, prevista na Constituição Federal, que trata de direitos coletivos. Seu objetivo é protestar pelo direito de uma coletividade, seja um grupo, classe ou categoria de pessoas que estejam na mesma situação.

A Ação Civil Pública da Maré foi conquistada em 2017 e é a 1ª ação judicial coletiva sobre Segurança Pública para favelas do Brasil. Esta movimentação conseguiu o cumprimento de uma série de medidas relacionadas as operações policiais, como a redução dos danos e riscos.[8]

Em agosto 2019 foram entregues mais de 1.500 cartas feitas por crianças moradoras do Complexo de Favelas da Maré ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), pedindo que a ACP, que havia sido suspensa em junho do mesmo ano, retornasse à ativa.

— O objetivo é tentar sensibilizar os juízes, mostrando o que os moradores sentem e a vivência que temos (...). Ter grupos ilícitos e criminosos não pode ser uma desculpa para que os moradores da Maré não tenham direito à segurança pública.[9]

Duas Instruções Normativas foram publicadas sobre o tema no Diário Oficial durante a Intervenção Federal do RJ em 2018, e tratam sobre questões como o respeito aos horários de maior fluxo para a realização de operações policiais, como a entrada e saída escolar, como também o impedimento de disparos de rajadas via helicópteros.

Acesse a página da ACP aqui

Carta feita por uma das crianças


  1. Coletivo Recriando Manguinhos
  2. 2,0 2,1 SIMÕES, G. L.; SILVA, M. F. “Eu quero brincar em paz”: os efeitos dos discursos produzidos sobre a favela no cotidiano das crianças que habitam esses territórios. Revista da Anpoll. Florianópolis, v. 53, n. 2, p. 349-365, maio-ago., 2022  
  3. Escola de Artes do Spanta
  4. Complexo do Alemão ganha espaço dedicado às crianças com intervenções que podem estimular o aprendizado através do brincar
  5. Coletividade faz bem à Saúde
  6. 6,0 6,1 Rocinha em cena
  7. Crianças e Adolescentes participam de Congresso de Segurança Pública na Maré
  8. Ação Civil Pública da Maré
  9. Crianças da Maré entregam cartas ao TJ-RJ

Ver também[editar | editar código-fonte]