A cidade coesiva enfrentando a estigmatização em bairros urbanos em desvantagens (relatório)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Revisão de 13h29min de 1 de março de 2024 por Gabriel (discussão | contribs) (→‎Notas e referências)
(dif) ← Edição anterior | Revisão atual (dif) | Versão posterior → (dif)

O presente verbete foi criado a partir de um estudo de caso, na favela Santa Marta, no Rio de Janeiro, após o encerramento do Workshop - Santa Marta Without Borders - em agosto de 2018. O estudo de caso "MAPA MURO MINA SANTA MARTA" concluiu o Projeto CoCreation, abordando a estigmatização de territórios periféricos. A intervenção artística resgatou a memória da primeira mina d'água na favela Santa Marta, simbolizando a ocupação simbólica e colaboração entre a universidade e a comunidade. O método CoCreation destaca desafios na construção de uma cidade justa, reforçando a necessidade de escutar e respeitar as favelas para alcançar um futuro urbano mais democrático.

Autoria: Informações do verbete reproduzidas pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco a partir de outras fontes.

Clique aqui para acessar o texto em Inglês.

Case Study - Santa Marta
Case Study - Santa Marta

Introdução[editar | editar código-fonte]

A decisão e a oportunidade de realizar este Case Study na favela Santa Marta surgiu quando da última reunião de avaliação após o encerramento do Workshop - Santa Marta Without Borders -, em agosto de 2018.

Naquela ocasião, com a participação de mais de vinte parceiros internacionais - professores e pesquisadores e estudantes de PhD das Universidades de Oxford-Brookes, Bath e UNAM; pesquisadores de três ONGs europeias – European Alternatives, Tesserae e City Mine(d) - e com professores e estudantes de PhD e de estudantes de Graduação da PUC-Rio com a liderança dos membros do projeto Grupo Eco/favela Santa Marta, consolidou-se uma parceria que se desdobrou nas duas etapas seguintes:

a) a organização do Seminário Internacional em junho de 2019, na PUC-Rio;

b) o debate sobre o espaço público na favela Santa Marta, que se configurou como tema escolhido pelo Grupo Eco junto com a equipe da PUC-Rio para o desenvolvimento do Case Study, cujo momento de concretização/finalização aconteceu no evento da construção do MAPA MURO MINA Santa Marta, em 08, 09 e 10 de julho de 2022, com a inclusão das equipes de professores de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio e da UFRJ (Labit), além do Grupo Eco e a equipe de Ciências Sociais da PUC-Rio.

A participação do PhD student Oscar Puig, de Oxford Brookes, ocorreu através da participação em várias reuniões durante o período de julho/agosto de 2019, durante a pandemia via zoom, e finalmente a participação de Oscar no evento de julho de 2022.

Desde 2018 ficou claro para a equipe da PUC-Rio que poderíamos avançar naquela parceria com o Grupo Eco, estabelecendo um debate em colaboração com dois universos de reflexão – acadêmico e de ativismo popular, geralmente mesclado com alguma forma de intervenção artística, prática recorrente na história do Grupo Eco, na favela Santa Marta.

Esta parceria com a equipe do Grupo Eco foi fundamental para programarmos as atividades previstas no projeto Co Creation, já que a favela constitui o local que melhor representa a segregação urbana e a estigmatização daqueles territórios e de seus moradores. 

No Rio de Janeiro, segundo dados do Censo de 2010, IBGE, seriam 763 favelas na cidade, que abrigam 22% da população da cidade do Rio de Janeiro. O que faz da capital fluminense o município brasileiro com o maior número de moradores em favelas: 1.393.314 habitantes. E no caso do Rio de Janeiro, a favela Santa Marta é um caso “bom para pensar” aspectos de longa duração da segregação urbana, uma das favelas em que a distância social - de classe, racial, de local de moradia – coexiste com a proximidade espacial, na medida em que a favela está situada em bairro da área nobre da cidade, a zona sul.

A participação dos professores de arquitetura da PUC-Rio e da UFRJ no Seminário Internacional (junho 2019) foi fundamental para selar uma parceria na última etapa do projeto, o Case Study, cuja construção do MAPA MURO MINA SANTA MARTA e de seu entorno foram obra de intervenção artística daqueles professores e pesquisadores, membros de seus laboratórios. A proposta do MAPA MURO foi sugestão da professora Adriana Sansão, criação de sua orientada no mestrado e membro de seu laboratório, a arquiteta Gabrielle Rocha, ex aluna da PUC-Rio e nascida na favela Rio das Pedras, Rio de Janeiro. A idealização do espaço, conforme mostraremos em fotos e vídeos, foram resultado de estreita colaboração entre as arquitetas, os arquitetos, em sintonia com as instituições e projetos de moradores da favela Santa Marta, com a liderança do Grupo Eco. Esta intervenção, que culminou no evento dos dias 8, 9 e 10 de julho, foi o resultado de um rico debate entre todos os parceiros deste Case Study, ao longo dos meses em que este projeto de intervenção foi sendo concebido, especialmente entre março e julho de 2022.

O debate sobre o espaço público dentro da favela começou pela solicitação de registros fotográficos aos jovens participantes do Grupo Eco, acompanhados, algumas vezes, por estudantes de Graduação da PUC-Rio, nos meses de julho e agosto de 2019. Naqueles registros havia uma procura pelos depoimentos das diferentes gerações sobre como era morar na favela em comparação com o tempo presente.

A partir daqueles primeiros registros ficou claro que a escassez do espaço, em geral, e especificamente de área livre para momentos de lazer, constituía um grande desafio para os moradores. As gerações de idosos facilmente se deslocavam pelo espaço da favela para seus momentos de lazer, como nos finais de semana; as crianças podiam correr e brincar nas árvores, possibilidades que praticamente não mais existem.

O avanço da construção de moradias e de pequenas lojas de comércio se sobrepôs, definitivamente, sobre a escassez de terreno. Apesar de na maioria das favelas da cidade do Rio de Janeiro a expansão ocorrer de forma vertical, com o aumento dos andares das moradias, o próprio terreno da favela Santa Marta, extremamente íngreme, dificulta bastante este tipo de expansão.

Diante da escassez de financiamento de moradia popular no Brasil, em que o déficit habitacional [1] permanece muito elevado, o crescimento das favelas e dentro das favelas ocorre de forma não planejada.

Este processo de debate foi bruscamente interrompido com a pandemia da Covid19 e a necessidade de repensar e interromper o processo até retomarmos em outubro de 2021.

Vídeo sobre o projeto[editar | editar código-fonte]

TV PUC-Rio | Mina d’água e mapa muro resgatam memória do Santa Marta

Participantes[editar | editar código-fonte]

  • Professores e alunos dos Departamentos de Ciências Sociais e Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio
  • Grupo Eco/favela Santa Marta; professora e membros do Labit, Escola de Arquitetura da UFRJ
  • PhD student de Oxford Brookes University
  • Equipe da TV PUC
  • Membros do Grupo de Turismo
  • Membro do Grupo Brazilidade
  • Membros da Folia de Reis
  • Membros da Associação de Moradores da favela Santa Marta
  • Membros do grupo de samba do Santa Marta; etc

Contexto[editar | editar código-fonte]

O debate surgiu a partir do Seminário Internacional de 2019, na PUC-Rio, identificada pelos membros do Grupo Eco acerca da importância do espaço público dentro da favela. O território vem sendo sucessivamente ocupado, de forma desenfreada, pela construção de novas habitações, restando pouquíssimo espaço “livre” para lazer das crianças e das famílias em geral.

As ruas entre as moradias se estreitam, em alguns locais há o comprometimento da ventilação das moradias, com a redução das distâncias entre as janelas e portas, que ficam muito próximas; bem como o desafio de assegurar alguma privacidade entre as moradias.

Este processo não é recente, mas diante do aumento da pobreza[2] intensifica-se a ocupação desordenada, selvagem, do espaço da favela. A ausência de regulamentação transforma a insatisfação dos moradores que sofrem este processo em sensação de impotência frente à autoridade imposta pela força do tráfico de drogas, com a omissão das forças de segurança – principalmente polícia militar.

Localização[editar | editar código-fonte]

A finalização do Case Study ocorreu com uma intervenção no local da primeira mina d´água da favela, local em que os moradores buscavam água para beber, se alimentar, lavar suas roupas e seus objetos, além de tomar seus banhos e se refrescar.

Este local, cheio de significado para os moradores na história da favela, foi fundamental para suas vidas até a conquista da água corrente em suas torneiras/moradias (anos 1970?).

Esta decisão sobre o local da intervenção artística surgiu a partir do debate entre as equipes do Grupo Eco, que apontou o local e a importância do resgate daquela primeira mina d´água e a criação de um mapa-muro naquele local por membros do Laboratório de Intervenção Temporária, Labit, UFRJ.

História da primeira Mina D'água na favela Santa Marta[editar | editar código-fonte]

Texto elaborado pelo Grupo Eco
Mina D'água

Placa de Madeira instalada no local da Mina, texto do Grupo Eco e placa confeccionada pelo Laboratório de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio. O texto, abaixo, e a foto da Placa em seguida:

“This Mine was for many years a meeting place. Women came to wash clothes, dishes and pans. The men bathed and the whole community collected water to take home. The sound of the canecão, made of an empty oil or powdered milk can, was common, scraping the stone hole in the shape of a gourd to fill a twenty or fifteen liter can that was carried to the houses.

The older ones know what a drama it was when summer came. The need for water increased and the sources of drinking water dwindled. In the few existing taps in the Favela, the competition to get a twenty-liter can, in the morning or afternoon, when the water was distributed, was dramatic. So, at Mina, the line was long and, sometimes, to get a can of water, there was a line up until dawn.

At that time there was no public lighting in Santa Marta and the paths were very dark. Many haunting stories have become legends of the Favela: the brass woman, the woman in white, the werewolf and so many others.

Today times are different. The Favela has electricity and water reaches all the houses. Public lighting, although precarious, helps to illuminate the paths and the Mina has undergone transformations over time. A small reservoir, like a water tank, was built to hold more water, since the continuous flow of water does not stop. And, even with potable water reaching all the houses in the Favela, the Mine continues to serve the residents. The space remains the Praça das Lavadeiras. The trickle of water continues to run. And it continues to be a place where clothes and dishes are washed and bathed. That's why we want to preserve and share the importance of this place in the history of Santa Marta and in the lives of the residents. Residents reinforce the affective dimension of the place in the construction of our individual and collective identity.

From Mina gushes, non-stop, the good water to drink and the crystal clear water of our memory.”

Tradução:

“Esta Mina foi por muitos anos um ponto de encontro. As mulheres vinham lavar roupas, pratos e panelas. Os homens tomaram banho e toda a comunidade recolheu água para levar para casa. Era comum o barulho do canecão, feito de lata vazia de óleo ou de leite em pó, raspando o buraco da pedra em forma de cabaça para encher uma lata de vinte ou quinze litros que era levada para as casas.

Os mais velhos sabem que drama era a chegada do verão. A necessidade de água aumentou e as fontes de água potável diminuíram. Nas poucas torneiras existentes na Favela, a disputa para conseguir uma lata de vinte litros, pela manhã ou à tarde, quando a água era distribuída, era dramática. Então, na Mina, a fila era grande e, às vezes, para pegar uma lata de água, a fila ficava até de madrugada.

Naquela época não havia iluminação pública em Santa Marta e os caminhos eram muito escuros. Muitas histórias assustadoras viraram lendas da Favela: a mulher de latão, a mulher de branco, o lobisomem e tantas outras.

Hoje os tempos são diferentes. A Favela tem energia elétrica e a água chega a todas as casas. A iluminação pública, embora precária, ajuda a iluminar os caminhos e a Mina sofreu transformações ao longo do tempo. Um pequeno reservatório, como uma caixa d'água, foi construído para reter mais água, já que o fluxo contínuo de água não para. E, mesmo com a água potável chegando a todas as casas da Favela, a Mina continua atendendo os moradores. O espaço continua a ser a Praça das Lavadeiras. O fio d'água continua a correr. E continua a ser um local onde se lavam e se banham roupas e loiças. Por isso queremos preservar e compartilhar a importância desse local na história do Santa Marta e na vida dos moradores. Os moradores reforçam a dimensão afetiva do lugar na construção de nossa identidade individual e coletiva.

Da Mina brota, sem parar, a água boa de beber e a água cristalina da nossa memória.

Eventos e Atividades[editar | editar código-fonte]

O processo do Case Study começou com uma série de entrevistas com moradores da favela acerca do uso do espaço da favela para morar, lazer, trabalho, localização no bairro de Botafogo, um bairro de classe média na maioria de sua população; facilidades, aspectos positivos e seus desafios e aspectos negativos. Esta etapa da pesquisa foi interrompida no início de março de 2020 com o processo de pandemia.

Retomamos com reuniões virtuais, via zoom, em 2021 para planejarmos o futuro do projeto, naquele momento interrompido. Ao longo das reuniões, os debates sobre o espaço público, sobre os comuns e a necessidade de concretizarmos algum tipo de intervenção no espaço da favela nos orientou à proposta da construção de um Mapa Muro, experiência de uma arquiteta ex aluna da PUC-Rio e da UFRJ, hoje membro do Labit, sob a coordenação da professora Adriana Sansão. Gabrielle Rocha havia construído um Mapa Muro na favela onde habitou desde sempre, a favela de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro.

Em 2022, quando retomamos a possibilidade de nos encontrarmos presencialmente – as universidades no Brasil ficaram fechadas presencialmente e só retomaram suas atividades nos campi a partir de março de 2022 – realizamos uma primeira visita guiada na favela para decidirmos o local a ser construído o mapa muro.

Lançamento do MAPA-MURO MINA Santa Marta[editar | editar código-fonte]

O evento do lançamento do MAPA-MURO MINA Santa Marta aconteceu no domingo do dia 10 de julho de 2022. Os trabalhos no local foram antecedidos de várias iniciativas e com a fundamental colaboração entre várias equipes das duas Universidades envolvidas – PUC-Rio e UFRJ – com a equipe do Grupo Eco e vários moradores e instituições da favela, destacando-se a parceria com o projeto Brazilidade.

As inúmeras reuniões e encontros do Grupo Eco com as equipes das Universidades tiveram como resultado um trabalho importante como registro da memória da favela Santa Marta e esteticamente aprovado por todas as pessoas envolvidas, mas principalmente pelas instituições e projetos da favela e alguns de seus moradores, que espontaneamente deram seus depoimentos.

Esta mobilização na favela começou com o ativismo do Grupo Eco no grupo de Facebook com a exposição de antigas fotos de moradores na Mina d´água em décadas passadas. Esta iniciativa levou a uma sequência de novas fotos e depoimentos sobre o passado da favela naquele local da primeira mina d´água.

A proposta da realização de um Mapa Muro partiu do Labit/UFRJ, especificamente um trabalho concebido pela arquiteta Gabriela Rocha. A participação dos moradores e das instituições da favela e seu registro com as respectivas pinturas ao lado do mapa aconteceu no domingo 10 de julho, segundo proposta do Grupo Eco, que realizou a mobilização no local para que as principais lideranças da favela comparecessem no local. Estudantes de graduação da PUC-Rio também participaram da mobilização com a distribuição de panfletos/flyer na Praça que dá acesso à favela, acompanhada de minientrevistas sobre a avaliação da qualidade de vida na favela após este período de mais de um ano de pandemia pela Covid 19.

No mesmo local, estudantes de graduação de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio, participantes do Laboratório de Observação do Espaço Habitacional, criaram sobre o espaço uma estrutura provisória de madeira com tecidos brancos, de onde pendiam cubos de madeira onde os moradores e participantes do evento deixavam registrados frases e/ou palavras sobre aquele espaço e sobre aquele momento.

Este mesmo Laboratório construiu uma placa de madeira com um texto - gravado a laser - sobre a história da primeira Mina na favela Santa Marta, texto elaborado pelo Grupo Eco.

Fotos da intervenção no local[editar | editar código-fonte]

As fotos abaixo apresentam a sequência dos trabalhos de intervenção naquele local nos dias 8, 9 e 10 de julho:

Trabalhos de intervenção, Santa Marta.png
Santa Marta - Case Study
Santa Marta - Case Study 2
Santa Marta - Case Study 5.png
Santa Marta - Case Study 4
Santa Marta - Case Study 7.png
Santa Marta - Case Study 6.png
Santa Marta - Case Study 3.png
Santa Marta - Case Study 8.png
Santa Marta - Case Study 11.png
Santa Marta - Case Study 10
Santa Marta - Case Study 10
Santa Marta - Case Study 9.png
Santa Marta - Case Study 12.png
Santa Marta - Case Study 13
Santa Marta - Case Study 14
Santa Marta - Case Study 15.png
Santa Marta - Case Study 16.png
Santa Marta - Case Study 17.png
Santa Marta - Case Study 18
Santa Marta - Case Study 19.png
Santa Marta - Case Study 20

Discussão, análise e resultados[editar | editar código-fonte]

Algumas das discussões e análises desta experiência do Projeto CoCreation em suas diferentes etapas que culminou com o Case Study poderiam ser resumidas a partir dos seguintes pontos:

O worshop internacional em agosto de 2018, Santa Marta without borders, com a participação das equipes da PUC-Rio e do Grupo Eco, que liderou o processo no local da favela, contou também com a importante participação de vinte e cinco professores e pesquisadores internacionais, parceiros de todas as instituições: University of Oxford Brookes, University of Bath, UNAM, European Alternatives, Tesserae, City Mine(d).

Com uma reunião das equipes na PUC-Rio antes e após o workshop, chegou-se a algumas conclusões importantes:

a) O fortalecimento das redes internas da favela que foram mobilizadas para receber e interagir com o público externo da favela, inclusive internacional, contribuiu para solidificar a luta pelo reconhecimento daquelas instituições e pessoas cujas experiências de vida na favela são marcadas pelo estigma e o preconceito;

b) O enorme desafio da experiência das trocas de saberes entre a universidade e a favela, saberes distintos por natureza, mas que a experiência do CoCreation apontou a possibilidade de a colaboração resultar em uma melhor compreensão da segregação e marginalização de territórios periféricos.

c) As desigualdades urbanas em cidades como o Rio de Janeiro expõem a permanência de desigualdades estruturais, em uma escala de muito maior gravidade do que aquelas encontradas em cidades do Norte Global, que se refletem, por exemplo, nas distâncias brutais entre qualidade de vida e o direito à cidade e as consequências nefastas para os habitantes destas cidades, principalmente dos territórios periféricos, cerca de ¼ da população da cidade do Rio de Janeiro

A Conferência Internacional de junho de 2019[editar | editar código-fonte]

“Co-creation in the city: rights and culture of favelas and peripheries” apontou, a partir de quatro diferentes temas debatidos por acadêmicos, ativistas e artistas, algumas conclusões que poderiam ser assim resumidas:

a) Diante da extensa marginalização de territórios como as favelas, que surgiram na cidade do Rio de Janeiro desde o final do século XIX, qualquer proposta de combate à segregação urbana, ou de luta contra a marginalização de áreas urbanas exigiria uma reforma urbana estrutural;

b) As favelas passaram por várias etapas de urbanização, cujas melhorias são indiscutíveis. Até o final do século XX, a maioria das conquistas de acesso à moradia na favela foi resultado do trabalho coletivo dos próprios moradores, que não apenas construíam suas casas, como o acesso à água e à eletricidade e ao esgotamento sanitário, sempre de forma precária, improvisada e ilegal.

A partir da política de urbanização das favelas no Rio de Janeiro[3], os moradores tiveram acesso à água e à eletricidade, à pavimentação dos caminhos e o direito ao comprovante de residência, assegurando uma estabilidade de permanência no local contra a ideia de remoção – que predominou até o final da ditadura militar, anos 1980.

Não obstante, apesar de evidentes melhorias na qualidade de vida naqueles territórios, predomina a constatação da incompletude das obras realizadas por parte do poder público: naqueles territórios, as reformas nunca são concluídas conforme o projeto, carregando a marca de provisório que acompanha a estigmatização por parte dos governos e das classes dominantes.

O preconceito atinge o seu mais alto grau na sequência de violência policial contra aqueles moradores periféricos, principalmente contra a juventude negra, cujas vidas são interrompidas por assassinato ou encarcerados como política de segurança em nome do que denominam como guerra às drogas;

c) A resistência de longa duração das populações das favelas e periferias tem se revelado de forma potente através das manifestações culturais e artísticas, seja nas tradições de origem africana, seja na tradição dos povos originários, como os quilombolas e os indígenas.

O projeto CoCreation permitiu intensificarmos este encontro entre o pensamento produzido na universidade e as manifestações artísticas e culturais presentes no universo periférico que apontam para momentos utópicos em uma realidade de tantas misérias sociais.

Encerramento[editar | editar código-fonte]

O Case Study MAPA MURO MINA SANTA MARTA representou o encerramento deste longo e rico processo de CoCreation, na medida em que foi construído um registro artístico em um local de grande relevância para os moradores e para a história da favela Santa Marta, duramente castigados pela pobreza, pela insalubridade, pela precariedade das moradias, pela violência do tráfico de drogas e da polícia.

O resgate da importância da primeira mina d´água para aquela favela foi festejada em um momento de intensa participação dos moradores e de suas principais instituições locais. O Mapa Muro da Mina fica como um legado material deste projeto, sintetizando o respeito às demandas locais e a contribuição com a criatividade do conhecimento da universidade, em uma junção de saberes distintos.

Neste Case Study, pudemos aprimorar o diálogo fecundo entre o conhecimento produzido na academia com o conhecimento produzido pela favela, atravessado pela criação artística.

Como coordenadora do projeto pela PUC-Rio, estive presente e apresentei papers nas duas Conferências Internacionais – University Bath, setembro 2017 e UNAM, setembro 2019; participei no workshop em St. Denis, France, coordenado por Alternative European, janeiro 2019.

Conclusão[editar | editar código-fonte]

Contribuições teóricas e metodológicas para a cocriação: desafios e recomendações[editar | editar código-fonte]

Mina D'água 2
  1. A proposta teórica deste projeto é o de abordar a estigmatização dos territórios periféricos através da Cocreation, uma vez que, apesar de tantas obras, pesquisas e projetos para a construção de uma cidade justa, esta continua sendo uma miragem, conforme mais recentemente Sennett (2018), e anteriormente alertado por Lefebvre (2009).
Mina D'água 3.png

2. Neste projeto, despontou o esforço para que o método Cocreation, através da colaboração entre diferentes setores e atores da sociedade, juntamente com artistasenfrentasse os aspectos impregnados de negatividade dos espaços periféricos, considerados os locais da cidade a serem ocultados[4]; ou, contraditoriamente, insistentemente expostos na grande mídia e nas redes sociais para banalizar a violência e a indignidade de que é feita a miséria.


3. Através da colaboração de parceiros oriundos dos diversos locais de conhecimento – Global North and Global South -  e no caso específico do Rio de Janeiro, da parceria entre a universidade e a favela, pode-se concluir pela percepção de que a favela pode ser escutada e respeitada pela universidade. Não se trata de uma conquista fácil, ao contrário, ela é plena de armadilhas conceituais e metodológicas. A construção de uma cidade justa, em que a favela interpele o direito à cidade, precisa da colaboração de todos os setores de produção de conhecimento e de cultura e arte.

4. O resgate da memória da primeira mina d'água da favela Santa Marta, por meio da intervenção artística, representa a ocupação simbólica daquele espaço, num "exercício de refundação prática" daquele espaço, "feita de acordo com as necessidades das pessoas e não com os objetivos originais e as lógicas dos planos dos arquitetos e urbanistas” (Fortuna, 2019, p.145). Para concluir, com Fortuna: “Talvez tenhamos que enfrentar o desafio político do invisível e do informal e tentar incorporar ambos em planos formais de cidade e, assim, garantir mais democratização ao nosso futuro urbano” (Fortuna, 2019, p. 147) Por meio do método CoCreation, esses desafios podem ser vislumbrados, mas de forma restrita, como foi a experiência na favela Santa Marta. Por que não ser adotada na escala de uma reforma urbana voltada para a construção de uma cidade justa?

  • (Grupo Eco´s photos about July 8, 9, 10).
  • TV PUC video about the event on July 10)
  • Caldeira, T. (2010) Espacio, segregación y arte urbano en el Brasil, Buenos Aires: Katz Editores; Barcelona: CCCB.
  • Bernardino-Costa, J., Maldonado-Torres, N., Grosfoguel, R. (orgs.) (2019). Decolonialidade e Pensamento Afrodiaspórico. 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica Editora.
  • Federici, S. (2019)  O ponto zero da revolução: Trabalho Doméstico, Reprodução e Luta Feminista, São Paulo: Elefante.  (chapter 3: Reproduzindo os Comuns).
  • Fischer, B. (2008) A poverty of Rights: Citizenship and Inequalitity in Twentieth- Century Rio de Janeiro, Stanford, CA: Stanford University Press.
  • Fortuna, C. (2019) Urbanidades invisíveis. Tempo Social, USP, 31 (1), Jan- Apr.
  • Harvey, D. (2014) Cidades Rebeldes: Do Direito à Cidade à Revolução Urbana, São Paulo: Martins Fontes.
  • Horvath, Christina and Carpenter, Juliet (Ed.).(2020) Co-Creation in Theory and Practice: Exploring Creativity in the Global North and South, Bristol: Bristol University Press.
  • Lefebvre,H. (2009) Le droit à la Ville (3e. édition), Paris : Ed.Economica ; Anthropos.
  • Ribeiro, D. (2019) Lugar de Fala São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen.
  • Sennett, R. (2018) Construir e Habitar: ética para uma cidade aberta. Rio de Janeiro: Record.
  • Spivak, G.C. (2010) Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG,
  • Telles, Vera da Silva (2010) A cidade nas fronteiras do legal e ilegal. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm.
  • Valladares, L. (2019) The invention of the Favela. Chapel Hill: University of North Carolina Press.
  1. [1] O déficit habitacional brasileiro é de 7,9 milhões de moradias em todo o país, correspondente a 14,9% do total de domicílios (2022).
  2. 58,7% da população brasileira, mais da metade da população total, convivem com alguma situação de insegurança alimentar - dados oficiais de 2022.
  3. O Programa Favela-Bairro, que começou em 1995, foi considerado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento como um projeto modelo de políticas públicas no combate à pobreza e à miséria. Indicado pela ONU como um exemplo a ser seguido por outros países no Relatório Mundial das Cidades 2006/07, o Favela-Bairro também foi escolhido como um dos melhores projetos do mundo apresentados na Expo 2000, sediada em Hanôver (Wikipedia)
  4. Quando da propaganda para conquistar a cidade do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, a equipe responsável pelo projeto apresentado omitiu todas as favelas das colinas da cidade. Apenas muito recentemente as favelas fazem parte do mapa da cidade do Rio de Janeiro.