Agentes Comunitários de Saúde na linha de frente de combate a pandemia (depoimentos)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Esse artigo faz parte da "Radar COVID-19, Favelas", informativo produzido no âmbito da Sala de Situação Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, vinculada ao Observatório COVID-19 da Fiocruz.

Estruturado com base no monitoramento ativo (vigilância de rumores) de fontes não oficiais – mídias, redes sociais e contato direto com moradores, coletivos, movimentos sociais, instituições e articuladores locais – a publicação busca sistematizar, analisar e disseminar informações sobre a situação de saúde nos territórios selecionados, visando promover a visibilidade das diversas situações de vulnerabilidade e antecipar as iniciativas de enfrentamento da pandemia.

Artigo

"Eu peguei covid, todos os meus colegas pegaram covid no meu trabalho. Poucos foram afastados."

Depoimento de Yolanda Oliveira, Agente Comunitária de Saúde (ACS) que trabalha em uma favela de Bangu, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Na comunidade, logo no início da pandemia, aconteciam muitas mortes. A gente saía na sexta-feira e via muitos casos pipocando e na segunda-feira chegava e tinham ocorrido cinco óbitos. E era uma coisa que acontecia toda semana. Era muito. “Nessa semana morreram quantos? Quatro”. Isso na comunidade. E isso toda semana começa a assustar, porque estava acontecendo direto. Toda semana um, dois, três, quatro óbitos!

Agora deu uma parada nessa questão dos óbitos. Não ouço mais tantos casos de óbito, porém, eu não vi quarentena em momento algum na comunidade. Eu não vi quarentena, não teve. Tudo continuou funcionando normalmente. Foi complicado para quem trabalhava fora porque teve problemas com transporte. Algumas pessoas foram mandadas embora, outras pessoas tiveram dificuldade de chegar ao trabalho. Mas dentro da comunidade nada mudou. Pelo contrário, as crianças ficaram sem escola, mas não saíram das ruas. As crianças saíram da escola e passaram a ficar jogadas na rua, brincando.

A maioria dos trabalhadores continuou trabalhando, aqueles que não tiveram como parar seguiram trabalhando. A grande maioria da comunidade continuou trabalhando normalmente, tendo uma dificuldade ainda maior que foi a diminuição de transporte, de ônibus. Isso oprimiu mais ainda a população, porque a quantidade pessoas era a mesma tentando se deslocar e não conseguia. Eu via as vans abarrotadas de gente. No início da pandemia, quando se falava muito que era preciso evitar aglomerações, o transporte estava superlotado, pessoas tossindo dentro do ônibus lotado.

Eu ouvi relatos também no comércio e nos postos de gasolina, pessoas falando que tiveram Covid, que muitos tiveram e nem sabiam o que era, teve-melhorou-acabou. Outros foram vendo alguns familiares morrerem. “Tive uma gripe muito forte” - ouvi dizer - mas não fizeram teste, não foram à clínica, principalmente os jovens, as pessoas mais novas, sem comorbidades, não hipertensas, não diabéticas... Essas pessoas tiveram Covid, ficaram mal em casa, mas achando que era uma gripe, que pegou e acabou. E aí vinha o pior: não tiveram liberação do trabalho, ficaram um ou dois dias em casa e voltavam a trabalhar.

Eu, infelizmente, perdi um parente e uma colega perdeu a mãe. Infelizmente tivemos essas perdas. Meu parente era do grupo de risco de todas as formas: idoso, diabético, hipertenso, cardiopata. Foi parar no hospital e lá foi entubado. Um dia antes dele morrer acabou a luz no hospital, e no dia seguinte veio a notícia do óbito.

Eu peguei Covid, todos os meus colegas pegaram Covid no meu trabalho. Poucos foram afastados. O acesso a testes foi muito complicado. Eu fiz meu teste por meios próprios. Deu positivo. Eu tive poucos sintomas. Eu fiquei mal, mas parecia mais uma arbovirose, não parecia nem gripe. Para mim não foi nem um resfriadinho foi mais uma dor no corpo, uma indisposição, o corpo pesado, como se eu tivesse pegado Chikungunya. Eu senti muitas dores nos ossos, no corpo, mas eu tive pouca tosse; não tive falta de ar; tive muito cansaço físico, muito cansaço como se estivesse anêmica. Então eu fiz o teste, deu positivo, aí eu fiquei em casa por conta disso e quando eu voltei à minha clínica eu percebi que eu não tinha sintoma suficiente aos olhos da clínica para fazer o teste. Vi que provavelmente lá eu não conseguiria fazer. Isso naquela época, agora estão distribuindo testes aí porque sobrou, estão distribuindo testes agora em todas as clínicas. Mas naquela época, se eu não tivesse corrido para fazer os meus exames provavelmente eu teria voltado para o trabalho e contaminado o resto dos colegas que estavam lá. Muitos colegas não tiveram essa iniciativa de fazer o teste e continuaram trabalhando mesmo com Covid. Então foi essa piada, suporte quase nenhum, foi complicado.

Logo no início da pandemia, não foi falado que nós não tínhamos de ir para a rua. Por exemplo, se fizessem alguma exigência de fazermos uma busca ativa, nós tínhamos de ir. O Equipamento de Proteção Individual (EPI) era utilizado apenas para ir à rua, na clínica não. Foi um processo com várias situações difíceis: nós ficamos sem alimentação; os trabalhadores com comorbidades só foram afastados tardiamente por pressão do sindicato. Onde eu trabalho, nós mesmos traçamos uma estratégia de como nós íamos fazer para não ir para a rua, não foi uma coisa pensada e planejada. Sabe como é patrão, né? Não é uma coisa que surge deles, surge da gente. E os trabalhadores com comorbidades estão afastados até os dias de hoje, não foram chamados de volta ainda não. E nós que não temos comorbidades tivemos as cobranças e as exigências de trabalho triplicadas, muita sobrecarga de trabalho. Não houve nenhuma mudança com a pandemia em relação às exigências de produtividade.

Muita gente deprimida, não só onde eu trabalho. O relato dos ACS é que eles ficaram muito mexidos emocionalmente, vendo pessoas doentes por todos os lados; sendo exigidos da mesma forma, mas agora com menos pessoas para dar conta, com equipes reduzidas. E a gente o tempo todo com aquele sentimento de dar graças à Deus de estar trabalhando na pandemia para ter o que comer, porque muitos de nós tivemos familiares (esposos) que foram mandados embora e a situação da própria alimentação ficou difícil para muitos. Então quem não conseguiu ser afastado por comorbidade tinha esse sentimento de que tinha de dar conta, tinha de trabalhar pela incerteza de saber o que vai ser dessa pandemia. Vai haver mais cortes?

Estamos passando por vários tipos de dificuldades – o desemprego – e a gente não sabe o que nos espera. Estamos com temor do que pode acontecer. E nós temos essa situação de que em alguns lugares o ACS é efetivado e em outros não. Nós já tivemos essa promessa diversas vezes, sempre dizem que sem o Agente Comunitário de Saúde não tem Estratégia de Saúde da Família, porém, tem essa desvalorização. Recentemente tivemos também mudanças de gestão e redução salarial, tínhamos alguns benefícios e agora não temos mais. Infelizmente, é até meio desanimador