Baixada da Estrada Nova, Belém (PA)

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Baixada da Estrada Nova é conglomerado urbano favelizado localizado nas antigas terras de várzea da região central da capital paraense, Belém. Caracteriza-se por estar entre as baixadas e favelas mais populosas do Brasil.

Autor: Vitor Martins. 

História

Baixada da Estrada Nova, Belém do Pará.

O histórico da baixada da Estrada Nova remonta à política da boa vizinha americana, que implantou em Belém infraestruturas para além da base aérea de Val de Cans e o Casino-Hotel da Aeronáutica, que tinham como finalidade receber o transporte aéreo e alojar parte da tropa que ficaria estacionada na cidade. As melhorias urbanas também atingiram o bairro do Jurunas, exatamente a atual Av. Bernardo Sayão, ou Estrada Nova, ou ainda Estrada do SESP.

Após a instalação do contingente americano na cidade, este foi acometido de casos de malária. Somente na base aérea foram trinta casos, entre 111 militares americanos durante maio e junho de 1942. Pior estavam os acomodados no acampamento brasileiro, onde a incidência era de 506 casos por mil, entre abril e julho do mesmo ano.

Uma forma de controlar a epidemia seria drenando as áreas alagadas, local de reprodução do mosquito vetor. A ideia de reduzir o fluxo das águas para áreas de baixada vinha da década de 1930. Funcionários do Departamento Federal de Saúde elaboraram projeto que regularia as inundações e eliminaria os baixios com aterro. Ao mesmo tempo que isso acabaria com os mosquitos, expandiria a área habitável da zona sul de Belém.

Pelo esforço de guerra, o acordo Brasil-Estado Unidos previa a melhoria das condições sanitárias nos locais de produção de borracha (Amazônia) e de extração de ferro (Vale do Rio Doce). Assim é criado em 1942 o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). O SESP  atuava principalmente em obras de saúde sanitária . De fato, em Belém, o objetivo era melhorar a salubridade das acomodações da tropa americana - e por tabela dos nativos também.

Ainda em 1943 foi iniciada a construção do dique que margearia o limite sul da cidade. Toda a área após o Arsenal de Marinha ainda era de floresta, alimentada pelos braços d’água do rio Guamá que adentravam nas baixadas. O serviço de engenharia aterrou os alagados e instalou o dique e as comportas. O enquadramento acima mostra poucas choupanas de palha no local com a mata ao fundo.

Conforme a placa comemorativa, a obra foi inaugurada em 14 de dezembro de 1944 pelo Interventor Magalhães Barata e o tenente-coronel John Yaegley, diretor assistente da Divisão de Saúde e Saneamento do Instituto de Assuntos Inter-Americanos.

As estruturas iniciavam na rua Triunvirato seguindo por 6 Km paralela a uma estrada de acesso. Com essa extensão o dique começaria na Cidade Velha e terminaria nas proximidades da UFPA. Como de se pode observar até hoje, exceto pelo trechos já concretados, há uma vala atravessando quase toda a Bernardo Sayão, que além de captar a água da chuva e o esgoto doméstico, serviria para canalizar as cheias do rio Guamá.

Dois anos depois, foi feita uma intervenção construtiva que aumentou a faixa que separava o dique da margem do rio. Esse aumento acabou por alargar a  estrada de acesso, que viria a ser a avenida Benardo Sayão. Serviu também para estimular a ocupação por populações de baixa renda nos bairros do Jurunas, Condor e Guamá.

Se de fato o objetivo era também povoar essa região de Belém, ele foi cumprido. Entretanto, pela distância do centro de cidade e condições precárias das habitações, os moradores desses bairros acabaram ganhando estigmas que permanecem até hoje.[1]

Bacia da Estrada Nova[2]

A Bacia da Estrada Nova é a quinta maior bacia hidrográfica da cidade, com extensão aproximada de 9,54 km², possuindo 72,70% de sua área constituída por áreas inundáveis[3]. Atualmente esta área soma uma população de aproximadamente 300.000 pessoas (IBGE, 2010) distribuídas pelos bairros do Jurunas, Batista Campos, Cremação, Condor e Guamá, e parcialmente pelos bairros de Nazaré, São Braz e Cidade Velha. Segundo o IBGE parte da área da bacia da Estrada Nova é considerada como “Baixadas do Rio Guamá”, uma área contigua de aglomerados subnormais, que apresenta alta densidade populacional e os rendimentos mais baixos da cidade.

A área da bacia da Estrada Nova tem em seu histórico peculiaridades intrínsecas ao processo de ocupação da periferia alagada de Belém. Localizada nas várzeas do Rio Guamá, o terreno na sua maior parte apresenta baixo nível hipsométrico, com baixas declividades, favorecendo o surgimento de pequenos charcos e significativa presença de áreas alagáveis. Apesar da proximidade com o centro da cidade e relatos históricos indicarem o início da ocupação da área desde o período colonial, por muitos séculos estas terras foram evitadas, sobretudo para o uso habitacional devido a características física que apresentava.

Segundo Penteado[4] (1968) o dique construído ao longo da orla do Rio Guamá na década de 1940 permitiu o aproveitamento de vastas áreas dos “bairros de várzea”, como era chamada a área até então. Este dique ficou conhecido popularmente como dique da Estrada Nova (Av. Bernardo Sayão), possui 6km e acompanha o Rio Guamá partindo do Arsenal da Marinha no bairro da Cidade Velha até as imediações do Igarapé Tucunduba findando onde atualmente se localiza a Universidade Federal do Pará. O dique, ao possibilitar a criação de terras secas, serviu como atrativo para o aumento populacional no local e ofereceu condições para o surgimento de estabelecimentos comerciais nas margens do Rio Guamá (portos, fábricas, feiras, comércios...). Os moradores que ocuparam as margens do rio reconheciam como “terra de ninguém” estas áreas, pertencentes à União. Não havia infraestrutura como energia elétrica e água encanada, que foram sendo instaladas com o tempo (ARAÚJO, 2008). A possibilidade de ocupação de terra não-regulada pelo mercado e de apropriação ainda não vetada atraiu os futuros moradores, mas também lhes permitiu a implantação nas proximidades do centro econômico de Belém.

Essas localizações foram aproveitadas por uma população de baixa renda, recém-chegada principalmente do interior do estado. A ocupação se dava de forma rápida, avançando em direção às áreas de várzea do Rio Guamá, as vias seguiam a continuação do traçado retilíneo da malha central (malha em tabuleiro de xadrez do Plano de Sidrimi de 1905) até que encontrassem acidentes hídricos, os quais eram contornados ou aterrados. De modo diferenciado, nas áreas de charco desenvolviam-se traçados viários mais tortuosos e rudimentares, evidenciando a falta de técnicas formais de planificação urbanística.

Assim, os cursos d’águas presentes na bacia da Estrada Nova sofreram ocupação em suas margens, calhas e planícies de inundação originais. O cenário formado por um processo de urbanização incompleto e precariedade socioambiental afetou a qualidade das águas causada pelo lançamento de esgoto in natura e outros resíduos, além de que a obstrução dos leitos e das várzeas comprometeu a capacidade de conter as águas das cheias, provocando alagamentos, sobretudo em períodos do ano em que a chuva é mais intensa.

Urbanização na bacia da Estrada Nova[2]

Em 2006 foi lançado pela Prefeitura Municipal de Belém (PMB) o projeto de macrodrenagem e urbanização da Bacia da Estrada Nova, integrada ao projeto foi proposta a “revitalização da orla” do Rio Guamá. Nomeado de “Portal da Amazônia”, o objetivo do projeto era a construção de uma “nova orla” para a cidade, sendo entendido como “orla” um equivalente do parque linear urbano mesclado a uma intervenção viária, e associado a serviços de amenidades, lazer e consumo, alavancando o desenvolvimento turístico e econômico[5].

As consequências do projeto são discutíveis pela possível intensificação da segregação socioespacial da cidade, devido à ruptura de atividades socioeconômicas desenvolvidas por seus moradores atuais, sobretudo pela proposta de mudança de usos na orla em prol do desenvolvimento econômico do mercado imobiliário e do surgimento de empreendimentos econômicos voltados para grupos sociais com maiores rendimentos.

Para a realização das obras é previsto o deslocamento involuntário de cerca de 2000 famílias[3] a maior parte dessa população vive em condições precárias em palafitas construídas de madeira e fixadas com estacas, ocupando leitos e margens de cursos d’água. O reassentamento foi planejado de acordo com as recomendações da política operativa 710 do BID[6] e das diretrizes para reassentamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para urbanização de assentamentos precários. Apesar do conteúdo do planejamento garantir itens como participação social, compensações pelo deslocamento, melhoria de condições de moradia, observou-se que durante o processo foi transmitida uma série de imprecisões referente ao reassentamento.

O apelo midiático que o nome “Portal da Amazônia” recebeu, levou a população e os próprios técnicos da prefeitura a se referir as obras da Bacia da Estrada Nova como “obras do Portal”. No entanto, nem toda intervenção na Bacia da Estrada Nova faz parte ou é integrante do Portal da Amazônia.

As ações de macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova foram planejadas através da divisão em quatro sub-bacias, prevendo o tratamento de sete canais. A partir da análise dos projetos entende-se que existem duas frentes de ação diferenciadas na bacia, a primeira localizada na sub-bacia 01 e no trecho de orla urbanizada e a segunda nas sub-bacias 02, 03 e 04. Na primeira, aspectos urbanísticos e de saneamento foram pensados para serem integrantes da nova orla, com adoção de mudanças radicais na paisagem urbana, como o tamponamento de canais que deram lugar a canteiros arborizados com equipamentos de lazer, enquanto na segunda são executadas obras que priorizam a drenagem dos canais e a duplicação da Av. Bernardo Sayão, menos apelativa midiaticamente, é caracterizada como projeto de “urbanização e saneamento de assentamento precário”.

A mudança entre soluções empregadas nas sub-bacias também seria consequente pela diferença entre linhas de financiamento e secretarias municipais que gerenciam as obras. Conforme a prefeitura negociava novo financiamento, o projeto que a principio seria integrado acabou se tornando “retalhado”. A sub-bacia 01, primeira a ser executada é financiada pelo BID, sendo nomeada de “PROMABEN” possui uma equipe própria para gerenciamento das obras. A sub-bacia 02 com obras iniciadas no mesmo período recebe recursos do governo federal através do PAC Saneamento e PAC habitação, esta obra atualmente é gerenciada pela Secretaria Municipal de Urbanismo - SEURB e nomeada de “Projeto de macrodrenagem e urbanização da Estrada Nova”. As sub�bacias 03 e 04 com inicio de obras posteriores possuem recursos também do PAC Saneamento, no entanto é gerenciada pela Secretaria Municipal de Saneamento - SESAN.

O projeto Orla com o primeiro trecho entregue recebeu recursos do município e governo federal, através do Ministério do Turismo, está é gerenciada pela SEURB e corresponde apenas ao viário e ao Parque linear. Enquanto a área denominada de “Urbanização do Portal” também gerenciada pela SEURB é referente à faixa continental ao viário construído, esta possui recursos do PAC Habitação para execução de conjunto habitacional e urbanização de vias em áreas antes ocupadas na maior parte por vilas de palafitas.

Referências

  1. Fragmentos de Belém: uma antologia da cidade. 2021.
  2. 2,0 2,1 LEÃO, Monique Bentes Machado Sardo. Macrodrenagem e urbanização na bacia da Estrada Nova: conflitos entre app urbana e reassentamento em baixadas de Belém/PA. 2014.
  3. 3,0 3,1 BELÉM, Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos. Decretos e Leis Municipais. Lei ordinária n.º 8.655, de 13 de janeiro de 2008. Dispõe sobre o Plano Diretor do Município de Belém e dá outras providências. 2008.
  4. PENTEADO, Antonio Rocha. Belém do Pará (Estudo de geografia urbana). Belém: Ed. UFPA, 1968. 2 v. (Coleção Amazônica, Série José Veríssimo).
  5. PONTE, Juliano Pamplona Ximenes. Cidade e água no estuário guajarino. 319 f. Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2010. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional, IPPUR-UFRJ). 2010.
  6. IDB (Inter-American Development Bank). Involuntary Resettlement in IDB Projects – Principles and Guidelines (OP 710). Washington, D.C. November 1999.