Brás de Pina – Experiência de Urbanização de Favela

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Revisão de 17h10min de 14 de abril de 2024 por Mariana Terra (discussão | contribs) (O texto a seguir foi elaborado a partir do artigo da arquiteta Gilda Blank, que data do início dos anos 1980 e foi baseado na dissertação de mestrado da autora, pelo Curso de Planejamento Urbano e Local da COPPE/UFRJ, onde Gilda Blank expõe sua experiência direta na urbanização da favela de Brás de Pina, que havia sido uma solução pioneira para o assentamento definitivo da população residente naquela favela.)
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A iniciativa de urbanizar a favela de Brás de Pina aparece em um contexto histórico onde a tônica como política pública era a remoção de assentamentos precários e consequente reassentamento em conjuntos habitacionais implantados em áreas periféricas. No entanto, ao fim dos anos 70, a autora aponta que já havia um consenso sobre o esgotamento da prática de “erradicação desses aglomerados invasores”, nos termos da autora, inclusive porque as maiores favelas da zona sul da cidade já haviam sido removidas.

Frente ao arrefecimento das remoções e também à baixa aplicação de programas federais do BNH para atuação em favelas por parte do governo municipal e estadual, a autora descreve o momento de expansão das favelas cariocas, tanto em números como em densidade. Neste sentido, uma política pública de urbanização de favelas complementaria e consolidaria os investimentos próprios dos moradores naqueles assentamentos, onde o governo entraria com aporte financeiro e também apoio técnico para tal consolidação.

Na sequência, a autora traz características da Favela de Brás de Pina, situada em terreno público plano às margens da Avenida Brasil, com 108 mil m² e população de 4.416 habitantes em 882 famílias, com 812 barracos. Descreve também a situação precária de esgotamento sanitário adotada pelos moradores do assentamento e pelos bairros vizinhos, além da pouca distribuição de água potável e energia elétrica na favela, e a precariedade física das habitações que eram em quase totalidade feitas em madeira.

Além desta caracterização física, a CODESCO (Companhia de Desenvolvimento de Comunidades, do Governo do Estado da Guanabara) e posteriormente a equipe da Quadra Arquitetos Associados, também fez levantamentos socioeconômicos das pessoas residentes na Favela de Brás de Pina, em 1968, abarcando questões sobre densidade habitacional, emprego, renda, mobilidade etc.

A autora resgata que a mobilização dos moradores, organizados em associação e junto ao pároco local, conseguiu limitar a remoção da favela ainda em 1964/65, a partir de um plano preliminar de urbanização. O plano foi elaborado em conjunto com a equipe da Quadra Arquitetos, para atrair a atenção do Governo para a possibilidade de urbanizar – e não remover – a Favela de Brás de Pina. Neste sentido, o governo seguinte eleito em 1966, cria a CODESCO como órgão executor da política habitacional e agente financeiro do BNH, para atuar de forma oposta às políticas executadas anteriormente, ainda que em caráter experimental.

A urbanização seguiu a premissa de abarcar a participação da comunidade na elaboração e implementação do projeto, com soluções técnicas e orçamentárias que atendessem as necessidades de uma população com faixa de renda de 1 a 3 salários mínimos. O projeto seria então dividido em três fases: 1. Colocação de infraestrutura urbana, a partir de recursos do Sistema Financeiro de Habitação; 2. Melhoria habitacional, a partir da concessão de financiamento de material de construção aos moradores com juros baixos e a longo prazo, denominado Recon-Social; 3. Desenvolvimento socioeconômico, concluindo o objetivo pretendido de “Integrar a comunidade subnormal no bairro adjacente”.

A malha viária projetada respeitou a estrutura original da favela e o fluxo já existente, onde o projeto de loteamento escolhido pelo grupo de moradores era o mais parecido com o desenho do restante da cidade, descartando alternativas como a de condomínios horizontais em grandes quadras. Foi somada uma área livre de 35.000 m² à área já ocupada da favela, originando 900 lotes de 120 m² (8 m x 15 m), onde as famílias se remanejavam provisoriamente à medida que a infraestrutura ia sendo instalada, para posteriormente escolherem seus lotes definitivos. Este processo de remanejamento durou do último trimestre de 1968 a novembro de 1969.

Sobre as unidades habitacionais, a autora explica que as plantas foram desenhadas inicialmente pelos moradores, com posterior elaboração do desenho técnico final pela equipe de arquitetos. Na sequência, acontecia a aquisição do financiamento para compra de materiais de construções e a construção das unidades, seja por autoconstrução total ou parcial, seja por contratação de uma empreiteira ou diversos profissionais, com o devido acompanhamento da equipe técnica, quando solicitado. Na maioria dos casos, comenta a autora, as famílias moravam no barraco provisório no fundo do novo lote, enquanto a habitação definitiva era construída na frente do mesmo lote, sendo então o barraco desmontado ao fim da empreitada.

Ao fim de oito anos do início da urbanização – quando da data da pesquisa da autora – cerca de 75% das moradias já estavam consolidadas em alvenaria, entretanto ainda não havia efetivação jurídica da transferência de posse definitiva do lote para os moradores da Favela de Brás de Pina, nem a aprovação formal do loteamento e a legalização das casas.

Na sequência do artigo, a autora descreve outros pontos comparativos entre a situação encontrada pela equipe técnica na favela antes da urbanização, e o que se desenvolveu a partir da política pública implantada, tanto nos aspectos ambientais como socioeconômicos, com gráficos e tabelas que demonstram as análises. Um aspecto abordado com mais atenção foi o “relacionamento interno” na comunidade após a urbanização, onde o espírito coletivo e associativo começa a dar lugar a um certo individualismo a partir do início da execução da unidade habitacional por cada família. Inclusive a realização de mutirão ficou dificultada justamente porque o ato de ajudar o vizinho compromete o trabalho na sua própria casa, com exceção à habitual execução coletiva das lajes.

O alto grau de satisfação da população da Favela de Brás de Pina também é comentado pela autora, quando ela reforça o fato dos moradores terem permanecido no mesmo local de residência, além de terem participado do processo de viabilização e construção da casa, de forma progressiva. Ainda assim, a autora atenta que Brás de Pina (e aqui ela não cita mais o termo favela) “será sempre, pelo menos durante vários anos, uma área de exceção dentro do bairro maior, porém uma área não mais favelada”.

Por fim, a autora aborda a importância da participação popular e da utilização de tecnologias construtivas próprias da comunidade favelada para a efetivação integral da política de urbanização de favelas, tanto para reduzir despesas e ganhar escala, mas principalmente para formar a responsabilidade dos moradores para o bom andamento das obras e posterior adaptação ao novo local de moradia e à nova dinâmica comunitária, no que a autora denomina como “desenvolvimento progressivo das populações faveladas”.