Cultura e negritude (entrevista): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Entrevista com Zulu Araújo sobre a Fundação Cultural Palmares e a cultura negra no Brasil.
Entrevista com Zulu Araújo sobre a Fundação Cultural Palmares e a cultura negra no Brasil.
  Autoria: Amauri Eugênio Jr. (entrevistador) / Zulu Araújo (entrevistado)<ref>Publicado originalmente na plataforma [https://www.ancestralidades.org.br/noticias/Cultura-e-um-elemento-estrategico-para-o-desenvolvimento-da-comunidade-negra-e-do-Brasil-Entrevista-com-Zulu-Araujo?utm_campaign=ancestralidades_newsletter_publico_raca_e_genero_-_setembrooutubro_de_2023&utm_medium=email&utm_source=RD%20Station Ancestralidades].</ref>.
  Autoria: Amauri Eugênio Jr. (entrevistador) / Zulu Araújo (entrevistado)<ref>Informações reproduzidas pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco. Fonte: [https://www.ancestralidades.org.br/noticias/Cultura-e-um-elemento-estrategico-para-o-desenvolvimento-da-comunidade-negra-e-do-Brasil-Entrevista-com-Zulu-Araujo?utm_campaign=ancestralidades_newsletter_publico_raca_e_genero_-_setembrooutubro_de_2023&utm_medium=email&utm_source=RD%20Station Ancestralidades].</ref>.


== Apresentação ==
== Apresentação ==

Edição das 17h24min de 11 de dezembro de 2023

Entrevista com Zulu Araújo sobre a Fundação Cultural Palmares e a cultura negra no Brasil.

Autoria: Amauri Eugênio Jr. (entrevistador) / Zulu Araújo (entrevistado)[1].

Apresentação

Dizer que a Fundação Cultural Palmares é um marco para a cultura afro-brasileira passa longe de dar a sua real magnitude. Criada há 35 anos, em 22 de agosto de 1988, vinculada ao Ministério da Cultura, a FCP tem como objetivo promover e apoiar eventos voltados à interação cultural, social, econômica e política da população negra em território brasileiro.

Além disso, o órgão visa realizar intercâmbios com outros países ou entidades internacionais para a realização de pesquisas e eventos relativos à história e à cultura dos povos negros. Outro ponto de destaque na atuação da Fundação Cultural Palmares consiste no fato de ela ter como uma de suas atribuições realizar a identificação e o reconhecimento dos remanescentes das comunidades dos quilombos e a delimitação, demarcação e titulação das suas terras.

Para falar sobre o trabalho histórico realizado pela Fundação Cultural Palmares e os próximos passos, a Plataforma Ancestralidades entrevista Edvaldo Mendes Araújo, conhecido como Zulu Araújo, presidente do órgão entre 2007 e 2011. Zulu é também arquiteto, mestre em Cultura e Sociedade e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Confira a entrevista a seguir.

Entrevista

Um objetivo primordial da Fundação Cultural Palmares é promover e apoiar eventos voltados à interação cultural, social, econômica e política da população negra no Brasil. Como você vê, historicamente, a atuação da FCP nesse sentido?

A atuação da Fundação Cultural Palmares, excetuando o período de 2019 a 2022, momento em que sua missão foi subvertida, sempre foi pautada no cumprimento da sua missão institucional, que era e continua e continua a ser a de preservar, valorizar e divulgar as manifestações culturais de origem negra no Brasil - e isso com o objetivo da inclusão plena dos negros e negras na sociedade brasileira.

Nesse sentido, é importante lembrar que a FCP, criada em 1988, ano do centenário da Abolição da Escravatura, assim como o ano da Assembleia Nacional Constituinte [N.R.: e da atual Constituição Federal], que devolveu à sociedade brasileira o ambiente democrático, é a única instituição do Estado brasileiro que tem como responsabilidade promover a inclusão plena da pessoa negra na sociedade brasileira.

Ou seja, possui dimensão absolutamente relevante, diante das carências e exclusões às quais a comunidade negra vem sendo submetida ao longo da história - e com um diferencial importantíssimo e sua principal ferramenta de atuação, que é a cultura. A cultura foi e continua sendo o instrumento mais importante da luta pela igualdade racial no país.

Em entrevista à Plataforma Ancestralidades sobre os 20 anos de criação da Seppir, o ex-ministro Elói Ferreira falou, entre outros pontos, sobre o resgate da memória da violência histórica à qual a população negra foi e é submetida no Brasil, inclusive para evitar discursos e práticas revisionistas. Em sua opinião, a FCP pode ser um agente estratégico nessa dinâmica para, entre outras coisas, intensificar o debate sobre a reparação histórica à população afro-brasileira?

No meu entendimento, o papel da FCP é muito mais amplo do que o de promotor de resgate da memória da violência histórica. Esse é apenas um dos elementos do seu trabalho. A comunidade negra brasileira deu uma contribuição civilizatória para o país e isto alcança as dimensões artística e cultural. Portanto, a responsabilidade da Fundação Cultural Palmares é muito maior do que a de promover resgate histórico.

A Palmares precisa e deve valorizar, difundir e preservar a contribuição cultural nas áreas da dança, teatro, culinária, artes plásticas, religiosidade (tão perseguida e discriminada), literatura, música e artes dramáticas. Enfim, de tudo o que diga respeito à cultura, até porque a cultura é um elemento estratégico para o desenvolvimento da comunidade negra e do Brasil.

Como você vê a atuação da FCP para valorizar a produção artística e intelectual da população negra no Brasil?

A Fundação Palmares tem tido papel importantíssimo na valorização das manifestações culturais e artísticas de origem negra no Brasil. Foi por intermédio da Palmares que suas manifestações culturais passaram a ter acesso ao fomento e ações que possibilitaram o reconhecimento da sua importância. Cito por exemplo o registro da capoeira e do samba de roda do Recôncavo como patrimônios culturais nacional e da humanidade. Idem o ofício das baianas de acarajé, que é Patrimônio Cultural brasileiro, assim como o jongo da Serrinha, o tambor de crioula no Maranhão, dentre outras. Tudo isso graças ao trabalho da Palmares, articulado com instituições como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Ministério da Cultura, notadamente nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira.

Além disso, a Palmares proporcionou a inserção da cultura negra brasileira em intercâmbios internacionais. Um exemplo é a sua participação na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo e a Intolerância, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), levando a maior delegação da conferência. Desse modo, contribuiu para que as ações afirmativas não só fossem aprovadas na Conferência, como também pudessem ser posteriormente implementadas no Brasil. A Palmares também liderou a campanha pela inclusão da(o) negra(o) no Ensino Superior brasileiro via cotas, por meio do seminário O Negro na Universidade - O Direito à Inclusão, campanha vitoriosa que criou as condições para o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovar por unanimidade o sistema de cotas para negros nas universidades.

A Fundação Palmares também realizou, apoiou e promoveu um sem-número de encontros, seminários, debates e festivais de caráter nacional e internacional nos quais foi discutida a importância da valorização e difusão das manifestações culturais de origem negra no Brasil. Alguns exemplos são os I e II Encontro Afro-Latino, realizados em Cartagena e em Salvador, em 2007 e 2010.  Outra participação importante foi no III Festival Mundial de Artes Negras (Fesman), realizado no Senegal, em 2010, quando o Brasil foi representado por 465 artistas negras(os), que puderam trocar experiências e [fazer] intercâmbios culturais. Outro momento importante foi a coordenação cultural da Palmares na II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora (Salvador, 2006), que contou com as presenças do presidente Lula, de 18 chefes de Estado de países africanos e mais de 3 mil intelectuais africanas(os) e da diáspora do mundo inteiro.

Como é possível analisar o trânsito dela com demais órgãos, como a antiga Seppir (e o atual Ministério da Igualdade Racial) e demais esferas governamentais?

Quanto à relação da Palmares com demais órgãos do Governo Federal, houve momentos de grande articulação, como com o Ministério das Relações Exteriores nas ações internacionais, Ministério dos Esportes e no Ministério do Meio Ambiente, na revitalização do rio São Francisco.

Com a Seppir, a relação sempre foi tensa, tendo em vista a incompreensão que parte do movimento negro sempre teve sobre a importância da Fundação Palmares e que terminou por levar essa incompreensão para a primeira gestão da Seppir. Exemplo disso: durante o período de transição do primeiro governo do presidente Lula, várias lideranças do movimento negro que defendiam a criação da Sepppir, também defendiam a extinção da Fundação Palmares ou a sua subordinação à Seppir. Considerava-se que ela deveria ser somente um braço da política de promoção da igualdade racial e não da valorização da cultura negra.

Apesar das dificuldades, os ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, pela Cultura, e Édson Santos, pela Seppir, contribuíram bastante para que arestas fossem aparadas e as tarefas fossem realizadas a contento.

A gestão anterior da FCP foi marcada por uma série de episódios que, por diversos motivos, marcaram a defesa de perspectiva contrária à valorização da população negra. Quais podem ser os reflexos desse período na gestão do órgão, seja para reverter retrocessos simbólicos e efetivos, seja para construir mecanismos para evitar que fatos como aqueles possam ocorrer novamente?

Os prejuízos causados ao combate ao racismo, à promoção da igualdade racial e ao desenvolvimento da cultura negra no país pela última gestão são incomensuráveis. Eles representam um retrocesso enorme aos avanços que haviam sido conquistados no processo de democratização do país. Creio que levaremos muito tempo para superá-los.

A destruição da estrutura administrativa da Fundação Palmares, de seu acervo bibliográfico e histórico e, por fim, o dano cultural propriamente dito, visto que se difundiu a ideia de que a luta contra o racismo no Brasil era algo dispensável, além de ter estimulado o recrudescimento das manifestações racistas no país, será sentida por muitos anos.

Os dados do último Censo mostram os reflexos da opressão histórica da população quilombola e a sua luta para resistir e demandar por políticas públicas e titulação de terras - esse fato tornou-se ainda mais evidente após a execução de Mãe Bernadete Pacífico. Quais são as lições deixadas nos períodos mais recentes para a FCP atuar no apoio à população quilombola?

O conceito de remanescente de quilombos é essencialmente cultural. Não à toa, a primeira certificação desses territórios se deu pela Fundação Cultural Palmares. Na raiz desse conceito está a defesa da igualdade no acesso à terra, o seu uso coletivo e a legitimação do espaço quilombola como espaço de liberdade.

As lições que podemos tirar são de que a luta pelo reconhecimento dos territórios remanescentes de quilombos é essencial para a reparação histórica. Outra lição: o Brasil, ou melhor dizendo a elite brasileira, continua a ser conservadora, escravocrata, violenta e não abre mão dos seus privilégios, mesmo que precise fazer uso da luta para isso.

Por isso mesmo, considero fundamental que os movimentos quilombola e negro construam articulações políticas e sociais que possibilitem não apenas a sua defesa dessas violências, a exemplo do que ocorreu com Mãe Bernadete, mas também façam avançar processos de reconhecimento e titulação das terras remanescentes de quilombos.

Como a FCP pode atuar para fomentar e apoiar o desenvolvimento de novas linguagens artísticas e estéticas criadas pela população negra, de modo que contemple também perspectivas plurais e particularidades regionais?

Em primeiro lugar, a Fundação Cultural Palmares precisa recuperar sua dimensão funcional, pois ela está destroçada. Para tanto é necessário que seja dotada de estrutura administrativa e de orçamento adequados, e ser uma prioridade política dentro do Ministério da Cultura.

Será a partir dessas condições que a Palmares poderá apoiar, fomentar e estimular a juventude, a inventividade e as novas linguagens decorrentes da criatividade do nosso povo.

Por fim, quais são as suas expectativas para o trabalho da FCP nos próximos tempos?

Tenho as melhores expectativas para o trabalho que a Fundação Palmares poderá desenvolver na gestão de João Jorge Rodrigues. Trata-se de uma pessoa experimentada e vitoriosa, com um legado dos mais importantes à frente da maior entidade cultural negra do país que é o Grupo Cultural Olodum.

Ver também

  1. Informações reproduzidas pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco. Fonte: Ancestralidades.