Estrada da Independência

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Autor: Diego Francisco

Introdução[editar | editar código-fonte]

Segundo moradores, uma das provas da luta pelo direito de habitar o terreno do morro tijucano é a escolha do nome da Estrada que permite acessar toda a extensão da favela e dá acesso ao Morro da Chácara do Céu.

Independência, representando a independência do Favela do Borel e a garantia de poder construir naquele espaço os ritmos e fluxos da vida de mais de dez mil famílias que circulam por ali.

E é exatamente na estrada da Independência que se vê o pulsar de um cotidiano marcado por risos, suor e lágrimas. Vale lembrar que a Estrada, situada no número 430 da Rua São Miguel passou por muitas intervenções até a que se vê atualmente, concluída após as obras do Programa de Aceleração do Crescimento, em sua segunda fase, em 2010.

Um pouco de História[editar | editar código-fonte]

Diz-se que as primeiras casas do Morro do Borel foram construídas por pessoas que eram proprietárias das terras e dividiam os lotes e até cobravam aluguéis, por volta de 1921. Uma delas era conhecida pelo nome de Hortência que, algum tempo depois, no início da década de 1930, mesmo com certa dificuldade de controlar o “negócio”, em função do número cada vez maior de moradores e moradoras que não conseguiam pagar o aluguel, acabou recorrendo ao uso da força, contando, para isso, com um grupo de capangas. Depois de alguns anos, o controle das terras do morro passou para a mão de outras pessoas, que continuaram a “administrar o negócio”, cobrando os aluguéis e demarcando os lotes.

Apesar do número crescente de moradores a estrutura ainda era bastante rural e o que se vê atualmente não se parece nada com o imenso matagal que rodeava as casas, como contam moradores mais antigos. Ainda assim, os moradores foram se instalando, mesmo em condições precárias e tentando construir sua vida ali.

Os primeiros moradores vinham de outros estados em busca de uma vida melhor no Rio de Janeiro. Alguns nem imaginavam que passariam dificuldades ao chegar na cidade. Uma dessas primeiras famílias é a família Calegário, cujo patriarca, seu Constantino Calegário, dá nome a uma das praças do Borel, conhecida também como Praça da Bíblia, na região conhecida como Figueira, parada obrigatória ao longo da Estrada da Independência. Em 1955 o jornal Correio da Manhã anunciava uma decisão judicial que decretava o despejo dos moradores e moradoras do Morro do Borel.

A luta asseverou-se dando destaque a inúmeros moradores e ao advogado do morro, Dr. Antoine Magarinos Torres Filho, que dá nome ao Centro Integrado de Educação Pública, o Ciep em frente ao Borel. Em luta pela desapropriação, moradores fincaram o pé e muitas vezes tinham de faltar ao trabalho para manter de pé suas casas. E é só depois de muitos anos, na década de 1960, que os moradores vão ganhar o direito de habitar nas terras do Borel.

Foi neste mesmo período que o Borel se tornou a primeira favela do Rio de Janeiro a criar uma associação de moradores. A União dos Trabalhadores Favelados foi criada em 1952 e, por meio dela, moradores, conquistaram o direito de permanecer no espaço que ocupavam. Embora tenha sido criada no Borel, a associação apoiou e ajudou a organizar a luta de outras comunidades de favela, acolhendo moradores e moradoras de outros morros que sofriam as mesmas ameaças. Esse foi um período de grande resistência, em que as favelas se uniram contra uma política de remoção de favelas que começava a ser efetivamente implementada pelo poder público

E vem desta luta e conquista o nome de Estrada da Independência, uma vez que moradores/as não precisavam mais pagar ara residir naquelas terras ou temer o despejo e a remoção.

Com a construção da Estrada vem também a construção dos pontos de acesso marcantes da favela do Borel, quase todo acessado por sua única e principal via. Quem passa depressa na rua São Miguel até pode saber que existe a favela do Borel, mas apenas acessando a Estrada da Independência vai conseguir sentir a pulsação das muitas histórias presentes ali.

Subindo a Estrada[editar | editar código-fonte]

Unidos da Tijuca[editar | editar código-fonte]

Logo no ínicio, a Estrada da Independência é marcada pela quadra da Escola de Samba Unidos da Tijuca, hoje transformada em Centro de Cidadania Unidos da Tijuca, que oferece atividades esportivas para crianças, adolescentes e jovens, além de cursos de formação em uma unidade parceira da Fundação de Apoio à Educação Técnica (Faetec).

A Quadra não é mais utilizada para os grandes ensaios da escola de samba, realizados no endereço da Zona dos Portuários carioca. Continuam mantidos eventos, shows e festas privadas e/ou abertas aos moradores.

Barranco e Rua Nova[editar | editar código-fonte]

Subindo mais um pouco será possível avistar a entrada para a Rua Nova, construída como rota alternativa à Estrada da Independência para chegar a um ponto mais alto do morro, próximo ao Terreirão, passando pela Grota. Uma curiosidade é que as obras para a construção da rua, realizadas durante o programa Favela-Bairro na década de 1990, deixaram no meio da via alguns postes de iluminação, dificultando o acesso de carros para percorrer todo o percurso.

Ainda hoje, só é possível completar todo o percurso a pé ou de moto. Por este mesmo acesso chega-se à localidade conhecida como Barranco, onde está situada a galeria do projeto Boreart e de onde, há alguns anos era possível ter uma vista parcial da Tijuca. Novas construções impedem esta visão das ruas São Miguel e Conde de Bonfim, bem como do Colégio Marista São José, para ter a vista, é preciso subir mais alguns muitos degraus.

Curva do Horácio e 15[editar | editar código-fonte]

Continuando a subida, chegamos à famosa Curva do Horácio, que tem este nome devido a um antigo morador do Borel, É a curva que dá início à primeira parte íngreme da estrada. É ali, na curva do Horácio que é possível acessar a região localizada como 15, uma área residencial, marcada por uma área comum, antes um pequeno terreiro, que já foi espaço de muitas festas que atraíam principalmente os moradores da região da Ladeira do Moreira, mas também de todo o Borel. Vila da Preguiça Mais uma parada e estamos na

Vila da Preguiça[editar | editar código-fonte]

Esta entrada dá acesso à localidade conhecida por este nome e que se assemelha de fato a uma vila residencial, com conexões para outras áreas do Borel como a Ladeira do Moreira e também o Terreirão, em um acesso com mutas escadarias famosas, como a da Nike.

A Vila da Preguiça também foi a localidade onde ocorreu a Chacina do Borel, na qual quatro jovens que saiam de uma barbearia não tiveram a chance de se identificar e foram assassinados à queima roupa. Ali foi instalado, por ocasião dos dez anos completados em 2013, um totem para lembrar do incidente.

Figueira e Praça da Bíblia[editar | editar código-fonte]

Na região conhecida como Figueira, nomeada assim por conta de uma enorme figueira que existia no local, encontramos uma pequena área de lazer formada por uma quadra esportiva, que foi construída durante as obras do Programa de Aceleração do Crescimento entre 2009 e 2011 e a Praça Constantino Calegário, também conhecida como praça da Bíblia. No seu entorno existem algumas lanchonetes e um mercearia. O nome da praça homenageia um dos patriarcas da família Calegário, uma das primeiras a chegar no Borel e que tem como marca a construção de habitações que pudessem comportar toda a família. Um exemplo é o prédio erguido ali na mesma região.

Pocinho[editar | editar código-fonte]

Pouco acima da Figueira chega-se ao Pocinho, região que ganhou este nome devido a existência de uma pequena bica de onde os moradores pegavam água para abastecer suas casas. Atualmente, a região conta com residências e uma igreja.

Verão Vermelho[editar | editar código-fonte]

Subindo a estrada chegamos ao Verão Vermelho. Atualmente funciona apenas o bar, que mantém o nome do clube que animou os fins de semana das décadas de 1970 e 1980 no Borel. Naquela época o Borel chegou a ter dois clubes com sociedades para jogos e lazer era a Sociedade de Amigos do Maracujá, situado na parte baixa do Borel, e o Clube Atlético do Verão Vermelho, no Largo do Paraíso, conhecido como Terreirão.

O imóvel conta com um salão de bilhar, uma área para festas no terraço e um bar que leva o mesmo nome mas não conserva mais a tradição de ser um clube com sócios e o propósito determinado. Ainda assim, a manutenção do espaço constitui uma joia da história do Borel diante dos nossos olhos.

Largo do Paraíso/Terreirão e Centro Cultural Jorge Neto[editar | editar código-fonte]

A parte alta mais conhecida do Morro do Borel sem dúvida alguma é o Terreirão. O histórico da realização de eventos, o espaço de manobra para os veículos e a concentração de acessos à parte mais alta do morro tornam este espaço singular. No Largo do Paraíso, como era conhecido nas décadas de 1950 e 1960 estão localizadas a agência missionária Jovens Com Uma Missão (Jocum) com a sua sede administrativa e a Escola de Música Bom Tom, que oferece aulas de instrumentos para crianças, jovens e adultos.

Também é no Terreirão que foi construído o Centro Cultural Jorge Netto, um palco para manifestações culturais e realização de eventos que leva o nome do antigo morador que desenvolvia inúmeras atividades culturais no Borel, além de ser compositor de inúmeros sambas para a Escola Unidos da Tijuca e que foi responsável pelo primeiro sistema de rádio comunitária do Borel. Jorge Netto foi um verdadeiro agitador cultural.

Igrejinha[editar | editar código-fonte]

Continuando a subida chegamos à Igrejinha, região que ganhou este nome por ter ali a Capela Nossa Senhora das Graças, que durante muitos anos foi liderada pelo Padre Olinto Pegoraro. A região se tornou um polo de serviços para os moradores reunindo a creche Santa Mônica,  a Escola Municipal Marcelo Cândia, de Educação Infantil e um Centro Avançado da Organização dos Advogados do Brasil (OAB). Vale lembrar que depois de muitos anos de funcionamento no Borel, durante o período que a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) foi instalada no Borel, a OAB decidiu encerrar as atividades do posto avançado. Durante o período da UPP também funcionou, embaixo da quadra, uma Biblioteca financiada pela Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan). O projeto foi encerrado em 2015 e a biblioteca foi desativada com o material recolhido.

Final Velho[editar | editar código-fonte]

Da Igrejinha até o Final Velho, ainda temos muito chão na Estrada da Independência, passando por uma escadaria que dá acesso à Chácara do Céu e, logo depois, pelo final da Ladeira dos Tabajaras, que começa no Terreirão.

O Final Velho é onde o Borel terminava antes de as construções chegarem mais ao alto até quase na Chácara do Céu. Ainda é a região com menos moradores do Borel. É dali que damos o último fôlego para a subida mais íngreme de toda a estrada da Independência, que nos deixará, por fim, na Chácara do Céu onde vai se tornar a Estrada da Chácara do Céu.

Palco de eventos marcantes[editar | editar código-fonte]

Na Estrada da Independência ocorreram eventos significativos como a subida do Ocupa Borel em que moradores/as rreivindicaram o direito ao seu território contra um toque de recolher imposto pela Polícia Militar.

Também foi na Estrada da Independência que centenas de moradores ativistas subiram silenciosos na marcha que marcou os dez anos da Chacina do Borel.

Em 2007, em uma atualização de logradouros públicos, a Câmara de Vereadores reconheceu a Estrada da Independência, que agora consta dos mapas do município do Rio de Janeiro.

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