Favelas como territórios da espera

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

As favelas da cidade do Rio de Janeiro têm sido estudadas sob diferentes aspectos: social, moral, político, jurídico, cultural; vistas como territórios da pobreza, da desordem, das doenças, enfim, como um problema. Adotando como referência o seu mito de origem, proponho uma leitura das favelas cariocas como territórios da espera. Territórios da espera definem um espaço ou um lugar qualquer inteiramente dominado pelas questões relacionadas às práticas sociais ligadas à espera.

Autora: Teresa de Jesus Peixoto Faria

Sobre[editar | editar código-fonte]

As favelas da cidade do Rio de Janeiro têm sido estudadas sob diferentes aspectos: social, moral, político, jurídico, cultural; vistas como territórios da pobreza, da desordem, das doenças, enfim, como um problema. Adotando como referência o seu mito de origem, proponho uma leitura das favelas cariocas como territórios da espera[1] . Segundo Gomes e Musset (2015: 67), territórios da espera definem um espaço ou um lugar qualquer inteiramente dominado pelas questões relacionadas às práticas sociais ligadas à espera. Assim, a espera dos ex-combatentes da Guerra de Canudos, por seus soldos ou moradias, reconfigura o morro da Providência. Ali, recém-instalados, em 1897, por uma circunstância transitória, os soldados, além de lhe atribuírem um novo nome – Morro da Favella – lhe conferem um novo sentido e identidade, originando e perenizando um novo território (da espera), a favela. Outros eventos, como a demolição dos cortiços, reformas urbanas, contribuíram para o desenvolvimento de assentamentos precários similares ao Morro da Favella. Estes, pelas péssimas condições e perfil de seus ocupantes, deveriam, aos olhos das autoridades, serem extintos. Porém, já reconhecidos e oficializados como favelas, assim subsistiram até os dias atuais. Ainda hoje, a necessidade de abrigo e a falta de políticas que respondam ao déficit habitacional continuam levando indivíduos ou grupos, em busca de uma solução emergencial de moradia, a se instalarem nas favelas. Muitos, à espera e na esperança de conquistar a sonhada casa própria. A favela também foi considerada a porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras. Em incontáveis casos, essa situação temporária de espera se alonga ou se torna definitiva. Por razões de atração ou repulsão: econômicas, culturais, urbanísticas, (in)segurança, desesperança, muitos querem permanecer, alguns chegar, outros sair. Sua urbanização e integração, uma utopia; remoção, como as inúmeras que ocorreram ao longo de sua história, uma ameaça. Porém, a favela carioca permanece entre visões opostas: problema/solução, atração/repulsão, provisório/definitivo, passagem/permanência, remoção/urbanização, nesse sentido, as favelas são verdadeiros territórios da espera.

Referencias bibliográficas[editar | editar código-fonte]

VIDAL, L.; MUSSET, Alain (2015). “Des lieux d’attente aux territoires de l’attente: Une nouvelle dimension ontologique de l’espace et du temps”. IN: VIDAL, Laurent; MUSSET, Alain. Les territoires de l’attente. Migrations et mobilités dans les Amériques. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, p.61-72.

 

Notas[editar | editar código-fonte]

  1. Os territórios da espera foram estudados no âmbito do TERRIAT, acrônimo do projeto internacional de pesquisa “Sociedades, mobilidades, deslocamentos: os territórios da espera. O caso dos Mundos Americanos (de ontem a hoje)”, financiado pela Agência Nacional de Pesquisa (França), desenvolvido de 2011 a 2014, coordenado por Alain Musset e Laurent Vidal. Os estudos estão publicados na obra coletiva, da qual participo, organizada por Vidal e Musset (2015).