Movimentação cultural da periferia Sul de São Paulo: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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  Autora: Elisa Dassoler<ref>Graduada em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Mestre em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Linha de Pesquisa: Processos Artísticos Contemporâneos (PPGAV/UDESC). Contato: elisadassoler@gmail.com; https://www.elisadassoler.com. Grupo de Pesquisa Poéticas do Urbano (CNPq - PPGAV/UDESC)</ref>.  
  Autora: Elisa Dassoler<ref group="Notas">Graduada em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Mestre em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Linha de Pesquisa: Processos Artísticos Contemporâneos (PPGAV/UDESC). Contato: elisadassoler@gmail.com; https://www.elisadassoler.com. Grupo de Pesquisa Poéticas do Urbano (CNPq - PPGAV/UDESC)</ref>.  
Texto originalmente publicado nos [http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000132012000100012&script=sci_arttext Anais do Primeiro Colóquio Internacional de Culturas Jovens: Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros].  
Texto originalmente publicado nos [http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000132012000100012&script=sci_arttext Anais do Primeiro Colóquio Internacional de Culturas Jovens: Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros].  


=== Resumo ===
=== Resumo ===
Este artigo tem por objetivo apresentar a análise feita sobre a movimentação cultural da periferia sul de São Paulo, notadamente nos últimos anos, a partir da experiência de dois projetos artístico-culturais: "''Semana de Arte Moderna da Periferia: Antropofagia Periférica"'' e "''Expedición Donde Miras: Caminhada Cultural pela América Latina"'' (DASSOLER, 2011). Tendo em vista que ambos os projetos foram protagonizados por artistas e agentes culturais moradores da referida região, este trabalho procura evidenciar a organização desses jovens realizadores a partir da análise dos ''usos do território'', do qual fala o geógrafo Milton Santos. Em linhas gerais, este trabalho apresenta a dinâmica cultural da periferia sul de São Paulo como um processo híbrido, marcado pelo conflito entre a racionalização hegemônica do espaço e a emergência de ''contra-racionalidades'' que, no lugar e mediante os sistemas técnicos, se desenvolvem na perspectiva da construção de práticas sociais horizontalizadas pautadas na solidariedade e na resignificação da cidadania.
Este artigo tem por objetivo apresentar a análise feita sobre a movimentação cultural da periferia sul de São Paulo, notadamente nos últimos anos, a partir da experiência de dois projetos artístico-culturais: "''Semana de Arte Moderna da Periferia: Antropofagia Periférica"'' e "''Expedición Donde Miras: Caminhada Cultural pela América Latina"'' <ref>DASSOLER, Elisa Rodrigues. Coletivo Arte na Periferia: por uma outra dimensão territorial das artes visuais. Dissertação de Mestrado do Curso de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Florianópolis, 2011.</ref>. Tendo em vista que ambos os projetos foram protagonizados por artistas e agentes culturais moradores da referida região, este trabalho procura evidenciar a organização desses jovens realizadores a partir da análise dos ''usos do território'', do qual fala o geógrafo Milton Santos. Em linhas gerais, este trabalho apresenta a dinâmica cultural da periferia sul de São Paulo como um processo híbrido, marcado pelo conflito entre a racionalização hegemônica do espaço e a emergência de ''contra-racionalidades'' que, no lugar e mediante os sistemas técnicos, se desenvolvem na perspectiva da construção de práticas sociais horizontalizadas pautadas na solidariedade e na resignificação da cidadania.<ref group="Notas">Texto originalmente publicado nos [http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000132012000100012&script=sci_arttext Anais do Primeiro Colóquio Internacional de Culturas Jovens: Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros]</ref>


=== Introdução: "Pânico na zona sul" ===
=== Introdução: "Pânico na zona sul" ===
No ranking das maiores economias do mundo, a cidade de São Paulo é considerada o centro econômico, financeiro e político mais importante da América Latina. Visto que esta concentra riqueza na mesma lógica em que distribui miséria a uma parcela significativa da população, a cidade-metrópole paulistana carrega, assim, a “glória” e o “peso” dessa situação. Espaço profícuo das grandes contradições, São Paulo é pensada aqui como lugar da concentração e ao mesmo tempo da fragmentação (SANTOS, 2006, 2009 b).
No ranking das maiores economias do mundo, a cidade de São Paulo é considerada o centro econômico, financeiro e político mais importante da América Latina. Visto que esta concentra riqueza na mesma lógica em que distribui miséria a uma parcela significativa da população, a cidade-metrópole paulistana carrega, assim, a “glória” e o “peso” dessa situação. Espaço profícuo das grandes contradições, São Paulo é pensada aqui como lugar da concentração e ao mesmo tempo da fragmentação <ref>SANTOS, Milton. '''A Natureza do Espaço:''' Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4ª edição, 2ª reimpressão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.</ref>,<ref>SANTOS, Milton. '''Por uma Economia Política da Cidade:''' o caso de São Paulo. 2ª edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.</ref>.


Inseridas nesse processo contraditório, as periferias urbanas se apresentam como os grandes receptáculos de pessoas que, geralmente na condição de migrantes, não encontram na cidade grande o sonho de “crescer na vida” e alcançar as bases, materiais e imateriais, tão sonhadas como educação, saúde, trabalho e moradia digna. Esse processo de periferização, de segregação socioespacial, assinala o quão perverso é o modo de produção capitalista na sua fase atual, e nos alerta para a urgência – para a necessidade – de se pensar novas formas de habitar, trabalhar, produzir arte, cultura e conhecimento. Formas que se dêem de modo solidário e compartilhado, que respeitem a diversidade humana e que sejam de fato democráticas.
Inseridas nesse processo contraditório, as periferias urbanas se apresentam como os grandes receptáculos de pessoas que, geralmente na condição de migrantes, não encontram na cidade grande o sonho de “crescer na vida” e alcançar as bases, materiais e imateriais, tão sonhadas como educação, saúde, trabalho e moradia digna. Esse processo de periferização, de segregação socioespacial, assinala o quão perverso é o modo de produção capitalista na sua fase atual, e nos alerta para a urgência – para a necessidade – de se pensar novas formas de habitar, trabalhar, produzir arte, cultura e conhecimento. Formas que se dêem de modo solidário e compartilhado, que respeitem a diversidade humana e que sejam de fato democráticas.
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=== Acesse ao artigo na íntegra ===
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=== Referências ===
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VAZ, Sérgio. '''Cooperifa:''' antropofagia periférica. Coleção Tramas Urbanas. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008.
VAZ, Sérgio. '''Cooperifa:''' antropofagia periférica. Coleção Tramas Urbanas. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008.
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== Referências ==
[[Categoria:Temática - Cultura]]
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[[Categoria:Arte]]
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[[Categoria:Movimentos sociais]]
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Edição das 14h39min de 26 de julho de 2023

Autora: Elisa Dassoler[Notas 1]. 

Texto originalmente publicado nos Anais do Primeiro Colóquio Internacional de Culturas Jovens: Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros.

Resumo

Este artigo tem por objetivo apresentar a análise feita sobre a movimentação cultural da periferia sul de São Paulo, notadamente nos últimos anos, a partir da experiência de dois projetos artístico-culturais: "Semana de Arte Moderna da Periferia: Antropofagia Periférica" e "Expedición Donde Miras: Caminhada Cultural pela América Latina" [1]. Tendo em vista que ambos os projetos foram protagonizados por artistas e agentes culturais moradores da referida região, este trabalho procura evidenciar a organização desses jovens realizadores a partir da análise dos usos do território, do qual fala o geógrafo Milton Santos. Em linhas gerais, este trabalho apresenta a dinâmica cultural da periferia sul de São Paulo como um processo híbrido, marcado pelo conflito entre a racionalização hegemônica do espaço e a emergência de contra-racionalidades que, no lugar e mediante os sistemas técnicos, se desenvolvem na perspectiva da construção de práticas sociais horizontalizadas pautadas na solidariedade e na resignificação da cidadania.[Notas 2]

Introdução: "Pânico na zona sul"

No ranking das maiores economias do mundo, a cidade de São Paulo é considerada o centro econômico, financeiro e político mais importante da América Latina. Visto que esta concentra riqueza na mesma lógica em que distribui miséria a uma parcela significativa da população, a cidade-metrópole paulistana carrega, assim, a “glória” e o “peso” dessa situação. Espaço profícuo das grandes contradições, São Paulo é pensada aqui como lugar da concentração e ao mesmo tempo da fragmentação [2],[3].

Inseridas nesse processo contraditório, as periferias urbanas se apresentam como os grandes receptáculos de pessoas que, geralmente na condição de migrantes, não encontram na cidade grande o sonho de “crescer na vida” e alcançar as bases, materiais e imateriais, tão sonhadas como educação, saúde, trabalho e moradia digna. Esse processo de periferização, de segregação socioespacial, assinala o quão perverso é o modo de produção capitalista na sua fase atual, e nos alerta para a urgência – para a necessidade – de se pensar novas formas de habitar, trabalhar, produzir arte, cultura e conhecimento. Formas que se dêem de modo solidário e compartilhado, que respeitem a diversidade humana e que sejam de fato democráticas.

A força popular por melhores condições de existência é percebida em diversos movimentos organizados, mas também em movimentos espontâneos, sem organização prévia. Assim como os vetores da globalização se instituem nos territórios de modos desiguais, o nível de acirramento das contradições e as formas de luta que emergem desse movimento também se apresentam de diferentes maneiras, diferenciando-se, assim, em sua intensidade e intencionalidade. Sposito (1992), em seu artigo Espacialidade, cotidiano e poder, aponta que:

A construção desta reação a uma espacialidade e a um cotidiano determinados pela produção e pelo consumo vai se dando como um movimento que não é retilíneo, mas que vai se construindo com avanços e recuos. Esse movimento é, às vezes, organização (o piquete que se organiza para a garantia da greve, ou a ocupação dos sem teto discutida e efetivada), mas é, às vezes, explosão (o ônibus que é depredado, o supermercado que é saqueado). É informação que se impõe (as televisões ligadas, de ouvidos no Cid Moreira), mas também informação que se produz (o panfleto que circula na fábrica, os jornais das minorias). Esse movimento para conquistar a condição de determinação, enquanto poder social que transforma a sua espacialidade e o seu cotidiano, tem que ser alimentado, educado no sentido mais concreto destes termos tanto quanto no seu sentido mais simbólico. Não há construção do novo (e não da novidade) se não houver uma alimentação de qualidade, uma escola pública com proposta social, um sistema que seja realmente de saúde (e não das doenças), uma cultura que se dê a partir de todos e de cada um e para cada um e para todos. Não há construção de cidadania se não houver a construção de uma nova concepção de sociedade, e portanto de poder (SPOSITO, 1992, pp. 64-65).

Ressaltamos, desse modo, a importância da comunicação, da informação, da arte e da cultura para a realização de processos e lutas sociais que visam melhores condições de vida para toda a sociedade. Sujeitos que foram historicamente marginalizados conseguem, nos tempos atuais, a partir de bases técnicas desenvolvidas para intensificar a dominação e a eficácia do capital nos territórios – tal com a informática e as telecomunicações –, efetivar processos artísticos e culturais que problematizam a vida dos pobres e, por sua vez, indicam novas formas organizativas de trabalho e produção de conhecimento. 

Milton Santos (2002) traz algumas reflexões nesse sentido. Para ele, na contemporaneidade, existem dois comportamentos políticos indissociáveis: a política dos de cima e a política dos de baixo. A política dos de cima faz referência direta às “[...] questões das grandes empresas e do aparelho do Estado [... e] se constitui dentro de um sistema que é solidamente estabelecido, funcionalmente autônomo e autoreferido”. Já na política dos de baixo, “[...] há uma busca de coerência entre o interesse do maior número de pessoas e a elaboração de novas idéias e novos projetos”. Ainda assim, por não deterem a força material, jurídica e política dos de cima, os de baixo “[...] mostram-se freqüentemente incapazes de uma articulação mais ampla e continuada, e em conseqüência, encontram dificuldades tanto para propor como para levar adiante ações políticas mais válidas” (SANTOS, 2002, pp. 106-107).

Esse jogo de forças hostil ao desenvolvimento humano, já que privilegia uns poucos em detrimento da maioria, está cada vez mais sendo discutido e pensado pelos de baixo. A atual geografia do mundo impõe um novo olhar aos povos oprimidos pelo capital e violentamente reprimidos pelas políticas de Estado.

Daniela Embón, integrante do coletivo Arte na Periferia e moradora do bairro Campo Limpo, argumenta que a efervescência da movimentação cultural na periferia da zona sul de São Paulo teve início nos anos 1990, principalmente com a repercussão das primeiras músicas do grupo de rap Racionais MC´s, do Capão Redondo, e em especial com a música Pânico na zona sul – que chamava a atenção dos moradores para a necessidade de mudança daquela realidade. O surgimento de escritores de prosa e poesia, juntamente com os Saraus Literários, assim como a emergência de diversos coletivos de arte, incluindo, além da música, o teatro, a dança e o audiovisual, veio se desenvolvendo ao longo desse período, ganhando maior força e visibilidade a partir dos anos 2000 (EMBÓN, 2009, p. 43).     

Destacamos, nesse sentido, a importância do movimento Hip-Hop como elemento basilar no processo de organização popular através da arte e da cultura na referida região (MOASSAB, 2008; EMBÓN, 2009). Seu caráter aglutinador e propulsor da ‘revolução da palavra’ é expresso através do canto falado do rap, da dança break, da pintura grafite e da “[...] chamada ‘consciência’ ou ‘atitude’, que é o modo pelo qual os integrantes do hip-hop se posicionam diante do grupo e da sociedade, isto é, seu comprometimento social” (MOASSAB, 2008, p. 50). 

Para Célia Ramos, o Hip-Hop apresenta-se, assim, dotado de “novas possibilidades de ser e agir frente aos sistemas hegemônicos de dominação capitalista” (RAMOS, 2006, p. 03).

Os rappers contam o cotidiano da vida nas favelas, contestam as políticas discriminatórias, denunciam a corrupção e a brutalidade do sistema que explora sistematicamente os habitantes das favelas. Condenam a ideologia dominante, descrevem a crise da modernidade e o sistema de valores da elite dirigente. O movimento hip-hop vem provocando mudanças significativas no sistema cultural, artístico e político-social (RAMOS, 2006, p. 07).

A intensificação do movimento Hip-Hop na década de 1990, e seu desdobramento nos últimos anos em um movimento artístico-cultural ainda maior – com a proliferação de saraus literários e coletivos de arte –  podem ser pensados, portanto, como resposta das classes populares às crescentes contradições do sistema capitalista, no que tange, principalmente, as condições de vida dos pobres urbanos.

A década de 1990 no Brasil, como cediço, foi caracterizada por uma enorme crise de desemprego e o abandono do Estado em diversos serviços públicos. A adoção de políticas econômicas neoliberais se intensificou e proporcionou a parcelas significativas da população precárias condições existenciais.  No caso particular da periferia sul de São Paulo, as repercussões foram ainda maiores. Estimativas indicam que nesse período praticamente metade da população encontrava-se desempregada, e as consequências, nesse sentido, foram inevitáveis: aumento exponencial da pobreza, da miséria[4] e da violência urbana. 

Para se ter uma ideia, o bairro do Jardim Ângela foi considerado em 1996 pela ONU o distrito mais violento do mundo (FILHO, 2006). Foi nesse período que o Jardim Ângela, juntamente com os bairros vizinhos Jardim São Luis e Capão Redondo, ficaram conhecidos pela mídia hegemônica como o triângulo da morte, dado os altos índices de homicídios. 

Hoje a situação se difere. Ainda que a região mantenha altos índices de violência, quando comparada a outras localidades, notamos um grande avanço na diminuição nas taxas de homicídios. De acordo com as pesquisas do SEADE[5], as taxas nessa região caíram mais de 45% entre os anos 2000 e 2004, de, aproximadamente, 118 para 64 homicídios por cem mil habitantes (FILHO, 2006). Essa queda não pode ser explicada somente pela intervenção do poder público em aumentar e qualificar o sistema de policiamento e os investimentos em infraestrutura no local. A mobilização da população foi, sem dúvida, a base desse processo (EMBÓN, 2009; FILHO 2006). A Caminhada pela Vida e pela Paz, realizada em 1996 e liderada pelo padre Jaime Crowe, que reuniu mais de cinco mil pessoas ao longo do trajeto entre a igreja e o cemitério da região, e que logo se converteu no Fórum de Defesa da Vida, existente até hoje, se apresenta apenas como um exemplo, dentre tantos outros, da importância das ações coletivas no processo de mobilização popular nessa região.

Percebemos, portanto, que diante dessa necessidade de mudança, dessa urgência de transformação nas condições de vida dos moradores desse lugar, é que as classes populares procuraram com maior intensidade articular forças e organizar novas formas de se reproduzir a vida. Nesse sentido, as reflexões de Milton Santos sobre as populações empobrecidas nos parecem reveladoras:

Crescentemente reunidas em cidades, cada vez mais numerosas e maiores, e experimentando a situação de vizinhança (que, segundo Sartre, é reveladora), essas pessoas não se subordinam de forma permanente a racionalidade hegemônica e, por isso, com freqüência podem se entregar a manifestações que são a contraface do pragmatismo. Assim, junto à busca da sobrevivência, vemos produzirse, na base da sociedade, um pragmatismo mesclado com a emoção, a partir dos lugares e das pessoas juntos. Esse é, também, um modo de insurreição em relação à globalização, com a descoberta de que, a despeito de sermos o que somos, podemos desejar ser outra coisa (SANTOS, 2009 a, p. 114).

Essa busca incessante, dia a dia, pela sobrevivência, através de novas formas de se produzir a vida, gera, segundo o autor, a construção e efetivação de uma política territorializada, visto que esta encontra no lugar e nos sistemas técnicos ali disponíveis, as bases para o seu desenvolvimento. Nas palavras do autor:

É dessa forma que, na convivência com a necessidade e com o outro, se elabora uma política, a política dos de baixo, constituída a partir das suas visões do mundo e dos lugares. Trata-se de uma política de novo tipo, que nada tem que ver com a política institucional. Esta última se funda na ideologia do crescimento, da globalização etc. e é conduzida pelo cálculo dos partidos e das empresas. A política dos pobres é baseada no cotidiano vivido por todos, pobres e não pobres, e é alimentada pela simples necessidade de continuar existindo (SANTOS, 2009 a, p. 132).

Como exemplo de política territorializada, marcada pela experiência da escassez e pela tomada de consciência pelos pobres a partir do lugar, citamos, no campo da produção artístico-cultural, a organização da Semana de Arte Moderna da Periferia: Antropofagia Periférica, realizada em novembro de 2007 e referendada por muitos artistas como um marco da cultura política produzida na periferia sul de São Paulo nos últimos anos.

Acesse ao artigo na íntegra

Referências

COSTA, Karina. Periferia faz sua própria Semana de Arte Moderna. Portal Aprendiz UOL. 01/11/2007. Disponível em: http://aprendiz.uol.com.br/content/clegucekuh.mmp. Acesso em 22/03/2010.

DASSOLER, Elisa Rodrigues. Coletivo Arte na Periferia: por uma outra dimensão territorial das artes visuais. Dissertação de Mestrado do Curso de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Florianópolis, 2011.

DONDE MIRAS. Projeto da Expedición Donde Miras: Caminhada Cultural pela América Latina. Disponível em: http://expediciondondemiras.blogspot.com/2007/12/expedicin-donde-miras_07.html. Acesso em 06/08/2010.

EMBÓN, Daniela Almeida. A Produção Cultural da periferia de São Paulo e a construção da identidade territorial. Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica, PUC. São Paulo, 2009.

FILHO, Maurício Monteiro. Das manchetes policiais para a revolução social. Portal Repórter Brasil. Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=170. Acesso em 07/03/2010.

MOASSAB, Andréia. Brasil Periferia(s): a comunicação insurgente do hip-hop. Tese de Doutorado do Curso de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica - PUC. São Paulo, 2008.

RAMOS, Célia Maria Antonacci. Hip Hop: protagonista de novas políticas midiáticas. Anais: 15º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas - ANPAP. Salvador: UNIFACS/ANPAP, 2006.

REZENDE, Neide Luiza. Sobre Vanguardas e Periferia. In: Revista Época. Edição nº 487. 19/11/2007. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EDG79070-5856,00.html

SANTOS, Milton. O País distorcido: o Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo: Publifolha, 2002.

______. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4ª edição, 2ª reimpressão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

______. O Espaço do Cidadão. 7ª edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.

______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 18ª edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009 a.

______. Por uma Economia Política da Cidade: o caso de São Paulo. 2ª edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009 b.

SILVEIRA, Maria Laura. Uma situação geográfica: do método à metodologia. In: Revista Território, Ano IV, Nº. 6, Jan./Jun. 1999.

SPOSITO, Maria Encarnação. Espacialidade, cotidiano e poder. In: Revista Geosul. Número 14. Ano VII. Editora da UFSC: Florianópolis, 1992.

VAZ, Sérgio. Cooperifa: antropofagia periférica. Coleção Tramas Urbanas. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008.

Notas

  1. Graduada em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Mestre em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Linha de Pesquisa: Processos Artísticos Contemporâneos (PPGAV/UDESC). Contato: elisadassoler@gmail.com; https://www.elisadassoler.com. Grupo de Pesquisa Poéticas do Urbano (CNPq - PPGAV/UDESC)
  2. Texto originalmente publicado nos Anais do Primeiro Colóquio Internacional de Culturas Jovens: Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros

Referências

  1. DASSOLER, Elisa Rodrigues. Coletivo Arte na Periferia: por uma outra dimensão territorial das artes visuais. Dissertação de Mestrado do Curso de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Florianópolis, 2011.
  2. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4ª edição, 2ª reimpressão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
  3. SANTOS, Milton. Por uma Economia Política da Cidade: o caso de São Paulo. 2ª edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
  4. Milton Santos distingue pobreza de miséria no exame da produção do presente e futuro. Para ele: “A miséria acaba por ser a privação total, como um aniquilamento, ou quase, da pessoa. A pobreza é uma situação de carência, mas também de luta, um estado vivo, de vida ativa, em que a tomada de consciência é possível. Miseráveis são os que se confessam derrotados. Mas os pobres não se entregam. Eles descobrem cada dia formas inéditas de trabalho e de luta. Assim, eles enfrentam e buscam remédio para suas dificuldades. Nessa condição de alerta permanente, não tem repouso intelectual. A memória é sua inimiga. A herança do passado é temperada pelo sentimento de urgência, essa consciência do novo que é, também, um motor do conhecimento” (SANTOS, 2009 a, p. 132).
  5. Sistema Estadual de Análise de Dados de São Paulo.