Museu a céu aberto do Morro da Providência

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Autoria: Palloma Menezes

O mito da primeira favela

 

O Morro da Providência é uma favela carioca adjacente à área de Proteção do Ambiente Cultural da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, preservada desde 1988. Seu maior diferencial é o fato de ser considerada – por diversos historiadores, cientistas políticos, jornalistas e pelo próprio Poder Público – como o primeiro exemplo de um tipo de assentamento habitacional, surgido no Rio de Janeiro há mais de um século, que hoje é denominado genericamente como favela. Segundo o Prefeito César Maia:

 

Esta é a primeira grande favela do Rio de Janeiro, berço da organização popular, que abrigou as tropas de Canudos. É o antigo Morro da Favela, nome que passou a designar todas as ocupações em áreas de encostas na Cidade. É um local que guarda a memória da Cidade[1].

 

Exatamente por carregar este título “de primeira favela carioca”, a Providência foi escolhida pela Prefeitura para cediar o primeiro museu de favela da cidade do Rio de Janeiro. Em 2005, foi inaugurado, então, o Museu a Céu Aberto da Providência, idealizado pela arquiteta e urbanista Lu Petersen, no contexto do Favela-Bairro e do Projeto Célula Urbana, como parte da revitalização da área portuária que, além do Museu, inclui a Cidade do Samba e a Vila Olímpica da Gamboa. Foram investidos, no Favela-Bairro da Providência, R$ 14,3 milhões para a construção de redes de água e esgoto, praças e creche, como acontece em outras favelas, mas também para viabilizar a reforma de antigas edificações e a criação de pontos turísticos na favela.

 

Visitar favelas cariocas já não é mais uma novidade para os turistas que chegam ao Rio de Janeiro atualmente. Desde o início da década de 1990 a favela carioca saiu das margens da cultura turística para tornar-se uma atração lucrativa para os agentes promotores envolvidos. Como aponta Freire-Medeiros, (2007), o caso paradigmático é, sem dúvida, a favela da Rocinha, que recebe cerca de três mil turistas por mês, levados por cerca de sete agências que ali atuam regularmente.

 

O caso da Providência é importante, pois, em contraste com o que ocorre na Rocinha, ali não é o capital privado o agente promotor do turismo, mas sim o próprio Poder Público. “Esta iniciativa”, sugere Freire-Medeiros (2006), “aponta para uma experiência de ‘patrimonialização’ da favela diretamente vinculada à sua promoção como destino turístico”.

 

O processo de patrimonialização da favela

 

Boa parte dos trabalhos recentes sobre patrimônio sugere, como destacam Appadurai e Breckenridge, que a apropriação do passado por atores do presente está sujeita a uma variedade de dinâmicas. Estas vão desde “problemas associados à etnicidade e identidade local, nostalgia e busca de uma autenticidade “museificada” atė a tensão entre os interesses dos Estados em fixar identidades locais e as pressões que as localidades exercem ao tentar transformar essas identidades” (2007: 13).

 

Neste contexto, um dos principais papéis que a literatura sobre este tema cumpre ė lembrar que “o patrimônio ė cada vez mais um assunto profundamente político, no qual as localidades e os Estados estão freqüentemente em desacordo, e que os museus estão no meio dessa tempestade especifica” (Appadurai, Breckenridge; 2007: 14)

 

A ideia de patrimonializar o Morro da Providencia, criada por Lu Petersen, coordenadora de projetos da Assessoria Especial Célula Urbana do Gabinete do Prefeito César Maia, inseri-se num contexto de mudanças das políticas implementadas pela Poder Público em relação às favelas cariocas 3 . Apresentado como desdobramento do Projeto Mutirão (1983-1984), do Projeto Urbanização Comunitária / Mutirão Remunerado (1985- 1992) e do Programa Favela- Bairro (1993 em diante), o Projeto Célula Urbana4 (iniciado em 1999) tinha o intuito de induzir as favelas ao “desenvolvimento endógeno”.

 

O que a Prefeitura pretendia com o projeto do Museu a céu aberto do Morro da Providência era que a Célula Urbana desta favela, ao se constituir em uma nova abordagem do programa Favela-Bairro, pudesse resultar no “ineditismo do tombamento de uma área de especial interesse social como patrimônio histórico e cultural”. Tornando-se, dessa maneira, “um marco definitivo, comprovador de que as favelas integram o desenho urbano do Rio de Janeiro”. (2003:42)

 

Apesar, dos museus a céu aberto serem uma tendência da “nova museologia”, quando perguntamos a Lu Petersen se ela se baseou em alguma experiência já existente para criar o projeto, ela disse que nem sabia que existiam museus a céu aberto no mundo todo e que “na realidade queria fazer um museu da favela, achava que a favela merecia ter um museu”. Questionamos, então, por que ela não concebeu alguma coisa mais formal em termos de museu e ela respondeu o seguinte:

 

Porque eu acho ridículo! (...) Se eu vou fazer um prédio e dizer: olha a história favela é essa e tal. Não dá! A gente coloca aquele museu na Providência e ele é vivo, não é a céu a aberto porque não é parado, ele é um museu vivo, porque não tem como o visitante não ter contato com as pessoas, com a história, é tudo automático ali. Aquilo ali esta como uma forma de informação em que o passado é mostrado, o presente está ali, ele vai ter nos próximos anos alguns mecanismos de mudança, ele vai evoluindo ou então se inviabiliza.

 

Nesta fala de Petersen fica claro, que independente do projeto ter sido inspirado ou não em concepções da chamada “nova museologia”, ele está inserido dentro deste contexto e enquadra-se dentro das modificações que ocorreram na natureza dos próprios museus nos últimos anos. De forma resumida, Moreira (2007) resume essas modificações em três grandes fatores, todos ligados à evolução global da instituição museu. Poderíamos dizer que o Museu da Providência se enquadra em todos os três fatores, já que, em primeiro lugar, ele é não seria classificado como um museu passivo, mas sim pró-activo. Isso porque nele não se espera que os visitantes apenas observem uma exposição, mas que procurem participar de alguma forma com o patrimônio e as pessoas da favela.

 

Em segundo lugar, o museu foi planejado não apenas expor patrimônios, mas também para ser uma instituição que oferece um conjunto alargado de serviços como: oficinas de oficinas de dança, capoeira e artesanato – oferecidos por uma ONG contrata pela Prefeitura – para que moradores preparem apresentações para fazerem e artesanatos para venderem aos visitantes. Além disso, a Prefeitura oferece, através do Projeto Agente Jovem 7 , cursos para capacitar jovens moradores, de 14 a 18 anos, com o objetivo de que eles conheçam um pouco mais da história local e possam guiar os turistas durante os passeios pelo Museu.

 

Em terceiro lugar, o museu está inserido no contexto de “evolução da instituição museu de um serviço central para um serviço disperso”. E isso se deve ao fato de a história da favela não estar sendo contada e lembrada em um único “grande museu localizada no topo da hierarquia urbana”. A memória das favelas vem sendo celebrada através de uma multiplicidade de formatações dispersas pelo território da cidade, e o museu da Providência é uma dessas formatações possíveis.

 

Os processos de “reclassificação” de pontos da Providência que passaram a ser considerados patrimônios envolveram em linhas gerais: a reforma ou restauração de construções que a Prefeitura considerou que tinham algum “valor histórico” para a favela. Alguns desses pontos são uma escadaria – que teria valor histórico por ter sido construída por escravos – uma Igreja construída antes de 1860 e uma Capelinha – que seria a prova de que os primeiros habitantes da favela foram soldados, na época, recém chegados da Guerra de Canudos.

 

Estas três edificações encontravam-se em péssimo estado de conservação e pareciam estar se deteriorando cada vez mais, por isso foram restauradas pela Prefeitura. Assim como também foi restaurado um reservatório de água, construído em 1913 que estava abandonado. A pequena edificação em forma de octógono teria sido um importante ponto de encontro e referência na favela e, quando as obras do museu tiveram início, estava sendo usado para criação de galinhas. A idéia da Prefeitura era transformar a construção em um reservatório de lembranças no qual haveria uma instalação acústico-visual, onde o visitante poderia ouvir depoimentos de antigos moradores, que contariam experiências vividas, relembrariam fatos e, assim, tentariam “recompor verbalmente a imagem social e espacial do passado dos morros das favelas cariocas”. Assim, estaria se buscando preservar não só o bem material que é o prédio do reservatório, mas também um valioso bem “imaterial” ou “intangível” que são as memórias dos moradores mais antigos que não se perderiam mais no tempo depois de que tivessem sido registradas.

 

A casa de Dodô da Portela 10 também foi um dos espaços da favela que ganhou status de patrimônio, sendo transformada em um museu do carnaval, que recebe o próprio nome da dona que, segundo Petersen, “além de ser um ícone de carnaval e ter 85 anos, tem um verdadeiro patrimônio de carnaval na casa dela. Ela tem fantasias que ela desfilou, ela tem a primeira bandeira que a Portela usou quando foi campeã do primeiro desfile oficial de escola de samba do Rio de Janeiro em 1837”.

 

Há ainda outras idéias que constam no projeto de reclassificação de espaços da favela mas que ainda não foram coladas em prática. Uma dessas idéias seria a de “congelar algumas casas, vielas e becos” 12 . Segundo Lu Petersen (2003), “isto significa que o visitante poderia entrar no interior dessas casas e ter uma visão clara de situações de viela dos moradores da favela”. Além de todas estas restaurações, reformas já realizadas e algumas propostas que ainda não saíram do papel, o processo de “invenção” do museu a céu aberto envolveu a construção de pontos turísticos, o embelezamento de determinadas áreas e a aplicação de marcadores do roteiro turístico do Morro da Providência. Analisaremos estes processos na próxima seção que tratará da construção da favela como destino turístico.

 

A construção da favela como destino turístico

 

A “construção” do Morro da Providência como um destino turístico, além de estar inserido nestes contextos– de expansão dos reality tours no mundo todo e de circulação da favela como uma marca–, exigiu um esforço do Poder Público no sentido de, não só reformar e restaurar edificações que passaram a ser consideradas patrimônios, como também criar pontos turísticos, embelezar determinadas áreas e aplicar marcadores que pudessem guiar e direcionar o olhar do turista no percurso do Museu a céu aberto.

 

Foram criados, por exemplo, para se tornarem pontos turísticos do museu, três grandes mirantes. Construídos em madeira (como se fossem decks) os mirantes possibilitam que os turistas tenham acesso à vista privilegiada da cidade com suas imagens de cartão-postal – Pão de Açúcar, Corcovado, Baía de Guanabara — somadas a outras menos convencionais como a Central do Brasil, o Sambódromo, a Zona Portuária, a Ponte Rio-Niterói e o Maracanã.

 

Para que pudessem ser criados estes espaços turísticos, várias casas foram removidas. Segundo os idealizadores do Museu, criar os mirantes foi importante não só para permitir aos turistas o acesso à vista da cidade, como também para “aumentar a circulação do ar” e arejar o ambiente.

 

Aquilo ali teve um monte de casa retirada, ali você hoje respira, tiramos as casas que estavam na ladeira da quadra que fechavam a vista da Baía de Guanabara, agora entra uma brisa. Pode ver que se você medir a temperatura, lá hoje a temperatura é muito mais baixa do que era. Porque foi “desadensando”, hoje as pessoas podem andar, você pode andar lá.

 

A Prefeitura, no projeto original, pretendia instalar dois telescópios e um mapa fixo circularmente em 360 graus para oferecer ao visitante uma perspectiva comparada do crescimento de cada ponto da cidade, principalmente da Zona Portuária e das favelas nas encostas dos morros centrais. Mas devido a problemas relacionados à violência no local – que serão discutidos mais a frente – não foi possível viabilizar essa ideia.

 

No terceiro mirante foi reformado um bar, o Bar do Beto, para que o estabelecimento passasse a oferecer aos turistas, como afirma Petersen, “alimentos e bebidas em condições higiênicas, e de contrapeso um magnífico pôr-do-sol sobre a Baia de Guanabara”. O dono de um bar se mostrou bastante entusiasmado com a reforma de seu estabelecimento patrocinada pela Prefeitura e com o curso que vem fez no Senac. Organizado pelo projeto “Rio Hospitaleiro” da Secretária de Turismo, o curso de 70 horas versa sobre “qualidade de atendimento, cidadania e legislação, informações sobre o sistema turístico, história e cultura do Rio de Janeiro e noções básicas de inglês e espanhol” 15 . Além das obras de infra-estrutura turística, placas de identificação foram colocadas nos pontos de visitação. A Prefeitura aplicou ainda de um piso para guiar os visitantes pelo roteiro de visitação na favela. A nova paisagem do museu, criada pelas obras do FavelaBairro, segundo Petersen, “substitui o que seria a galeria de um museu tradicional”.

 

Alguns dilemas práticos relacionados à implementação e a visitação do Museu

 

Duncan Light (2007) afirma que “o Estado é um ator importante na política cultural do turismo”. Política cultural esta que envolve escolhas sobre formas de turismo consideradas apropriadas e como, onde e para quem devem ser promovidas. Como resumo o autor, “a representação da cultura local é um ato político assim como a escolha sobre que recursos lugares serão desenvolvidos ou celebrados como parte da identidade de um território”.

 

Em janeiro de 2007, o Prefeito César Maia, em um ato político, incluiu na lista “Prioridades de 2007” a promoção de visitas turísticas sistemáticas ao Museu a Céu aberto do Morro da Providência. O objetivo do Prefeito com isso, era tentar implementar outras idéias para viabilizar a visitação do Museu, já que até meados de 2006, o projeto enfrentou seríssimas dificuldades, com as visitações comprometidas pelos constantes conflitos entre policiais e narcotraficantes. A partir do final daquele ano, contudo, foram agregados quatro fatores que eram vistos por Petersen como fundamentais à sua viabilização:

 

Em primeiro lugar, o funcionamento da Cidade do Samba, que é um sucesso. Em segundo a iniciativa do Comandante do Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais/CPAE, o atual Secretário de Segurança Pública, que instalou o GPAE na Providência (em agosto de 2006) e reduziu os conflitos. Em terceiro, a eleição organizada e transparente da Diretoria da Associação de Moradores, que elegeu a Verinha, uma rara liderança que dialoga com todos e tem uma certa independente. E finalmente a Secretaria de Turismo que fechou parceria com a Célula Urbana.

 

Naquele momento a Associação de Moradores do Morro da Providência parecia estar interessada em participar de forma mais direta nas atividades relacionadas ao museu. A nova presidente da associação de Moradores, e os moradores, quer diretamente envolvidos com a promoção do turismo na localidade ou não, pareciam estar bastante otimistas. Pelo que podíamos observar, naquela época, muitos moradores apostavam que a presença de turistas não apenas traria desenvolvimento econômico, como também funcionaria como um inibidor para as ações arbitrárias da polícia.

 

A presidente da associação afirmou que esperava que a presença de visitantes na favela poderia ajudar a conter a violência no morro e declarou que iria comunicar a polícia que visitas já estavam ocorrendo no Museu, para que eles soubessem que tinha “gente de fora” e que não podiam “sair atirando”. Uma moradora acrescentou: “com turistas andando pra cima e pra baixo, eles não vão ter coragem de se fazer de besta”.

 

Segundo uma das lideranças da Associação, “ninguém nunca reclamou de vir turistas na favela. Pelo contrário, as pessoas acham bom porque antes o morro era abandonado”. E pondera: “ao visitarem a favela, os turistas estão prestigiando a comunidade, já que podiam estar na praia, na Barra da Tijuca, mas não... quiseram ir conhecer a comunidade”. Argumento equivalente é defendido por um antigo morador da favela, que acredita que o turismo na Providência é “algo positivo para divulgar para fora a favela e levar uma boa imagem da Providência para a mídia”. Completa dizendo que nem mesmo os traficantes do morro se opõem a presença dos turistas: “eles sabem que com a presença de pessoas de fora a polícia pode ficar mais afastada e evitar conflitos na favela”.

 

Mas todo aquele sólido otimismo que parecia existir na Providência logo se desmanchou no ar. A presidente da associação parecia já prever que mais cedo ou mais tarde isto aconteceria, visto que, no dia 16 de junho de 2007, na cerimônia da posse de sua diretoria – da qual participaram representantes da Faferj, secretários municipais e vereadores – ela declarou publicamente que sabia que se a situação de enfrentamento entre polícia e tráfico não mudasse rapidamente na favela, ela não conseguiria se manter no cargo por muito tempo.

 

Agora eu queria agradecer aqui o meu Presidente Rossino Castro (Presidente da Faferj presente na posse) (...) ele vai ter que me aturar por muito tempo porque eu estou com um problema muito sério aqui na minha comunidade que são umas balas (...) todos os dias tem uns tiroteios. Então eu vou te falar um negócio: eu vou ter que resolver o problema desses tiroteios porque graças a Deus os meus meninos já atenderam meu pedido e não estão dando tiros. Mas aí chegam (os policiais) aqui na porta da associação e pá, pá, pá. Não existe isso, tem criança aqui, tá Rossino? Vamos correr atrás desse prejuízo. Porque eu estou colocando minha cabeça a prêmio.

 

Passados poucos meses desta cerimônia de posse – e agravado o contexto de conflito entre policia e tráfico depois que um novo comandante passou a coordenar o GPAE da Providência – a presidente eleita da associação foi “convidada” pelo tráfico a deixar o cargo, pelo que se comenta, por não querer organizar uma manifestação contra a violência policial na favela.

 

No mesmo período, setembro de 2007, a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) lançou o programa Segurança Cidadã no Morro da Providência, fruto de uma parceria entre a Prefeitura e a Polícia Militar do Estado do Rio. Na mesma ocasião, também foram inaugurados o Centro de Referência da Assistência Social (Cras) Dodô da Portela e a nova sede do GPAE numa casa de seis andares que antes encontrava-se abandonada e tomada pelo tráfico.

 

Em outubro, depois de ter esperado vários meses até a reforma do Bar do Beto ficar pronta, Lu Petersen em parceria com a RioTur, organizou um passeio para apresentar o Museu a Céu Aberto do Morro da Providência a agências privadas de turismo – que já levam turistas para visitar a Cidade do Samba. A intenção da Prefeitura era que alguma agência se interesse em adicionar o roteiro do Museu a seus pacotes turísticos.

 

O dono da agência apesar de afirmar ter gostado muito do museu e achar que os turistas também adorariam visitá-lo, se mostrou, no final do passeio, bastante preocupados com as condições de segurança da favela. Ele disse não acreditar que existam na Providência condições para se operar um tour, já que nem o fato de terem sido convidados pelo sub-secretário de turismo do município para ir a favela, o que, segundo ele, “pressupõe que havia uma estrutura por trás daquele evento”, teria sido capaz de impedir que tiros fossem ouvidos enquanto eles visitavam a favela.

 

Esquecimento do Museu

 

Atualmente quase ninguém lembra da existência do Museu a céu aberto do Morro da Providência. Sugiro que o esquecimento se deva ao seguinte motivo: o Museu foi um projeto bastante inovador que se inseriu em uma série de tendências surgidos nos últimos anos – inclui-se nas propostas feitas pela “nova museologia”, no processo de democratização da preservação da memória de grupos que até então não tinha acesso a ela, nas mudanças propostas em relação às publicas direcionadas às favelas, na ideia de criar novos espaços de consumo da cidade como atração turística –, mas talvez ele não tenha conseguido se viabilizar exatamente por ignorar importantes premissas presentes nessas novas tendências.

 

Um exemplo do que estou dizendo é que ainda que não tenha sido baseado, segundo Petersen, em nenhuma experiência dos muitos museus a céu aberto espalhados pelo mundo todo, o Museu da Providência insere-se no contexto da “nova museologia”. No entanto, “desrespeita” uma de suas premissas mais essenciais que diz que:

 

A implementação de políticas patrimoniais deve partir dos anseios da comunidade e ser norteada pela delimitação democrática dos bens reconhecidos como merecedores de preservação. A seleção dos bens a serem tombados precisa estar integrada aos marcos identitários reconhecidos pela própria comunidade na qual se inserem. (Funari e Pelegrini, 2006).

 

No caso da Providência a população não foi nem ao menos consultada sobre o projeto do museu, que conseqüentemente acabou não encontrando “ressonância” entre os moradores desta localidade. É interessante lembrar que o motivo utilizado pela Prefeitura para explicar este fato foi a suposta falta de organização existente entre os moradores da favela. E esta suposta falta de organização é explicada por muitos a partir do contexto de violência vivido pelos moradores da favela atualmente.

 

Os constantes conflitos existentes entre o tráfico, a polícia e, até o exército, acabam quase todas as possibilidade sde se estabelecer um mandato independente na associação dos moradores ou qualquer outro tipo de ação coletiva mais abrangente na favela. Assim, o que se vê hoje é apenas uma reação coletiva à violência policial, organizado pela associação e nada mais em termos de ação coletiva na favela.

 

Esta mesma violência que impede que aja uma organização dos moradores que, consequentemente, permitiria sua participação mais direta no projeto do museu, também impede que o museu seja visitado por turistas regularmente, apesar de todos os esforços que a Prefeitura vem fazendo para que a visitação aconteça.

 

Deste modo, acaba ocorrendo uma dupla frustração em relação às possibilidades de alcance do museu: o museu não é lembrado nem pelos moradores da favela como patrimônio 18 nem por turistas como um destino turístico da cidade do Rio que poderiam visitar – já que na realidade, devido à violência, não é possível que aconteçam tours regularmente. Portanto, o futuro do Museu a céu aberto do Morro da Providência torna-se cada vez mais incerto e imprevisível.

 

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[1] Depoimento registrado no dvd promocional do Museu produzido pela “Cara de Cão Filmes” sob encomenda da Prefeitura do Rio de Janeiro.