Mutirão da Laje: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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A laje é uma estrutura utilizada na construção civil que pode servir de piso e/ou cobertura e proteção do imóvel. Sem uma sobrecobertura de um telhado baixo, cria um espaço de ampliação de imóvel. No Conjunto Habitacional Cidade de Deus, a laje foi um elemento introduzido pelo morador-construtor em sistema de mutirão, para ampliar a casa originalmente construída com cobertura de telhado de madeira e telhas de barro. Os Conjuntos Habitacionais foram criados pelo Plano de Habitação Popular, administrado pela Companhia de Habitação - COHAB, financiamento do Banco Nacional de Habitação - BNH e dos EUA, através da Aliança para o Progresso (programa político de cooperação e aceleração para o desenvolvimento econômico e social da America Latina), durante o período compreendido entre 1961 e 1970.
O mutirão da laje compreende uma prática recorrente. Nesse contexto, o pedreiro é dos principais agentes de conhecimentos e técnicas de construção; conhecimentos adquiridos pelo seu ofício, em canteiros da construção civil, à parte e distinto daqueles regulados pelas formalidades das Leis. Nesse mutirão distinguem-se dois grupos de trabalhos, um exercido por homens, do lado de fora da casa, outro realizado por mulheres na cozinha, no interior de casa. O domingo, dia consagrado ao descanso, é quando acontece o encontro para esses trabalhos festivos e celebrados com comidas e bebidas.
“Virar a laje” ou “bater a laje” são expressões populares, com origem no trabalho coletivo de produção da massa de concreto, com o uso de pás, enxadas e baldes, também, de facas, colheres de pau e panelas. O mutirão de uma laje (maciça ou pré-moldada) constitui uma práxis com expressão de trabalho de ajuda mútua, cooperativo, e festivo, por constituir exceção às normas e valores do mercado de trabalhos; por possuir saberes, adquiridos e transmitidos na observação de modelos, ou seja: alguém que sabe como fazer, pela memória de ter visto alguém que sabia fazer; por agregar valores de liderança e prestígio, no conhecimento do ofício e pelos laços de amizades na comunidade; por reproduzir divisão sexual de papéis sociais sem segregar os trabalhos de ambos; por celebrar e confraternizar festivamente os trabalhos de homens e mulheres, até então segmentados.
Por todas essas expressões, o mutirão da laje é um encontro que consolida e renova a produção de bens e valores, a ampliação do espaço de habitação e renova e reforça os vínculos entre vizinhos, afirma identidades e o sentido de pertencimento no grupo. No jargão da engenharia civil, a laje é uma etapa procedimental na construção do imóvel, dita “coroamento”, porém quando em mutirão, sobre a casa do morador – construtor é possível dizê-la “coroação”; como na tradicional festa da cumeeira. Entre uma e outra há mudanças do local, do ambiente rural para  ambiente urbano; do objeto “cumeeira” pela “laje”; dos conhecimentos e uso das tecnológicos; mas ambas mantêm os sentidos fundamentais atribuídos por seus participantes: cooperação, ajuda mútua e festividade, que marcam uma conquista, ao mesmo tempo individual e coletiva.


Autor: Pablo das Oliveiras
A laje é uma estrutura utilizada na construção civil que pode servir de piso e/ou cobertura e proteção do imóvel. Sem uma sobrecobertura de um telhado baixo, cria um espaço de ampliação de imóvel. No Conjunto Habitacional Cidade de Deus, a laje foi um elemento introduzido pelo morador-construtor em sistema de mutirão, para ampliar a casa originalmente construída com cobertura de telhado de madeira e telhas de barro. Os Conjuntos Habitacionais foram criados pelo Plano de Habitação Popular, administrado pela Companhia de Habitação - COHAB, financiamento do Banco Nacional de Habitação - BNH e dos EUA, através da Aliança para o Progresso (programa político de cooperação e aceleração para o desenvolvimento econômico e social da America Latina), durante o período compreendido entre 1961 e 1970.
 
O mutirão da laje compreende uma prática recorrente. Nesse contexto, o pedreiro é dos principais agentes de conhecimentos e técnicas de construção; conhecimentos adquiridos pelo seu ofício, em canteiros da construção civil, à parte e distinto daqueles regulados pelas formalidades das Leis. Nesse mutirão distinguem-se dois grupos de trabalhos, um exercido por homens, do lado de fora da casa, outro realizado por mulheres na cozinha, no interior de casa. O domingo, dia consagrado ao descanso, é quando acontece o encontro para esses trabalhos festivos e celebrados com comidas e bebidas. “Virar a laje” ou “bater a laje” são expressões populares, com origem no trabalho coletivo de produção da massa de concreto, com o uso de pás, enxadas e baldes, também, de facas, colheres de pau e panelas. O mutirão de uma laje (maciça ou pré-moldada) constitui uma práxis com expressão de trabalho de ajuda mútua, cooperativo, e festivo, por constituir exceção às normas e valores do mercado de trabalhos; por possuir saberes, adquiridos e transmitidos na observação de modelos, ou seja: alguém que sabe como fazer, pela memória de ter visto alguém que sabia fazer; por agregar valores de liderança e prestígio, no conhecimento do ofício e pelos laços de amizades na comunidade; por reproduzir divisão sexual de papéis sociais sem segregar os trabalhos de ambos; por celebrar e confraternizar festivamente os trabalhos de homens e mulheres, até então segmentados. Por todas essas expressões, o mutirão da laje é um encontro que consolida e renova a produção de bens e valores, a ampliação do espaço de habitação e renova e reforça os vínculos entre vizinhos, afirma identidades e o sentido de pertencimento no grupo. No jargão da engenharia civil, a laje é uma etapa procedimental na construção do imóvel, dita “coroamento”, porém quando em mutirão, sobre a casa do morador – construtor é possível dizê-la “coroação”; como na tradicional festa da cumeeira. Entre uma e outra há mudanças do local, do ambiente rural para ambiente urbano; do objeto “cumeeira” pela “laje”; dos conhecimentos e uso das tecnológicos; mas ambas mantêm os sentidos fundamentais atribuídos por seus participantes: cooperação, ajuda mútua e festividade, que marcam uma conquista, ao mesmo tempo individual e coletiva.
 
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Edição das 14h26min de 15 de maio de 2019

A laje é uma estrutura utilizada na construção civil que pode servir de piso e/ou cobertura e proteção do imóvel. Sem uma sobrecobertura de um telhado baixo, cria um espaço de ampliação de imóvel. No Conjunto Habitacional Cidade de Deus, a laje foi um elemento introduzido pelo morador-construtor em sistema de mutirão, para ampliar a casa originalmente construída com cobertura de telhado de madeira e telhas de barro. Os Conjuntos Habitacionais foram criados pelo Plano de Habitação Popular, administrado pela Companhia de Habitação - COHAB, financiamento do Banco Nacional de Habitação - BNH e dos EUA, através da Aliança para o Progresso (programa político de cooperação e aceleração para o desenvolvimento econômico e social da America Latina), durante o período compreendido entre 1961 e 1970.

O mutirão da laje compreende uma prática recorrente. Nesse contexto, o pedreiro é dos principais agentes de conhecimentos e técnicas de construção; conhecimentos adquiridos pelo seu ofício, em canteiros da construção civil, à parte e distinto daqueles regulados pelas formalidades das Leis. Nesse mutirão distinguem-se dois grupos de trabalhos, um exercido por homens, do lado de fora da casa, outro realizado por mulheres na cozinha, no interior de casa. O domingo, dia consagrado ao descanso, é quando acontece o encontro para esses trabalhos festivos e celebrados com comidas e bebidas. “Virar a laje” ou “bater a laje” são expressões populares, com origem no trabalho coletivo de produção da massa de concreto, com o uso de pás, enxadas e baldes, também, de facas, colheres de pau e panelas. O mutirão de uma laje (maciça ou pré-moldada) constitui uma práxis com expressão de trabalho de ajuda mútua, cooperativo, e festivo, por constituir exceção às normas e valores do mercado de trabalhos; por possuir saberes, adquiridos e transmitidos na observação de modelos, ou seja: alguém que sabe como fazer, pela memória de ter visto alguém que sabia fazer; por agregar valores de liderança e prestígio, no conhecimento do ofício e pelos laços de amizades na comunidade; por reproduzir divisão sexual de papéis sociais sem segregar os trabalhos de ambos; por celebrar e confraternizar festivamente os trabalhos de homens e mulheres, até então segmentados. Por todas essas expressões, o mutirão da laje é um encontro que consolida e renova a produção de bens e valores, a ampliação do espaço de habitação e renova e reforça os vínculos entre vizinhos, afirma identidades e o sentido de pertencimento no grupo. No jargão da engenharia civil, a laje é uma etapa procedimental na construção do imóvel, dita “coroamento”, porém quando em mutirão, sobre a casa do morador – construtor é possível dizê-la “coroação”; como na tradicional festa da cumeeira. Entre uma e outra há mudanças do local, do ambiente rural para ambiente urbano; do objeto “cumeeira” pela “laje”; dos conhecimentos e uso das tecnológicos; mas ambas mantêm os sentidos fundamentais atribuídos por seus participantes: cooperação, ajuda mútua e festividade, que marcam uma conquista, ao mesmo tempo individual e coletiva.

Autor: Pablo das Oliveiras