O Movimento Revolucionário 8 de Outubro e as favelas no Rio de Janeiro: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
mSem resumo de edição
Sem resumo de edição
 
(Uma revisão intermediária pelo mesmo usuário não está sendo mostrada)
Linha 1: Linha 1:


Matheus de Carvalho Barros
O objetivo deste verbete é contribuir de forma sucinta para um tema ainda pouco explorado por pesquisadores da ditadura-civil militar: a relação entre os grupos revolucionários que empreenderam, a luta armada e os movimentos sociais de favelas no processo de oposição ao regime ditatorial. Nesse sentido, vamos nos debruçar sobre a atuação do Movimento Revolucionário 8 de Outubro ( DI-GB/ MR-8).


Ditadura civil-militar e as favelas
Autor: Matheus de Carvalho Barros


== Ditadura civil - militar e as favelas ==
Na década de 1960, a política de segregação espacial da cidade do Rio de Janeiro promovida pelos governos Federal e do antigo estado da Guanabara tomou proporções inéditas, com a remoção de favelados das áreas centrais da cidade, e a consequente transferência desses para terrenos vazios na periferia. Esse período trouxe uma mudança drástica na relação entre Estado e favelas: a partir de 1969, no contexto ditatorial, a remoção, ameaça sempre presente na vida das favelas, pôde ser executada com força total, garantida por uma repressão nunca vista antes (BRUM, 2012).
Na década de 1960, a política de segregação espacial da cidade do Rio de Janeiro promovida pelos governos Federal e do antigo estado da Guanabara tomou proporções inéditas, com a remoção de favelados das áreas centrais da cidade, e a consequente transferência desses para terrenos vazios na periferia. Esse período trouxe uma mudança drástica na relação entre Estado e favelas: a partir de 1969, no contexto ditatorial, a remoção, ameaça sempre presente na vida das favelas, pôde ser executada com força total, garantida por uma repressão nunca vista antes (BRUM, 2012).
O “problema-favela” clamava, segundo autoridades e setores da sociedade, por uma solução urgente, tendo o número de habitantes destas praticamente dobrado entre 1950 e 1960, passando de cerca de 170 mil moradores, correspondendo a 7,2% do total da população da cidade, para 335 mil, 10% da população total, cifras que alarmavam os que viam a favela como uma infestação urbana que crescia sem controle (BRUM, 2012).
O “problema-favela” clamava, segundo autoridades e setores da sociedade, por uma solução urgente, tendo o número de habitantes destas praticamente dobrado entre 1950 e 1960, passando de cerca de 170 mil moradores, correspondendo a 7,2% do total da população da cidade, para 335 mil, 10% da população total, cifras que alarmavam os que viam a favela como uma infestação urbana que crescia sem controle (BRUM, 2012).
Nesse contexto, segundo Lucas Pedretti (2016), entre 1962 e 1974, mais de 140,000 pessoas foram removidas de suas casas, sobretudo nos bairros que se tornavam mais atrativos para o mercado imobiliário, como a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Leblon, por exemplo. O autor nos aponta que, se a política de remoções sistemáticas foi iniciada com o então Governador Carlos Lacerda ainda antes do período ditatorial, foi em 1968, com a criação da Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Rio de Janeiro (CHISAM), que a ditadura passou a dirigir o processo com uma maior disponibilidade de recursos técnicos e financeiros, executados, sobretudo, através da violência.
 
Nesse contexto, segundo Lucas Pedretti (2016), entre 1962 e 1974, mais de 140,000 pessoas foram removidas de suas casas, sobretudo nos bairros que se tornavam mais atrativos para o mercado imobiliário, como a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Leblon, por exemplo. O autor nos aponta que, se a política de remoções sistemáticas foi iniciada com o então Governador Carlos Lacerda ainda antes do período ditatorial, foi em 1968, com a criação da Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Rio de Janeiro (CHISAM), que a ditadura passou a dirigir o processo com uma maior disponibilidade de recursos técnicos e financeiros, executados, sobretudo, através da violência.
 
Entretanto, apesar das dificuldades impostas pelo fechamento do regime, as remoções não ocorreram sem a resistência dos moradores e dos movimentos sociais. A Comissão da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RIO) localizou documentos inéditos que comprovam a prisão de lideranças da Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG) que se articularam para combater o processo. Como nos demonstra Pedretti (2016), um caso emblemático que ilustra bem essa situação aconteceu na extinta Favela do Esqueleto. Ameaçada de remoção poucos meses após o golpe, os moradores da favela organizaram um plebiscito na comunidade a fim de mostrar às autoridades que não queriam sair dali. Nesse cenário, o então presidente da FAFEG, Etevaldo Justino, foi preso acusado de fazer “ativismo subversivo” entre os favelados. A mobilização, no entanto, não surgiu efeito. A remoção foi realizada e milhares de pessoas tiveram que deixar o local que hoje é a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Entretanto, apesar das dificuldades impostas pelo fechamento do regime, as remoções não ocorreram sem a resistência dos moradores e dos movimentos sociais. A Comissão da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RIO) localizou documentos inéditos que comprovam a prisão de lideranças da Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG) que se articularam para combater o processo. Como nos demonstra Pedretti (2016), um caso emblemático que ilustra bem essa situação aconteceu na extinta Favela do Esqueleto. Ameaçada de remoção poucos meses após o golpe, os moradores da favela organizaram um plebiscito na comunidade a fim de mostrar às autoridades que não queriam sair dali. Nesse cenário, o então presidente da FAFEG, Etevaldo Justino, foi preso acusado de fazer “ativismo subversivo” entre os favelados. A mobilização, no entanto, não surgiu efeito. A remoção foi realizada e milhares de pessoas tiveram que deixar o local que hoje é a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).


Como base nesses documentos produzidos pelas forças repressivas da ditadura militar e localizados pela Comissão da Verdade, a Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj), que sucedeu a Fafeg, após o fim do estado da Guanabara, em 1975, demanda que o Estado brasileiro reconheça e repare a perseguição sofrida pela entidade naquele período. A Federação busca o reconhecimento de que as graves violações aos direitos humanos promovidas pelos militares não se restringiram a casos individuais e de que violências também foram movidas contra a federação, com base em recortes de raça, classe e território (PEDRETTI; OLIVERIA, 2023).
Como base nesses documentos produzidos pelas forças repressivas da ditadura militar e localizados pela Comissão da Verdade, a Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj), que sucedeu a Fafeg, após o fim do estado da Guanabara, em 1975, demanda que o Estado brasileiro reconheça e repare a perseguição sofrida pela entidade naquele período. A Federação busca o reconhecimento de que as graves violações aos direitos humanos promovidas pelos militares não se restringiram a casos individuais e de que violências também foram movidas contra a federação, com base em recortes de raça, classe e território (PEDRETTI; OLIVERIA, 2023).  
Tendo em vista a descoberta de documentos e a busca de reparação por parte dos movimentos de moradores, o objetivo deste verbete é contribuir de forma sucinta para um tema ainda pouco explorado por pesquisadores da ditadura-civil militar: a relação entre os grupos revolucionários que empreenderam a luta armada e os movimentos sociais de favelas no processo de oposição ao regime ditatorial. Nesse sentido, vamos nos debruçar sobre a atuação do Movimento Revolucionário 8 de Outubro ( DI-GB/ MR-8).
O MR-8 na luta armada


== O MR-8 na luta armada ==
O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) constituiu-se como uma das diversas dissidências estudantis que surgiram no seio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), por consequência dos inúmeros conflitos que afetaram o partido no início dos anos 1960 e que iriam se intensificar após o golpe civil-militar. Formada ainda no período pré-64, o grupo surgiu da aproximação, ainda molecular, de alguns estudantes da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) e da Faculdade Nacional de Direito, ambas integradas à Universidade do Brasil (atual UFRJ).
O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) constituiu-se como uma das diversas dissidências estudantis que surgiram no seio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), por consequência dos inúmeros conflitos que afetaram o partido no início dos anos 1960 e que iriam se intensificar após o golpe civil-militar. Formada ainda no período pré-64, o grupo surgiu da aproximação, ainda molecular, de alguns estudantes da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) e da Faculdade Nacional de Direito, ambas integradas à Universidade do Brasil (atual UFRJ).


Segundo Higor Codarin (2020), entre 1967 e 1969 foi sendo consolidada a visão de que só a luta armada derruba a ditadura, conforme slogan dos protestos estudantis deste período. De início com muitas nuances e dúvidas, a luta armada como estratégia revolucionária foi concretizada na nova linha política da organização, resultado das discussões na III Conferência da organização, em abril de 1969. É importante destacar que essa perspectiva de ruptura com a tradição e as formas de luta do PCB encontrava confirmação na conjuntura revolucionária internacional que aparentava inaugurar uma nova fase na “progressiva marcha para o socialismo”, como também no debate teórico que surge nesse contexto.
Segundo Higor Codarin (2020), entre 1967 e 1969 foi sendo consolidada a visão de que só a luta armada derruba a ditadura, conforme slogan dos protestos estudantis deste período. De início com muitas nuances e dúvidas, a luta armada como estratégia revolucionária foi concretizada na nova linha política da organização, resultado das discussões na III Conferência da organização, em abril de 1969. É importante destacar que essa perspectiva de ruptura com a tradição e as formas de luta do PCB encontrava confirmação na conjuntura revolucionária internacional que aparentava inaugurar uma nova fase na “progressiva marcha para o socialismo”, como também no debate teórico que surge nesse contexto. Após a ação de sequestro do embaixador norte-americano, realizada em conjunto com a Ação Libertadora Nacional (ALN) em setembro de 1969, os órgãos repressivos fecharam, definitivamente, o cerco às organizações de esquerda armada. Imerso na clandestinidade, o MR-8 distanciava-se, gradativamente, dos setores sociais que buscava mobilizar para dar seguimento à revolução brasileira (CODARIM, 2020).
Após a ação de sequestro do embaixador norte-americano, realizada em conjunto com a Ação Libertadora Nacional (ALN) em setembro de 1969, os órgãos repressivos fecharam, definitivamente, o cerco às organizações de esquerda armada. Imerso na clandestinidade, o MR-8 distanciava-se, gradativamente, dos setores sociais que buscava mobilizar para dar seguimento à revolução brasileira (CODARIM, 2020).


Entretanto, após os processos de mortes, prisões e exílios, algumas organizações da esquerda revolucionária decidem abandonar o enfrentamento armado e empenham-se nas lutas dos movimentos sociais. O objetivo desses grupos era acumular capital político que os credenciassem como força de peso nas disputas do cenário político nacional. No Rio de Janeiro, por exemplo, o MR-8 teve um papel fundamental na reorganização dos movimentos de favelas, reativando a Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ) (SANTOS, 2010).
Entretanto, após os processos de mortes, prisões e exílios, algumas organizações da esquerda revolucionária decidem abandonar o enfrentamento armado e empenham-se nas lutas dos movimentos sociais. O objetivo desses grupos era acumular capital político que os credenciassem como força de peso nas disputas do cenário político nacional. No Rio de Janeiro, por exemplo, o MR-8 teve um papel fundamental na reorganização dos movimentos de favelas, reativando a Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ) (SANTOS, 2010).


O MR-8 e as favelas no Rio de Janeiro
== O MR-8 e as favelas no Rio de Janeiro ==
 
Atuar nos movimentos sociais não era uma exclusividade da organização MR-8. Muito pelo contrário. As relações entre as organizações da esquerda revolucionária e os movimentos sociais eram intensas no período ditatorial. Entretanto, se pegarmos a relação específica com o movimento de moradores de favelas, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro se destaca.
Atuar nos movimentos sociais não era uma exclusividade da organização MR-8. Muito pelo contrário. As relações entre as organizações da esquerda revolucionária e os movimentos sociais eram intensas no período ditatorial. Entretanto, se pegarmos a relação específica com o movimento de moradores de favelas, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro se destaca.


Como mencionado anteriormente, com a volta do exílio do Chile de parte de sua cúpula, a organização se rearticula pondo fim às ações armadas e optando pelo trabalho de base em sindicatos operários, militando em ações populares, e consequentemente se fortalecendo como ator pelas lutas democráticas. A partir de uma nova análise da conjuntura nacional, verifica-se que era através da participação nos movimentos sociais que ocorreria a superação da ditadura civil-militar (AMOROSO, 2015).  
Como mencionado anteriormente, com a volta do exílio do Chile de parte de sua cúpula, a organização se rearticula pondo fim às ações armadas e optando pelo trabalho de base em sindicatos operários, militando em ações populares, e consequentemente se fortalecendo como ator pelas lutas democráticas. A partir de uma nova análise da conjuntura nacional, verifica-se que era através da participação nos movimentos sociais que ocorreria a superação da ditadura civil-militar (AMOROSO, 2015).


]
Nesse cenário, o MR-8 orientava sua militância, em todos os locais onde tinha atuação, no sentido de organização dos movimentos de moradores das grandes cidades e capitais. O movimento de moradores da periferia teve a questão de moradia como demonstrador das precariedades impostas a uma grande parcela da sociedade brasileira. O direito à moradia, mais do que o direito aos serviços públicos ainda era, nas décadas de 1970 e 1980, a principal reivindicação do movimento dos moradores das grandes cidades brasileiras e áreas metropolitanas (SANTOS, 2012). Nesse contexto, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro se atentou a essas questões e se tornou, entre os militantes da esquerda revolucionária, os que mais atuaram, nas décadas de 1970 e 1980, na reorganização das comunidades faveladas em várias cidades brasileiras, com destaque para a atuação no Rio de Janeiro.
Nesse cenário, o MR-8 orientava sua militância, em todos os locais onde tinha atuação, no sentido de organização dos movimentos de moradores das grandes cidades e capitais. O movimento de moradores da periferia teve a questão de moradia como demonstrador das precariedades impostas a uma grande parcela da sociedade brasileira. O direito à moradia, mais do que o direito aos serviços públicos ainda era, nas décadas de 1970 e 1980, a principal reivindicação do movimento dos moradores das grandes cidades brasileiras e áreas metropolitanas (SANTOS, 2012). Nesse contexto, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro se atentou a essas questões e se tornou, entre os militantes da esquerda revolucionária, os que mais atuaram, nas décadas de 1970 e 1980, na reorganização das comunidades faveladas em várias cidades brasileiras, com destaque para a atuação no Rio de Janeiro.


Linha 35: Linha 35:
Em 1978, Irineu lidera um movimento formado por presidentes de associações de moradores que com o apoio da Igreja Católica – que ofereceu suporte jurídico com os advogados da Pastoral de Favelas, Sobral Pinto e Bento Rubão – tornou-se vitorioso. A vitória representava a retomada da FAFERJ como uma organização ativa na defesa dos interesses dos favelados. E como o processo de reorganização da entidade foi liderado por setores da esquerda revolucionária e parte da Igreja Católica progressista, as atividades da organização passaram a ser alvo constante dos organismos de repressão (SANTOS, 2012).
Em 1978, Irineu lidera um movimento formado por presidentes de associações de moradores que com o apoio da Igreja Católica – que ofereceu suporte jurídico com os advogados da Pastoral de Favelas, Sobral Pinto e Bento Rubão – tornou-se vitorioso. A vitória representava a retomada da FAFERJ como uma organização ativa na defesa dos interesses dos favelados. E como o processo de reorganização da entidade foi liderado por setores da esquerda revolucionária e parte da Igreja Católica progressista, as atividades da organização passaram a ser alvo constante dos organismos de repressão (SANTOS, 2012).


Referências bibliográficas:
== Referências bibliográficas ==
 
ALVIM, Mariana. As marcas da ditadura nas favelas cariocas. Viva Rio.org, 03/04/2014. Disponível em: <nowiki>https://vivario.org.br/as-marcas-da-ditadura-nas-favelas/#:~:text=O%20maior%20impacto%20que%20a,a%20se%20chamar%20Federa%C3%A7%C3%A3o%20das</nowiki>
ALVIM, Mariana. As marcas da ditadura nas favelas cariocas. Viva Rio.org, 03/04/2014. Disponível em: https://vivario.org.br/as-marcas-da-ditadura-nas-favelas/#:~:text=O%20maior%20impacto%20que%20a,a%20se%20chamar%20Federa%C3%A7%C3%A3o%20das


AMOROSO, Mauro. Quando a literatura política sobre o morro: grupos de oposição, favelas e cultura a partir da análise de um livro sobre o Borel. Antíteses, v.8, n.15, 2015.
AMOROSO, Mauro. Quando a literatura política sobre o morro: grupos de oposição, favelas e cultura a partir da análise de um livro sobre o Borel. Antíteses, v.8, n.15, 2015.
Linha 45: Linha 44:
CODARIM, Higor. O ethos revolucionário da esquerda armada brasileira: o caso do Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Dimensões, 2020.
CODARIM, Higor. O ethos revolucionário da esquerda armada brasileira: o caso do Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Dimensões, 2020.


PEDRETTI, Lucas. Relatório da Comissão da Verdade do Rio Denuncia Violência nas Favelas Durante a Ditadura. RioOnWatch, 2016. Disponível em: https://rioonwatch.org.br/?p=18044
PEDRETTI, Lucas. Relatório da Comissão da Verdade do Rio Denuncia Violência nas Favelas Durante a Ditadura. RioOnWatch, 2016. Disponível em: <nowiki>https://rioonwatch.org.br/?p=18044</nowiki>


PEDRETTTI, Lucas; OLIVEIRA, Marcelo. Federação de favelas do Rio buscas reparação inédita por perseguição na ditadura. Agência Pública.org. Disponível em: https://apublica.org/2023/11/federacao-de-favelas-do-rio-busca-reparacao-inedita-por-perseguicao-na-ditadura/.
PEDRETTTI, Lucas; OLIVEIRA, Marcelo. Federação de favelas do Rio buscas reparação inédita por perseguição na ditadura. Agência Pública.org. Disponível em: <nowiki>https://apublica.org/2023/11/federacao-de-favelas-do-rio-busca-reparacao-inedita-por-perseguicao-na-ditadura/</nowiki>.


SANTOS, Eladir. Memória política e formações identitárias nas estratégias do Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Anpuh, 2010. Disponível em: http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276660791_ARQUIVO_TextoAnpuh2010.pdf.
SANTOS, Eladir. Memória política e formações identitárias nas estratégias do Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Anpuh, 2010. Disponível em: <nowiki>http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276660791_ARQUIVO_TextoAnpuh2010.pdf</nowiki>.


SANTOS, Eladir. Disputas de memórias: memória e identidade do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (1975-1985). Tese de doutorado em Memória Social na UNIRIO, 2012.
SANTOS, Eladir. Disputas de memórias: memória e identidade do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (1975-1985). Tese de doutorado em Memória Social na UNIRIO, 2012.
[[Categoria:Temática - Ativismo]]
[[Categoria:Temática - Associativismo e Movimentos Sociais]]
[[Categoria:Ditadura]]
[[Categoria:Rio de Janeiro]]
[[Categoria:Pesquisas]]
[[Categoria:Luta e resistência]]

Edição atual tal como às 18h37min de 17 de abril de 2024

O objetivo deste verbete é contribuir de forma sucinta para um tema ainda pouco explorado por pesquisadores da ditadura-civil militar: a relação entre os grupos revolucionários que empreenderam, a luta armada e os movimentos sociais de favelas no processo de oposição ao regime ditatorial. Nesse sentido, vamos nos debruçar sobre a atuação do Movimento Revolucionário 8 de Outubro ( DI-GB/ MR-8).

Autor: Matheus de Carvalho Barros

Ditadura civil - militar e as favelas[editar | editar código-fonte]

Na década de 1960, a política de segregação espacial da cidade do Rio de Janeiro promovida pelos governos Federal e do antigo estado da Guanabara tomou proporções inéditas, com a remoção de favelados das áreas centrais da cidade, e a consequente transferência desses para terrenos vazios na periferia. Esse período trouxe uma mudança drástica na relação entre Estado e favelas: a partir de 1969, no contexto ditatorial, a remoção, ameaça sempre presente na vida das favelas, pôde ser executada com força total, garantida por uma repressão nunca vista antes (BRUM, 2012).

O “problema-favela” clamava, segundo autoridades e setores da sociedade, por uma solução urgente, tendo o número de habitantes destas praticamente dobrado entre 1950 e 1960, passando de cerca de 170 mil moradores, correspondendo a 7,2% do total da população da cidade, para 335 mil, 10% da população total, cifras que alarmavam os que viam a favela como uma infestação urbana que crescia sem controle (BRUM, 2012).

Nesse contexto, segundo Lucas Pedretti (2016), entre 1962 e 1974, mais de 140,000 pessoas foram removidas de suas casas, sobretudo nos bairros que se tornavam mais atrativos para o mercado imobiliário, como a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Leblon, por exemplo. O autor nos aponta que, se a política de remoções sistemáticas foi iniciada com o então Governador Carlos Lacerda ainda antes do período ditatorial, foi em 1968, com a criação da Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Rio de Janeiro (CHISAM), que a ditadura passou a dirigir o processo com uma maior disponibilidade de recursos técnicos e financeiros, executados, sobretudo, através da violência.

Entretanto, apesar das dificuldades impostas pelo fechamento do regime, as remoções não ocorreram sem a resistência dos moradores e dos movimentos sociais. A Comissão da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RIO) localizou documentos inéditos que comprovam a prisão de lideranças da Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG) que se articularam para combater o processo. Como nos demonstra Pedretti (2016), um caso emblemático que ilustra bem essa situação aconteceu na extinta Favela do Esqueleto. Ameaçada de remoção poucos meses após o golpe, os moradores da favela organizaram um plebiscito na comunidade a fim de mostrar às autoridades que não queriam sair dali. Nesse cenário, o então presidente da FAFEG, Etevaldo Justino, foi preso acusado de fazer “ativismo subversivo” entre os favelados. A mobilização, no entanto, não surgiu efeito. A remoção foi realizada e milhares de pessoas tiveram que deixar o local que hoje é a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Como base nesses documentos produzidos pelas forças repressivas da ditadura militar e localizados pela Comissão da Verdade, a Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj), que sucedeu a Fafeg, após o fim do estado da Guanabara, em 1975, demanda que o Estado brasileiro reconheça e repare a perseguição sofrida pela entidade naquele período. A Federação busca o reconhecimento de que as graves violações aos direitos humanos promovidas pelos militares não se restringiram a casos individuais e de que violências também foram movidas contra a federação, com base em recortes de raça, classe e território (PEDRETTI; OLIVERIA, 2023).

O MR-8 na luta armada[editar | editar código-fonte]

O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) constituiu-se como uma das diversas dissidências estudantis que surgiram no seio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), por consequência dos inúmeros conflitos que afetaram o partido no início dos anos 1960 e que iriam se intensificar após o golpe civil-militar. Formada ainda no período pré-64, o grupo surgiu da aproximação, ainda molecular, de alguns estudantes da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) e da Faculdade Nacional de Direito, ambas integradas à Universidade do Brasil (atual UFRJ).

Segundo Higor Codarin (2020), entre 1967 e 1969 foi sendo consolidada a visão de que só a luta armada derruba a ditadura, conforme slogan dos protestos estudantis deste período. De início com muitas nuances e dúvidas, a luta armada como estratégia revolucionária foi concretizada na nova linha política da organização, resultado das discussões na III Conferência da organização, em abril de 1969. É importante destacar que essa perspectiva de ruptura com a tradição e as formas de luta do PCB encontrava confirmação na conjuntura revolucionária internacional que aparentava inaugurar uma nova fase na “progressiva marcha para o socialismo”, como também no debate teórico que surge nesse contexto. Após a ação de sequestro do embaixador norte-americano, realizada em conjunto com a Ação Libertadora Nacional (ALN) em setembro de 1969, os órgãos repressivos fecharam, definitivamente, o cerco às organizações de esquerda armada. Imerso na clandestinidade, o MR-8 distanciava-se, gradativamente, dos setores sociais que buscava mobilizar para dar seguimento à revolução brasileira (CODARIM, 2020).

Entretanto, após os processos de mortes, prisões e exílios, algumas organizações da esquerda revolucionária decidem abandonar o enfrentamento armado e empenham-se nas lutas dos movimentos sociais. O objetivo desses grupos era acumular capital político que os credenciassem como força de peso nas disputas do cenário político nacional. No Rio de Janeiro, por exemplo, o MR-8 teve um papel fundamental na reorganização dos movimentos de favelas, reativando a Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ) (SANTOS, 2010).

O MR-8 e as favelas no Rio de Janeiro[editar | editar código-fonte]

Atuar nos movimentos sociais não era uma exclusividade da organização MR-8. Muito pelo contrário. As relações entre as organizações da esquerda revolucionária e os movimentos sociais eram intensas no período ditatorial. Entretanto, se pegarmos a relação específica com o movimento de moradores de favelas, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro se destaca.

Como mencionado anteriormente, com a volta do exílio do Chile de parte de sua cúpula, a organização se rearticula pondo fim às ações armadas e optando pelo trabalho de base em sindicatos operários, militando em ações populares, e consequentemente se fortalecendo como ator pelas lutas democráticas. A partir de uma nova análise da conjuntura nacional, verifica-se que era através da participação nos movimentos sociais que ocorreria a superação da ditadura civil-militar (AMOROSO, 2015).

Nesse cenário, o MR-8 orientava sua militância, em todos os locais onde tinha atuação, no sentido de organização dos movimentos de moradores das grandes cidades e capitais. O movimento de moradores da periferia teve a questão de moradia como demonstrador das precariedades impostas a uma grande parcela da sociedade brasileira. O direito à moradia, mais do que o direito aos serviços públicos ainda era, nas décadas de 1970 e 1980, a principal reivindicação do movimento dos moradores das grandes cidades brasileiras e áreas metropolitanas (SANTOS, 2012). Nesse contexto, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro se atentou a essas questões e se tornou, entre os militantes da esquerda revolucionária, os que mais atuaram, nas décadas de 1970 e 1980, na reorganização das comunidades faveladas em várias cidades brasileiras, com destaque para a atuação no Rio de Janeiro.

Uma figura fundamental que demonstra atuação do MR-8 nas favelas cariocas é o líder comunitário Irineu Guimarães. Morador da favela do Jacarezinho, Irineu iniciou sua participação política ainda na década de 1950 sob a influência do Partido Comunista Brasileiro. Entretanto, segundo Eladir Santos (2012), será em meados da década de 1970 que Irineu Guimarães entre em contato com os militantes do MR-8. A organização já frequentava a favela desde o início de 1971, primeiro com o objetivo de formar militantes para a luta armada e posteriormente para organizar o movimento dos moradores.

Sob a orientação do MR-8, Irineu Guimarães se aproximou da entidade federativa dos favelados do estado, a FAFERJ (antiga Fafeg), e observou, junto com outras lideranças, que a mesma não estava mais representando, efetivamente, os favelados. Na visão desses atores, a FAFERJ havia se tornado uma entidade que, temendo a repressão imposta pelos organismos da ditadura, optara por calar-se e conciliar os conflitos (ALVIM, 2014). A partir deste diagnóstico, uma tarefa se impunha naquele momento: disputar a liderança da federação e reorganizar a sua atuação política.

Em 1978, Irineu lidera um movimento formado por presidentes de associações de moradores que com o apoio da Igreja Católica – que ofereceu suporte jurídico com os advogados da Pastoral de Favelas, Sobral Pinto e Bento Rubão – tornou-se vitorioso. A vitória representava a retomada da FAFERJ como uma organização ativa na defesa dos interesses dos favelados. E como o processo de reorganização da entidade foi liderado por setores da esquerda revolucionária e parte da Igreja Católica progressista, as atividades da organização passaram a ser alvo constante dos organismos de repressão (SANTOS, 2012).

Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]

ALVIM, Mariana. As marcas da ditadura nas favelas cariocas. Viva Rio.org, 03/04/2014. Disponível em: https://vivario.org.br/as-marcas-da-ditadura-nas-favelas/#:~:text=O%20maior%20impacto%20que%20a,a%20se%20chamar%20Federa%C3%A7%C3%A3o%20das

AMOROSO, Mauro. Quando a literatura política sobre o morro: grupos de oposição, favelas e cultura a partir da análise de um livro sobre o Borel. Antíteses, v.8, n.15, 2015.

BRUM, M. S. Ditadura civil-militar e favelas: estigma e restrições ao debate sobre a cidade (1969-1973). Cadernos Metrópole, 2013.

CODARIM, Higor. O ethos revolucionário da esquerda armada brasileira: o caso do Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Dimensões, 2020.

PEDRETTI, Lucas. Relatório da Comissão da Verdade do Rio Denuncia Violência nas Favelas Durante a Ditadura. RioOnWatch, 2016. Disponível em: https://rioonwatch.org.br/?p=18044

PEDRETTTI, Lucas; OLIVEIRA, Marcelo. Federação de favelas do Rio buscas reparação inédita por perseguição na ditadura. Agência Pública.org. Disponível em: https://apublica.org/2023/11/federacao-de-favelas-do-rio-busca-reparacao-inedita-por-perseguicao-na-ditadura/.

SANTOS, Eladir. Memória política e formações identitárias nas estratégias do Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Anpuh, 2010. Disponível em: http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276660791_ARQUIVO_TextoAnpuh2010.pdf.

SANTOS, Eladir. Disputas de memórias: memória e identidade do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (1975-1985). Tese de doutorado em Memória Social na UNIRIO, 2012.