O urbanismo social na crise climática das favelas (artigo): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Todos os anos, a água cai pelas vielas e ladeiras, e encontra um caminho para descer. Hoje são necessárias intervenções nesses territórios para controlar a descida da água e para impedir que a enxurrada vá levando pessoas e imóveis, infiltrando em frestas, causando erosão e, por fim, deslizamentos nas encostas e alagamentos nas baixadas .
Todos os anos, a água cai pelas vielas e ladeiras, e encontra um caminho para descer. Hoje são necessárias intervenções nesses territórios para controlar a descida da água e para impedir que a enxurrada vá levando pessoas e imóveis, infiltrando em frestas, causando erosão e, por fim, deslizamentos nas encostas e alagamentos nas baixadas .


As consequências são ainda mais graves para populações que vivem em áreas de vulnerabilidade sem infraestrutura adequada, em especial populações negras, indígenas e quilombolas - configurando um cenário de desigualdade social e racismo ambiental. Além disso, a população negra representa 67% dos moradores das favelas, um patamar bem acima da estimativa nacional de 55% - de acordo com a pesquisa do Instituto Locomotiva em parceria com o Data Favela e a Central Única das Favelas (Cufa).
As consequências são ainda mais graves para populações que vivem em áreas de vulnerabilidade sem infraestrutura adequada, em especial populações negras, indígenas e quilombolas - configurando um cenário de desigualdade social e racismo ambiental. Além disso, a população negra representa 67% dos moradores das favelas, um patamar bem acima da estimativa nacional de 55% - de acordo com a pesquisa do Instituto Locomotiva em parceria com o [[Data Favela]] e a [[Central Única das Favelas (CUFA)|Central Única das Favelas (Cufa)]].


'''PARA PROMOVER A JUSTIÇA CLIMÁTICA, O RESPEITO E A INCLUSÃO, O URBANISMO SOCIAL EM UMA ABORDAGEM DE GESTÃO SOCIAL É IMPORTANTE PARA GARANTIR UM CENÁRIO CRIATIVO E IMEDIATO DE ADAPTAÇÃO À CRISE CLIMÁTICA.'''
'''PARA PROMOVER A JUSTIÇA CLIMÁTICA, O RESPEITO E A INCLUSÃO, O URBANISMO SOCIAL EM UMA ABORDAGEM DE GESTÃO SOCIAL É IMPORTANTE PARA GARANTIR UM CENÁRIO CRIATIVO E IMEDIATO DE ADAPTAÇÃO À CRISE CLIMÁTICA.'''
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Edição atual tal como às 18h52min de 1 de março de 2024

 Artigo produzido por Kátia Mello e originalmente publicado pelo portal Nexo Jornal em 8 de janeiro de 2023. Para Kátia, "O desafio para a gestão do território é a execução de um planejamento urbano preventivo e emergencial de forma sistemática e contínua ao longo do ano."

Autora: Kátia Mello (Nexo Jornal).

Sobre[editar | editar código-fonte]

Desde os anos 2000 é possível notar mudanças nos padrões das chuvas, que passaram a ser mais concentradas e aumentaram a recorrência de eventos climáticos extremos. Não podemos esquecer das tragédias que vimos no começo deste ano em diversos estados, como Pernambuco, Bahia, São Paulo, Acre e Rio de Janeiro, por exemplo. Em fevereiro de 2022, em um único dia, cerca de 775 deslizamentos de terra e 233 mortes ocorreram no município de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. A crise climática é consequência de uma economia baseada na emissão de gases de efeito estufa e vem trazendo desafios intensos para a gestão dos territórios.

Segundo estudo do MapBiomas, a cada 100 km² de aglomerados subnormais — como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) classifica as favelas —, 15 km² foram construídos em áreas de risco. Destacamos como características de risco desses territórios a localização em encosta íngreme, o solo mole, a ausência de infraestrutura de drenagem adequada, como escadas hidráulicas, por exemplo. Segundo o MapBiomas, as cidades brasileiras com mais áreas de risco são Salvador (BA), Ribeirão das Neves (MG), Jaboatão dos Guararapes (PE), São Paulo (SP) e Recife (PE).

Todos os anos, a água cai pelas vielas e ladeiras, e encontra um caminho para descer. Hoje são necessárias intervenções nesses territórios para controlar a descida da água e para impedir que a enxurrada vá levando pessoas e imóveis, infiltrando em frestas, causando erosão e, por fim, deslizamentos nas encostas e alagamentos nas baixadas .

As consequências são ainda mais graves para populações que vivem em áreas de vulnerabilidade sem infraestrutura adequada, em especial populações negras, indígenas e quilombolas - configurando um cenário de desigualdade social e racismo ambiental. Além disso, a população negra representa 67% dos moradores das favelas, um patamar bem acima da estimativa nacional de 55% - de acordo com a pesquisa do Instituto Locomotiva em parceria com o Data Favela e a Central Única das Favelas (Cufa).

PARA PROMOVER A JUSTIÇA CLIMÁTICA, O RESPEITO E A INCLUSÃO, O URBANISMO SOCIAL EM UMA ABORDAGEM DE GESTÃO SOCIAL É IMPORTANTE PARA GARANTIR UM CENÁRIO CRIATIVO E IMEDIATO DE ADAPTAÇÃO À CRISE CLIMÁTICA.

Para isso, é necessário garantir obras para atualização da infraestrutura, implementação de sistemas de drenagem e de saneamento básico, além de transformações que proporcionem segurança e melhores condições de vida para as pessoas. Por exemplo, colocar calhas para ajudar a direcionar a água e reduzir o risco por pingadeira, tapar buracos nas ruas para evitar infiltrações e uma série de outras melhorias, intervenções e cuidados com a drenagem da superfície que podem ser feitos com maior agilidade.

O desafio para a gestão do território é a execução de um planejamento urbano preventivo e emergencial de forma sistemática e contínua ao longo do ano, em várias frentes de atuação interligadas e que estão associadas à gestão urbana, gestão de riscos e gestão social.

Sob o viés da gestão integrada dos territórios é possível rever a abordagem para projetos de urbanização de favelas, de maneira a levar em conta uma visão holística para as demandas urgentes de cada território, com integração entre mapeamento de riscos, manutenção, obras estruturais e intervenções para reassentamento - quando necessário.

As intervenções no território por meio de parcerias público-privadas no país precisam ser atualizadas para criar soluções de adaptação à crise climática que superem barreiras burocráticas como baixo orçamento para pequenas obras, falta de continuidade política e demora para apresentar resultados.

Em 2016, a Prefeitura do Recife lançou o “Mais Vida nos Morros”, um programa para requalificar comunidades em morros com a implantação de paisagismo, áreas de lazer e de convivência. Na parceria do projeto, a prefeitura se encarregou da equipe técnica de engenharia, arquitetura e urbanismo, os patrocinadores pelo material e a comunidade ficou responsável pela mão-de-obra em sistemas de mega mutirões. As 56 comunidades atendidas estabeleceram o caso como uma das experiências de urbanismo social com maior escala territorial no Brasil. Foram mais de 40 mil vidas impactadas diretamente.

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), vem fazendo um trabalho expressivo em áreas de habitação precária com obras de saneamento para ampliar o serviço de água e esgoto encanados - incluindo a gestão social e educação ambiental junto às comunidades do projeto, que está a cargo da empresa Diagonal. O trabalho mostra a importância de parcerias para implementação de metas para o desenvolvimento sustentável dos territórios.

A cidade de Medellin se tornou uma referência pelo seu modelo de gestão baseado nas Empresas Públicas para serviços de zeladoria urbana, onde estreou um modelo de governança que visa a unidade na tomada de decisões. A mesa diretora é composta pelo/a prefeito/a de Medellín, cinco pessoas ligadas ao governo e três especialistas que servem como representantes dos comitês de desenvolvimento e controle social dos serviços públicos domiciliares. Essa proposta trouxe investimentos e enormes transformações positivas para as favelas da cidade.

Existem caminhos para a adaptação dos territórios em vulnerabilidade ambiental diante da crise climática, no entanto é urgente uma abordagem mais contundente e prioritária de acompanhamento das áreas de risco por parte da gestão pública. Unir os processos de urbanização de favelas, de monitoramento de riscos e ações de zeladoria urbana, com a implementação de equipamentos sociais âncora que possam articular projetos sociais integrados e convocar vontades de cocriação entre os diversos atores envolvidos, constitui uma estratégia de urbanismo social passível a propiciar respostas mais contundentes para uma justiça ambiental nas grandes cidades.

A proposta é que áreas urbanas em risco ambiental recebam tanto investimento e atenção recorrente quanto os centros urbanos e áreas turísticas. São áreas e populações que precisam de mais cuidado. São justamente as periferias que precisam de um trabalho de zeladoria proativo, e sob esse viés estaremos tratando a urbanização de favelas com a profundidade necessária e a visão holística que precisamos para que a população enfrente a crise climática com mais segurança.

Kátia Mello é engenheira civil e sanitária, formada pela UFPE, e fundou a Diagonal com Álvaro Jucá em 1990. Como Responsável Técnica da empresa desenvolveu propostas inovadoras que contribuíram para a formulação de políticas públicas e de sustentabilidade e responsabilidade social empresarial. Ela também já teve cargos de diretoria e gerência no governo de Pernambuco e na prefeitura de Recife, exemplificando sua experiência em gestão social integrada, gestão territorial e desenvolvimento territorial sustentável.