Observatório Cidade Integrada - bairro do Jacarezinho (relatório): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Apresentação
Autoria: Observatório Cidade Integrada


Avaliação do Cidade Integrada: o que dizem os moradores?
== Apresentação ==
O presente relatório apresenta os resultados de uma pesquisa que buscou avaliar o Programa Cidade Integrada no bairro do Jacarezinho, com base na percepção e experiências dos moradores. O estudo foi realizado pelo conjunto de organizações parceiras que formaram o Observatório do Cidade Integrada, visando ao monitoramento independente do Cidade Integrada a partir da sociedade civil. Como será visto, tal monitoramento se fez necessário em virtude do grande volume de denúncias de violações de direitos humanos praticados por policiais militares que ocuparam o território para a implementação do programa.


Experiências de violência policial durante o Cidade Integrada
O Cidade Integrada foi anunciado publicamente no dia 22 de janeiro de 2022, quando o Governador do Estado do Rio de Janeiro, Claudio Castro, informou à imprensa que o bairro do Jacarezinho, zona norte da capital do estado, e a favela da Muzema, na zona Oeste da cidade, seriam contemplados com o programa. Ambos os territórios já se encontravam ocupados pela Polícia Militar desde o dia 19 de janeiro, data do Decreto nº 47928, por meio do qual o Governo do Estado instituiu o Programa Cidade Integrada. No entanto, a população local não fora consultada ou tampouco informada a respeito, de modo que as lideranças comunitárias tomaram ciência da existência do Cidade Integrada e dos projetos previstos para o território somente após divulgação pela imprensa.


Considerações Finais
O decreto que instituiu o programa fazia menção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) e enfatizava necessidade de elaborar estudos e coordenar ações em áreas de moradia de baixa renda, a fim de melhorar a qualidade de vida da população. O decreto discorreu sobre a importância de realizar investimentos em mobilidade urbana, habitação, construção e reforma de equipamentos públicos, gestão ambiental e políticas de promoção social para famílias em situação de vulnerabilidade. Constava, contudo, no decreto, que tudo isso seria realizado “sem aumento de despesa”. Assim, o Cidade Integrada foi instituído como um programa sem orçamento próprio, que consistia basicamente em retirar investimentos previstos para outros territórios e “concentrar a gestão dos benefícios, ações e projetos” em duas áreas específicas. Todos os projetos previstos para o Cidade Integrada já existiam anteriormente ao programa, entretanto, a proposta seria obrigar diversas secretárias de Estado a deslocarem seus recursos para as áreas escolhidas.


Anexo: relatório completo
Divergindo bastante do que consta no decreto, o Cidade Integrada teve como seu principal foco a ocupação de favelas pela Polícia Militar, acionando um repertório de justificativas semelhante ao das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), isto é, o argumento de “retomada” pelo Estado de territórios até então controlados por grupos criminais armados, ligados a facções do tráfico de drogas e/ou milícias. Desde o seu anúncio inicial, o Cidade Integrada foi comparado ao programa das UPPs e houve inclusive expectativas de que o Cidade Integrada seria expandido para outros territórios como foram as UPPs, que chegaram a ser implementadas em mais de 40 favelas. No entanto, o Cidade Integrada revelou-se uma iniciativa de pequena escala, restrita a dois territórios pilotos e sem orçamento próprio, diferindo bastante das UPPs que contaram com volumosos investimentos públicos e privados disponíveis num período caracterizado pelo crescimento econômico do Brasil e de preparativos de segurança para a recepção da Copa do Mundo da FIFA (2014) e Jogos Olímpicos (2016).


Ver também
Em seus primeiros anos, as UPPs dividiram as opiniões dos moradores e especialistas entre aqueles que ressaltavam a diminuição das mortes violentas, sobretudo as cometidas por policiais, nos territórios ocupados, e aqueles que criticavam as arbitrariedades praticadas pelas forças ocupantes contra a população local. Houve, contudo, consenso a respeito de, com o passar de poucos anos, os arranjos de poder locais terem se estabilizado por meio da negociação de acordos entre policiais e traficantes de drogas, que passaram a dividir o controle sobre o território das favelas. Diferentemente das UPPs, o Cidade Integrada não encontrou apoio entre especialistas no tema e, como será visto, tampouco entre os moradores do bairro. Não apenas se optou por reeditar uma experiência fracassada, como por fazê-lo de maneira precária.
 
A escolha dos territórios contemplados pelo Cidade Integrada não foi justificada com base em algum critério técnico, mas apenas como resposta midiática às tragédias ocorridas nessas favelas: a chacina policial do Jacarezinho em maio de 2021 e o desabamento em abril de 2019 de prédios construídos irregularmente na Muzema. A chacina do Jacarezinho, ocorrida no dia 6 de maio de 2021, consistiu na morte de 28 pessoas durante uma operação da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ). Esta foi a operação policial mais letal da história democrática do estado. Segundo relatos dos moradores, muitas dessas vítimas foram sumariamente executadas por policiais e seus corpos arrastados até as viaturas, deixando poças e rastros de sangue e vísceras nas ruas do Jacarezinho. Moradores vivenciaram experiências de terror dentro de suas próprias casas, invadidas por policiais em busca de suspeitos e com as paredes perfuradas por projéteis de fuzil.
 
Esta operação ocorreu durante a vigência de uma liminar do Supremo Tribunal Federal que restringiu as operações policiais a situações absolutamente excepcionais, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 635 – a ADPF 635, popularmente conhecida como “ADPF das favelas”. Ciente da desobediência a uma decisão da mais alta corte do país, a polícia nomeou essa ação como “operação exceptis” – “exceção” em latim. Esta operação, contudo, não foi um fato isolado e sim um episódio emblemático do crescente descumprimento da decisão do STF e da escolha por perpetuar um modelo de política de segurança pública centrado no extermínio sistemático de jovens negros pobres e favelados. Tanto o Governador do Estado quanto o Presidente da República manifestaram publicamente o seu apoio à ação dos policiais, mesmo antes que as circunstâncias das 28 mortes fossem investigadas e diante de tantos indícios de abuso por parte da polícia.
 
A repercussão da chacina na imprensa e a comoção internacional gerada compeliram o Governo do Estado a oferecer alguma resposta à sociedade. Face à recusa do governo em punir os responsáveis pelo massacre, oferecer reparações aos familiares das vítimas e buscar ampliar os controles democráticos sobre a atividade policial, a ocupação do Jacarezinho pela Polícia Militar foi a resposta escolhida pelo governo. Como será visto, boa parte das ações anunciadas para o bairro do Jacarezinho não chegaram sequer a começar e algumas das ações iniciadas foram interrompidas.
 
A maioria dos moradores sequer tomou conhecimento de novos serviços oferecidos pelo Estado à população do bairro em razão do Cidade Integrada, mas a presença de policiais circulando pela comunidade impactou de sobremaneira as suas rotinas. Desde os primeiros dias de implantação do Cidade Integrada, foram muitas as denúncias de abuso da força por policiais contra os moradores recebidas tanto pela Associação de Moradores, quanto pelas organizações da sociedade civil que atuam no bairro do Jacarezinho.
 
Diante do súbito aumento das queixas de violência policial encaminhadas ao LabJaca e ao Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), essas entidades solicitaram a ajuda de organizações e coletivos parceiros, com os quais formaram um Observatório do Cidade Integrada para monitorar as violações de direitos humanos ocorridas no bairro do Jacarezinho. Ressalte-se aqui que não foi obtido acesso com segurança ao território da Muzema, de modo que o Observatório do Cidade Integrada se restringe, portanto, ao bairro do Jacarezinho. Dentre as atividades do Observatório, destacou-se a realização de uma pesquisa junto aos moradores do bairro, a fim de coletar as suas experiências e opiniões sobre o Cidade Integrada, colaborando assim com o trabalho de avaliação do programa. O presente relatório é, portanto, resultado de um esforço conjunto de diferentes organizações para levantar, produzir e analisar dados quantitativos e qualitativos, realizando assim um balanço da percepção e experiências dos moradores sobre os primeiros 5 meses do programa Cidade Integrada no bairro do Jacarezinho.
 
== Avaliação do Cidade Integrada: o que dizem os moradores? ==
 
== Experiências de violência policial durante o Cidade Integrada ==
 
== Considerações Finais ==
 
== Anexo: relatório completo ==
 
== Ver também ==

Edição das 20h00min de 13 de outubro de 2022

Autoria: Observatório Cidade Integrada

Apresentação

O presente relatório apresenta os resultados de uma pesquisa que buscou avaliar o Programa Cidade Integrada no bairro do Jacarezinho, com base na percepção e experiências dos moradores. O estudo foi realizado pelo conjunto de organizações parceiras que formaram o Observatório do Cidade Integrada, visando ao monitoramento independente do Cidade Integrada a partir da sociedade civil. Como será visto, tal monitoramento se fez necessário em virtude do grande volume de denúncias de violações de direitos humanos praticados por policiais militares que ocuparam o território para a implementação do programa.

O Cidade Integrada foi anunciado publicamente no dia 22 de janeiro de 2022, quando o Governador do Estado do Rio de Janeiro, Claudio Castro, informou à imprensa que o bairro do Jacarezinho, zona norte da capital do estado, e a favela da Muzema, na zona Oeste da cidade, seriam contemplados com o programa. Ambos os territórios já se encontravam ocupados pela Polícia Militar desde o dia 19 de janeiro, data do Decreto nº 47928, por meio do qual o Governo do Estado instituiu o Programa Cidade Integrada. No entanto, a população local não fora consultada ou tampouco informada a respeito, de modo que as lideranças comunitárias tomaram ciência da existência do Cidade Integrada e dos projetos previstos para o território somente após divulgação pela imprensa.

O decreto que instituiu o programa fazia menção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) e enfatizava necessidade de elaborar estudos e coordenar ações em áreas de moradia de baixa renda, a fim de melhorar a qualidade de vida da população. O decreto discorreu sobre a importância de realizar investimentos em mobilidade urbana, habitação, construção e reforma de equipamentos públicos, gestão ambiental e políticas de promoção social para famílias em situação de vulnerabilidade. Constava, contudo, no decreto, que tudo isso seria realizado “sem aumento de despesa”. Assim, o Cidade Integrada foi instituído como um programa sem orçamento próprio, que consistia basicamente em retirar investimentos previstos para outros territórios e “concentrar a gestão dos benefícios, ações e projetos” em duas áreas específicas. Todos os projetos previstos para o Cidade Integrada já existiam anteriormente ao programa, entretanto, a proposta seria obrigar diversas secretárias de Estado a deslocarem seus recursos para as áreas escolhidas.

Divergindo bastante do que consta no decreto, o Cidade Integrada teve como seu principal foco a ocupação de favelas pela Polícia Militar, acionando um repertório de justificativas semelhante ao das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), isto é, o argumento de “retomada” pelo Estado de territórios até então controlados por grupos criminais armados, ligados a facções do tráfico de drogas e/ou milícias. Desde o seu anúncio inicial, o Cidade Integrada foi comparado ao programa das UPPs e houve inclusive expectativas de que o Cidade Integrada seria expandido para outros territórios como foram as UPPs, que chegaram a ser implementadas em mais de 40 favelas. No entanto, o Cidade Integrada revelou-se uma iniciativa de pequena escala, restrita a dois territórios pilotos e sem orçamento próprio, diferindo bastante das UPPs que contaram com volumosos investimentos públicos e privados disponíveis num período caracterizado pelo crescimento econômico do Brasil e de preparativos de segurança para a recepção da Copa do Mundo da FIFA (2014) e Jogos Olímpicos (2016).

Em seus primeiros anos, as UPPs dividiram as opiniões dos moradores e especialistas entre aqueles que ressaltavam a diminuição das mortes violentas, sobretudo as cometidas por policiais, nos territórios ocupados, e aqueles que criticavam as arbitrariedades praticadas pelas forças ocupantes contra a população local. Houve, contudo, consenso a respeito de, com o passar de poucos anos, os arranjos de poder locais terem se estabilizado por meio da negociação de acordos entre policiais e traficantes de drogas, que passaram a dividir o controle sobre o território das favelas. Diferentemente das UPPs, o Cidade Integrada não encontrou apoio entre especialistas no tema e, como será visto, tampouco entre os moradores do bairro. Não apenas se optou por reeditar uma experiência fracassada, como por fazê-lo de maneira precária.

A escolha dos territórios contemplados pelo Cidade Integrada não foi justificada com base em algum critério técnico, mas apenas como resposta midiática às tragédias ocorridas nessas favelas: a chacina policial do Jacarezinho em maio de 2021 e o desabamento em abril de 2019 de prédios construídos irregularmente na Muzema. A chacina do Jacarezinho, ocorrida no dia 6 de maio de 2021, consistiu na morte de 28 pessoas durante uma operação da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ). Esta foi a operação policial mais letal da história democrática do estado. Segundo relatos dos moradores, muitas dessas vítimas foram sumariamente executadas por policiais e seus corpos arrastados até as viaturas, deixando poças e rastros de sangue e vísceras nas ruas do Jacarezinho. Moradores vivenciaram experiências de terror dentro de suas próprias casas, invadidas por policiais em busca de suspeitos e com as paredes perfuradas por projéteis de fuzil.

Esta operação ocorreu durante a vigência de uma liminar do Supremo Tribunal Federal que restringiu as operações policiais a situações absolutamente excepcionais, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 635 – a ADPF 635, popularmente conhecida como “ADPF das favelas”. Ciente da desobediência a uma decisão da mais alta corte do país, a polícia nomeou essa ação como “operação exceptis” – “exceção” em latim. Esta operação, contudo, não foi um fato isolado e sim um episódio emblemático do crescente descumprimento da decisão do STF e da escolha por perpetuar um modelo de política de segurança pública centrado no extermínio sistemático de jovens negros pobres e favelados. Tanto o Governador do Estado quanto o Presidente da República manifestaram publicamente o seu apoio à ação dos policiais, mesmo antes que as circunstâncias das 28 mortes fossem investigadas e diante de tantos indícios de abuso por parte da polícia.

A repercussão da chacina na imprensa e a comoção internacional gerada compeliram o Governo do Estado a oferecer alguma resposta à sociedade. Face à recusa do governo em punir os responsáveis pelo massacre, oferecer reparações aos familiares das vítimas e buscar ampliar os controles democráticos sobre a atividade policial, a ocupação do Jacarezinho pela Polícia Militar foi a resposta escolhida pelo governo. Como será visto, boa parte das ações anunciadas para o bairro do Jacarezinho não chegaram sequer a começar e algumas das ações iniciadas foram interrompidas.

A maioria dos moradores sequer tomou conhecimento de novos serviços oferecidos pelo Estado à população do bairro em razão do Cidade Integrada, mas a presença de policiais circulando pela comunidade impactou de sobremaneira as suas rotinas. Desde os primeiros dias de implantação do Cidade Integrada, foram muitas as denúncias de abuso da força por policiais contra os moradores recebidas tanto pela Associação de Moradores, quanto pelas organizações da sociedade civil que atuam no bairro do Jacarezinho.

Diante do súbito aumento das queixas de violência policial encaminhadas ao LabJaca e ao Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), essas entidades solicitaram a ajuda de organizações e coletivos parceiros, com os quais formaram um Observatório do Cidade Integrada para monitorar as violações de direitos humanos ocorridas no bairro do Jacarezinho. Ressalte-se aqui que não foi obtido acesso com segurança ao território da Muzema, de modo que o Observatório do Cidade Integrada se restringe, portanto, ao bairro do Jacarezinho. Dentre as atividades do Observatório, destacou-se a realização de uma pesquisa junto aos moradores do bairro, a fim de coletar as suas experiências e opiniões sobre o Cidade Integrada, colaborando assim com o trabalho de avaliação do programa. O presente relatório é, portanto, resultado de um esforço conjunto de diferentes organizações para levantar, produzir e analisar dados quantitativos e qualitativos, realizando assim um balanço da percepção e experiências dos moradores sobre os primeiros 5 meses do programa Cidade Integrada no bairro do Jacarezinho.

Avaliação do Cidade Integrada: o que dizem os moradores?

Experiências de violência policial durante o Cidade Integrada

Considerações Finais

Anexo: relatório completo

Ver também