Ser jovem hoje - episódio 2 (programa): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
(inclusão da análise de discurso)
Linha 9: Linha 9:


'''Apresentadora:''' Juliana França.
'''Apresentadora:''' Juliana França.
O episódio 2 do Programa Papo na Laje, primeira temporada, foi gravado na favela Cerro Corá, em Laranjeiras, e deu continuidade ao tema do primeiro episódio “Ser Jovem Hoje”. Os convidados foram Magda Gomes e Gelson Henrique, jovens lideranças de movimentos políticos ligados às mulheres e juventudes, entrevistados por Juliana França.  
=== Mais do que representatividade: proporcionalidade ===
A questão da ocupação dos espaços políticos permeia toda a conversa neste episódio 2 do Papo na Laje, especialmente a partir dos relatos e experiências de Magda Gomes e Gelson Henrique. Já nas apresentações dos convidados, Juliana frança relata o quanto ficou impactada pela experiência de acompanhar as reuniões do coletivo Mulheres Negras Decidem, onde pôde ver a “mulherada preta” sentada em roda, pautando seus temas de interesse, defendendo a importância de buscar incidência sobre a política institucional e trazendo as referências negras pertinentes ao debate.
Magda destaca que o coletivo Mulheres Negras Decidem é um espaço que reconhece o papel das mulheres como sujeitas políticas sem que isso esteja atrelado a uma determinada formação acadêmica. Em suas palavras, trata-se de recuperar o “lugar de incidência de sujeitas políticas que nós somos” e o esforço ali é o de construir “como se entender enquanto sujeitas políticas e se articular por esse lugar”. A questão da legitimidade, para ela, vem do elemento comum da negritude, que independente da trajetória de cada um faz com que todos os que dele compartilham sejam lançados numa mesma rede de afetos, opressões e também de construções em potencial. Nesse ponto da conversa eles se apropriam de conceitos da sociologia branca européia - do chamado “capital social e cultural” de Bourdieu - e apontam que a questão seria como ampliar a representatividade dessas mulheres negras nesses espaços políticos, já deixando claro o desconforto com a palavra representatividade.
Nesse momento é a própria apresentadora, Juliana França, que traz um conceito chave para qualificar o tipo de ocupação política dos espaços que interessa a essas juventudes. Ela diz textualmente “eu já nem falo de representatividade, eu falo de proporcionalidade… aí a gente começa a conversar!”. Magda concorda sinalizando que falar de representação já não é suficiente: é preciso representação proporcional, é preciso agir em rede e estar em todos os lugares. Não se trata de “reinventar a roda”. Segundo ela, “o Movimento Negro Unificado já deu o papo, você tem atualmente a Coalização Negra por Direitos, tem tantos outros movimentos…  a potência das nossas redes é ser estratégico, saber qual é o plano político, equalizador que desejamos”.
Gelson destaca, ainda, que o local da representatividade, do um só, do destaque, “é muito perigoso pra gente que é preto” e eles terminam defendendo que “a gente não pode se forjar no debate da vaidade, a gente tem que se forjar no debate da construção”, onde cada um tem o seu espaço e sua forma de atuar: alguns serão os que vão pegar o microfone; outros vão atrás do financiamento, da grana; e outros vão cuidar dos demais, oferecer uma água e dizer “descansa militante” - momento ao qual eles brindam alegremente.
=== “A gente não quer dividir o que sobra, a gente quer dividir o que tem” ===
O que significa pensar em política institucional ou em política como incidência? Na perspectiva de Magda, refletir sobre política significa necessariamente problematizar a construção do futuro. Na visão dela, a política precisa envolver a construção de um “processo contínuo e perene que traga segurança para o nosso presente/futuro que são as nossas crianças”. Mas como fazer isso? Ela responde essa questão, olhando para trás, mirando nos “nossos ancestrais, nossos anciões”.
Magda e Gelson trazem exemplos de como dentro de casa, os mais velhos a partir de questões simples da vida cotidiana deixam lições valiosas sobre o que chamam de política do compartilhamento. A mãe de Gilson, por exemplo, o ensinou o que era a política do compartilhamento muito cedo ao dividir igualmente entre ele e a irmã os poucos biscoitos disponíveis para levar para merenda da escola. Na casa de Magda, “a política do compartilhamento sempre foi óbvia”, uma vez que a premissa da convivência era não aceitar o resto. A base da sociabilidade na casa partia da ideia de que ou se divide o que se tem ou não se divide o resto. Aprender, desde muito cedo essa lição, permitiu que ela “virasse uma chave” e entendesse que o importante não é dividir o que sobra e sim dividir o que tem.
Hoje Magda busca espalhar esse ensinamento, refletindo coletivamente “como a gente soma nesse movimento de partilha”. Ela aponta o fôlego da juventude para somar nesse esforço. Gelson segue o mesmo caminho, falando em juventudes no plural e mostrando que desde a infância as juventudes periféricas aprendem a ter senso de comunidade e de partilha. Isso cria uma leitura política do mundo. Mesmo em situações de escassez, aprender a compartilhar cria jovens que têm um olhar político, que “não é um olhar branco, colonial, acadêmico de quem escreve em Arial 12”, mas sim um olhar crítico e “assertivo de onde estamos vindo”.
=== A gente faz a política ===
Para os entrevistados do episódio, o “fazer” política se ancora em diversas dimensões da ação das juventudes:
- Pertencimento a redes e coletivos: a organização em coletivos redes de resistência onde militam pela incidência política de mulheres negras, combate à pandemia e à fome, direitos humanos, educação, participação política das juventudes etc. A construção coletiva parte da compreensão de que “sozinho não rola”, que vem dos movimentos que os jovens vão criando e se filiando.
- Entendimento de que o lugar do sujeito político é em todo lugar, pois,  toda ação cotidiana é política: comer é político, afeto é político, corpos são políticos, estar juntos é político. É no micro que vão fazendo as coisas acontecer, desenvolvendo uma leitura política, um olhar crítico sobre a realidade: não branco, não colonial, não acadêmico – “Arial 12”. Todo movimento individual está ligado a uma rede, a um coletivo, independente da vontade ou consciência.
- Mudaram o eixo do debate ao assumirem, nas favelas, o combate à pandemia e à fome pois puderam deslocar a pregação sobre medidas de higiene incompatíveis com a realidade local para medidas concretas e adequadas aos recursos disponíveis, levando à organização de redes de coletivos e de redes.
- Avaliação de que não adianta querer melhorar o Estado porque ele não está falhando em seu projeto político que visa à subalternização e extinção dessa população.
- Sabotar o pacto colonial se faz construindo os nós que dificultam a ação da branquitude. A afirmação de que “o nó é que constrói o nós”, como desenvolvido no artigo de Gelson Henrique publicado em  <nowiki>https://agenciajovem.org/o-no-e-o-que-constroi-nos/</nowiki>,  envolve o uso de tecnologias ancestrais como a roda de conversa, de samba, do terreiro, espaço onde os nós são construídos e constroem os nós identitários e as barreiras ao colonialismo.
=== Favela educa ou educa a favela? ===
Esta pergunta, feita neste segundo episódio, é fundamental para refletir sobre educação nas favelas. De imediato, ela coloca sujeitos de tais territórios em posição de produtores de saberes a constar do universo educacional. Favela é fonte de conhecimento, produz saberes. A partir da ancestralidade, conhecimentos múltiplos, que atravessam gerações e constroem um riquíssimo arcabouço histórico-cultural para a favela, são adquiridos e transmitidos. A grande questão é fazer valer tais conhecimentos afroculturais.
Uma outra reflexão, decorrente da pergunta, incide sobre o MEC. É preciso refletir sobre como as crianças e os jovens da/na favela estão sendo educadas. O que o MEC ensina em tais espaços periféricos? Os saberes ensinados refletem e dialogam com a vivência dessa juventude? Ou existe um movimento, advindo do MEC, para que esses jovens apenas passem em vestibulares como o ENEM, e simplesmente sejam inscritos em uma ideologia branca dominante, de matriz colonial, que desconhece a formação de sujeito pensante na favela e que impossibilita que seus saberes sejam inscritos como tais? É preciso pensar em como inserir saberes não chancelados pelo MEC, ou como dito no episódio "como tornar esses saberes possíveis?", na rede educacional produzida pelo Estado. É preciso pensar como tornar possível que os conhecimentos produzidos em espaços periféricos sejam inscritos na rede educacional do Estado.  
A favela aqui é vista como protagonista de sua história. Essa mudança potencializa o saber vindo da favela. Um saber que permite a vida, porque, segundo Gelson, "só estamos vivos por causa de nós". Isso reinforma que os conhecimentos não-acadêmicos são conhecimentos assertivos e poderosos advindos da população periférica. A resposta está na formação pelas redes, pelos coletivos, pelas rodas. É preciso apostar nestes outros espaços e formas de transmissão que fazem circular esses conhecimentos dentro e fora da favela. Afinal, "a gente não faz nada sozinho".
=== "À luz dos mais velhos sendo farol para os mais novos" ===
Como forma de lembrar e reverenciar o passado, as fabulações de futuro de Juliana, Magda e Gelson são representadas como movimento, um movimento de continuidade e perenidade por meio do tempo, tal qual o canto em uma roda de capoeira. Afinal, "tempo é orixá", e é à luz dos mais velhos que se guia o farol para os mais novos.
O aprendizado trazido pelas tias, mães e avós é circular nisso que se faz pensar no presente e no futuro a partir das crianças e, ao mesmo tempo, dos ancestrais. As redes e os sonhos coletivos de sujeitos e sujeitas políticas são o que contribui para a continuidade das gerações. Só estamos aqui porque os ancestrais viveram, guiaram e resistiram. É neste sentido que Juliana cita "Sankofa", um pássaro com a cabeça voltada para trás, de maneira espelhada, que remete ao retorno, ao caminho e à busca, ou seja, ao retorno ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro.
Magda reforça que é necessário reconhecer que toda atitude individual reverbera no coletivo e, assim, devemos contribuir para a continuidade da geração que foi antes e ser eixo da próxima geração. Continuar é conectar as redes para que cada um seja eixo e ponte na construção dos futuros possíveis. Neste fluxo, sujeitos e sujeitas políticas devem se entender como potência e como nutriente, em uma alimentação que nutre e que sustenta as novas gerações


== O episódio ==
== O episódio ==
Linha 42: Linha 87:
Reportagem: Jéssica Rodrigues
Reportagem: Jéssica Rodrigues


Operadores de câmera: Chico Brun
Operadores de câmera: Chico Brum


Assistência de câmera: Tuany Zanini  
Assistência de câmera: Tuany Zanini  

Edição das 11h06min de 8 de novembro de 2022

Papo na Laje é um programa disponível em plataformas virtuais, como o Youtube, e na TV fechada (canal 6, Claro/NET) desenvolvido pelo Brasil de Fato em parceria com a TV Comunitária do Rio de Janeiro.

Sobre

O episódio foi gravado na favela Cerro Corá, na zona sul do Rio, bem abaixo do Corcovado e com vista para o Cristo Redentor. Na roda de conversa, são convidados Magda Gomes e Gelson Henrique, "celebridades do momento", que atuam e "correm" nos territórios e periferias sob múltiplas inserções sociais.

É por isso que os corpos, sujeitos e sujeitas políticas são a cena, como forma de pensar o futuro, a continuidade e a perenidade das lutas e dos aprendizados ancestrais. As juventudes, por meio dos movimentos e das redes, estão reorganizando o eixo do debate político através da coletividade e da partilha.

Convidados: Magda Gomes e Gelson Henrique.

Apresentadora: Juliana França.

O episódio 2 do Programa Papo na Laje, primeira temporada, foi gravado na favela Cerro Corá, em Laranjeiras, e deu continuidade ao tema do primeiro episódio “Ser Jovem Hoje”. Os convidados foram Magda Gomes e Gelson Henrique, jovens lideranças de movimentos políticos ligados às mulheres e juventudes, entrevistados por Juliana França.  

Mais do que representatividade: proporcionalidade

A questão da ocupação dos espaços políticos permeia toda a conversa neste episódio 2 do Papo na Laje, especialmente a partir dos relatos e experiências de Magda Gomes e Gelson Henrique. Já nas apresentações dos convidados, Juliana frança relata o quanto ficou impactada pela experiência de acompanhar as reuniões do coletivo Mulheres Negras Decidem, onde pôde ver a “mulherada preta” sentada em roda, pautando seus temas de interesse, defendendo a importância de buscar incidência sobre a política institucional e trazendo as referências negras pertinentes ao debate.

Magda destaca que o coletivo Mulheres Negras Decidem é um espaço que reconhece o papel das mulheres como sujeitas políticas sem que isso esteja atrelado a uma determinada formação acadêmica. Em suas palavras, trata-se de recuperar o “lugar de incidência de sujeitas políticas que nós somos” e o esforço ali é o de construir “como se entender enquanto sujeitas políticas e se articular por esse lugar”. A questão da legitimidade, para ela, vem do elemento comum da negritude, que independente da trajetória de cada um faz com que todos os que dele compartilham sejam lançados numa mesma rede de afetos, opressões e também de construções em potencial. Nesse ponto da conversa eles se apropriam de conceitos da sociologia branca européia - do chamado “capital social e cultural” de Bourdieu - e apontam que a questão seria como ampliar a representatividade dessas mulheres negras nesses espaços políticos, já deixando claro o desconforto com a palavra representatividade.

Nesse momento é a própria apresentadora, Juliana França, que traz um conceito chave para qualificar o tipo de ocupação política dos espaços que interessa a essas juventudes. Ela diz textualmente “eu já nem falo de representatividade, eu falo de proporcionalidade… aí a gente começa a conversar!”. Magda concorda sinalizando que falar de representação já não é suficiente: é preciso representação proporcional, é preciso agir em rede e estar em todos os lugares. Não se trata de “reinventar a roda”. Segundo ela, “o Movimento Negro Unificado já deu o papo, você tem atualmente a Coalização Negra por Direitos, tem tantos outros movimentos…  a potência das nossas redes é ser estratégico, saber qual é o plano político, equalizador que desejamos”.

Gelson destaca, ainda, que o local da representatividade, do um só, do destaque, “é muito perigoso pra gente que é preto” e eles terminam defendendo que “a gente não pode se forjar no debate da vaidade, a gente tem que se forjar no debate da construção”, onde cada um tem o seu espaço e sua forma de atuar: alguns serão os que vão pegar o microfone; outros vão atrás do financiamento, da grana; e outros vão cuidar dos demais, oferecer uma água e dizer “descansa militante” - momento ao qual eles brindam alegremente.

“A gente não quer dividir o que sobra, a gente quer dividir o que tem”

O que significa pensar em política institucional ou em política como incidência? Na perspectiva de Magda, refletir sobre política significa necessariamente problematizar a construção do futuro. Na visão dela, a política precisa envolver a construção de um “processo contínuo e perene que traga segurança para o nosso presente/futuro que são as nossas crianças”. Mas como fazer isso? Ela responde essa questão, olhando para trás, mirando nos “nossos ancestrais, nossos anciões”.

Magda e Gelson trazem exemplos de como dentro de casa, os mais velhos a partir de questões simples da vida cotidiana deixam lições valiosas sobre o que chamam de política do compartilhamento. A mãe de Gilson, por exemplo, o ensinou o que era a política do compartilhamento muito cedo ao dividir igualmente entre ele e a irmã os poucos biscoitos disponíveis para levar para merenda da escola. Na casa de Magda, “a política do compartilhamento sempre foi óbvia”, uma vez que a premissa da convivência era não aceitar o resto. A base da sociabilidade na casa partia da ideia de que ou se divide o que se tem ou não se divide o resto. Aprender, desde muito cedo essa lição, permitiu que ela “virasse uma chave” e entendesse que o importante não é dividir o que sobra e sim dividir o que tem.

Hoje Magda busca espalhar esse ensinamento, refletindo coletivamente “como a gente soma nesse movimento de partilha”. Ela aponta o fôlego da juventude para somar nesse esforço. Gelson segue o mesmo caminho, falando em juventudes no plural e mostrando que desde a infância as juventudes periféricas aprendem a ter senso de comunidade e de partilha. Isso cria uma leitura política do mundo. Mesmo em situações de escassez, aprender a compartilhar cria jovens que têm um olhar político, que “não é um olhar branco, colonial, acadêmico de quem escreve em Arial 12”, mas sim um olhar crítico e “assertivo de onde estamos vindo”.

A gente faz a política

Para os entrevistados do episódio, o “fazer” política se ancora em diversas dimensões da ação das juventudes:

- Pertencimento a redes e coletivos: a organização em coletivos redes de resistência onde militam pela incidência política de mulheres negras, combate à pandemia e à fome, direitos humanos, educação, participação política das juventudes etc. A construção coletiva parte da compreensão de que “sozinho não rola”, que vem dos movimentos que os jovens vão criando e se filiando.

- Entendimento de que o lugar do sujeito político é em todo lugar, pois,  toda ação cotidiana é política: comer é político, afeto é político, corpos são políticos, estar juntos é político. É no micro que vão fazendo as coisas acontecer, desenvolvendo uma leitura política, um olhar crítico sobre a realidade: não branco, não colonial, não acadêmico – “Arial 12”. Todo movimento individual está ligado a uma rede, a um coletivo, independente da vontade ou consciência.

- Mudaram o eixo do debate ao assumirem, nas favelas, o combate à pandemia e à fome pois puderam deslocar a pregação sobre medidas de higiene incompatíveis com a realidade local para medidas concretas e adequadas aos recursos disponíveis, levando à organização de redes de coletivos e de redes.

- Avaliação de que não adianta querer melhorar o Estado porque ele não está falhando em seu projeto político que visa à subalternização e extinção dessa população.

- Sabotar o pacto colonial se faz construindo os nós que dificultam a ação da branquitude. A afirmação de que “o nó é que constrói o nós”, como desenvolvido no artigo de Gelson Henrique publicado em  https://agenciajovem.org/o-no-e-o-que-constroi-nos/,  envolve o uso de tecnologias ancestrais como a roda de conversa, de samba, do terreiro, espaço onde os nós são construídos e constroem os nós identitários e as barreiras ao colonialismo.

Favela educa ou educa a favela?

Esta pergunta, feita neste segundo episódio, é fundamental para refletir sobre educação nas favelas. De imediato, ela coloca sujeitos de tais territórios em posição de produtores de saberes a constar do universo educacional. Favela é fonte de conhecimento, produz saberes. A partir da ancestralidade, conhecimentos múltiplos, que atravessam gerações e constroem um riquíssimo arcabouço histórico-cultural para a favela, são adquiridos e transmitidos. A grande questão é fazer valer tais conhecimentos afroculturais.

Uma outra reflexão, decorrente da pergunta, incide sobre o MEC. É preciso refletir sobre como as crianças e os jovens da/na favela estão sendo educadas. O que o MEC ensina em tais espaços periféricos? Os saberes ensinados refletem e dialogam com a vivência dessa juventude? Ou existe um movimento, advindo do MEC, para que esses jovens apenas passem em vestibulares como o ENEM, e simplesmente sejam inscritos em uma ideologia branca dominante, de matriz colonial, que desconhece a formação de sujeito pensante na favela e que impossibilita que seus saberes sejam inscritos como tais? É preciso pensar em como inserir saberes não chancelados pelo MEC, ou como dito no episódio "como tornar esses saberes possíveis?", na rede educacional produzida pelo Estado. É preciso pensar como tornar possível que os conhecimentos produzidos em espaços periféricos sejam inscritos na rede educacional do Estado.  

A favela aqui é vista como protagonista de sua história. Essa mudança potencializa o saber vindo da favela. Um saber que permite a vida, porque, segundo Gelson, "só estamos vivos por causa de nós". Isso reinforma que os conhecimentos não-acadêmicos são conhecimentos assertivos e poderosos advindos da população periférica. A resposta está na formação pelas redes, pelos coletivos, pelas rodas. É preciso apostar nestes outros espaços e formas de transmissão que fazem circular esses conhecimentos dentro e fora da favela. Afinal, "a gente não faz nada sozinho".

"À luz dos mais velhos sendo farol para os mais novos"

Como forma de lembrar e reverenciar o passado, as fabulações de futuro de Juliana, Magda e Gelson são representadas como movimento, um movimento de continuidade e perenidade por meio do tempo, tal qual o canto em uma roda de capoeira. Afinal, "tempo é orixá", e é à luz dos mais velhos que se guia o farol para os mais novos.

O aprendizado trazido pelas tias, mães e avós é circular nisso que se faz pensar no presente e no futuro a partir das crianças e, ao mesmo tempo, dos ancestrais. As redes e os sonhos coletivos de sujeitos e sujeitas políticas são o que contribui para a continuidade das gerações. Só estamos aqui porque os ancestrais viveram, guiaram e resistiram. É neste sentido que Juliana cita "Sankofa", um pássaro com a cabeça voltada para trás, de maneira espelhada, que remete ao retorno, ao caminho e à busca, ou seja, ao retorno ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro.

Magda reforça que é necessário reconhecer que toda atitude individual reverbera no coletivo e, assim, devemos contribuir para a continuidade da geração que foi antes e ser eixo da próxima geração. Continuar é conectar as redes para que cada um seja eixo e ponte na construção dos futuros possíveis. Neste fluxo, sujeitos e sujeitas políticas devem se entender como potência e como nutriente, em uma alimentação que nutre e que sustenta as novas gerações

O episódio

Ficha Técnica

Direção Colegiada: Moysés Corrêa

Sistema Brasil de Fato RJ

Coordenação Geral: Rodrigo Marcelino

Coordenadora Editorial: Mariana Pitasse

Produção Executiva: Amanda dos Santos Costa

Direção e Roteiro: Dieymes Pechincha

Produtora de Conteúdo: Sintropia Produções

Direção de Fotografia: Chico Brun

Edição: Tuany Zanini

Som e Trilha Sonora: Chico Brun

Still: João Victor Portugal e Stefano Figalo

Programação visual: Giulia Santos e Juliana Braga

Pesquisa: Clivia Mesquita

Reportagem: Jéssica Rodrigues

Operadores de câmera: Chico Brum

Assistência de câmera: Tuany Zanini

Correção de cor: Tuany Zanini

Designer de som: Chico Brun

Produção de locação: Amanda dos Santos Costa

Motorista: Luiz Roberto Machado

Conselho Político: Breno Rodrigues, Caroline Barbosa Rufino, Otavio Cleverson Portilho, Dieymes Pechincha, Dulce Pandolfi, Fernando Veloso, Itamar Silva, Leonardo Nogueira, Nilza Valéria, Ricardo Pinheiro, Rodrigo Marcelino, Taiso Motta, Tayane Cardoso e Tuany Zanini

Associação Lima Barreto

Educação e Comunicação Captação de projetos: Fernando Veloso

Coordenação: Administrativa Aline Bernardino

Agradecimentos

Morro do Guararapes: Janderson Dias, LC do Corte Lelo Reis, Flavinho e Palloma Soares

Morro da Formiga: Carol Sousa

Morro da Caixa D’água: Vagner da Quentinha, Vavinha e Bodinho da laje, Júnior Cabeça, Laudelina Dias e Patrícia Amalia