Água não é mercadoria - Como a privatização pode impactar ainda mais as vidas nas favelas e periferias (artigo)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco


O artigo situa o problema crônico da falta de acesso satisfatório à água potável e ao saneamento básico, em regiões social e ambientalmente vulneráveis no estado do Rio de Janeiro, no contexto da pandemia de Covid-19. Direitos fundamentais e indispensáveis à vida com dignidade, a água e o sistema de esgotamento sanitário voltaram ao centro dos debates com a eclosão do Novo Coronavírus e, no Rio de Janeiro ganhou importância, mais especificamente, com o anúncio da privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Segundo a autora, "A privatização do saneamento vai impactar ainda mais as favelas e periferias do Estado".

Autoria: Rejany Ferreira.

Esse artigo faz parte da "Radar COVID-19, Favelas", informativo produzido no âmbito da Sala de Situação Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, vinculada ao Observatório COVID-19 da Fiocruz. Estruturado com base no monitoramento ativo (vigilância de rumores) de fontes não oficiais – mídias, redes sociais e contato direto com moradores, coletivos, movimentos sociais, instituições e articuladores locais – a publicação busca sistematizar, analisar e disseminar informações sobre a situação de saúde nos territórios selecionados, visando promover a visibilidade das diversas situações de vulnerabilidade e antecipar as iniciativas de enfrentamento da pandemia.

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O Brasil está passando pela segunda onda de Covid-19, com o aumento dos casos diários em todas as cidades do país. O Estado do Rio de Janeiro está com um grande número de pessoas infectadas e faltam vagas de leitos. As instruções para se proteger da contaminação ainda são as mesmas: o isolamento social, o uso de máscara, uso de álcool 70º, limpar todos os mantimentos que chegam da rua, lavar as mãos com água e sabão, lavar as roupas quando chegar em casa e tomar banho. Para realizar parte dessa prevenção é necessário assegurar que os serviços de saneamento básico, como a distribuição de água potável, coleta e tratamento de esgoto, drenagem urbana e coleta de resíduos sólidos, estejam funcionando de forma adequada.

A realidade ainda está longe do ideal. A população do Estado, em geral, vem sofrendo com problemas no abastecimento desde janeiro de 2020 e a população dos territórios socioambientalmente vulnerabilizados (favelas e periferias), vivenciam esse problema desde a sua formação, em todo o país.

No último mês de 2020 alguns bairros do município do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense tiveram problemas no abastecimento por conta de um problema em uma bomba na elevatória do Lameirão que diminuiu a capacidade de distribuição de água, levando uma parcela da população a criar formas de garantir acesso ao recurso: alguns captaram água da chuva; outros afetaram os seus orçamentos para comprar água; e uma parcela precisou da mobilização e da solidariedade, principalmente nas áreas faveladas e periféricas

Os serviços de saneamento básico impactam diretamente na saúde, na qualidade de vida e no desenvolvimento da sociedade como um todo. A falta de acesso à água potável afeta a garantia ao direito fundamental à vida e é agravada neste contexto de crise sanitária, decorrente da pandemia da Covid-19.

Como pedir à população que não tem água para beber, fazer comida e tomar banho, para lavar as mãos todas as vezes que voltar da rua? Na falta de água, quais são as prioridades?

A maioria da população que reside em áreas mais pobres não tiveram condições de fazer isolamento social, pois tiveram que sair para trabalhar. Muitos atuam em serviços essenciais como supermercado, farmácias, hospitais, além dos trabalhos com entregas. Precisam de água em casa para realizar os protocolos.

O saneamento sempre foi um problema a ser resolvido nas áreas mais pobres. Inúmeras doenças seriam evitadas, sobretudo nas populações mais vulnerabilizadas, se esses serviços fossem implementados de forma adequada. Não é um problema decorrente apenas da pandemia, mas que foi agravado por ela.

Essa crise que estamos vivenciando, trouxe a discussão sobre saneamento básico para o centro do debate. Lavar as mãos com água e sabão pode salvar uma vida, mas como os territórios de favela e periferia, que sofrem com problemas relacionados a falta de abastecimento de água, podem exercer esse direito?

A água é um bem comum essencial à vida e o acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano essencial, fundamental e universal, indispensável à vida com dignidade e reconhecido pela ONU como “condição para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos” (Resolução 64/A/RES/64/292, de 28.07.2010).

Os responsáveis pelo saneamento a nível municipal, estadual e federal, principalmente os/as prefeitos e prefeitas que, pela legislação, são os responsáveis por esses serviços, precisam priorizar a vida e a saúde de “toda população”, sobretudo daquelas que historicamente sempre sofreram com essas ausências.

No meio desse processo de pandemia mundial, o Estado do Rio de Janeiro, na contramão de outras cidades como Paris, Buenos Aires e Berlim - que reestatizaram o saneamento - o governo estadual deu início ao processo que eles denominam como “concessão”, que é o caminho para privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae).

Para que essa concessão pudesse ser realizada foi aprovado e sancionado o novo marco legal do saneamento cuja principal mudança é o aumento da participação da iniciativa privada no setor do saneamento e na gestão da água, extinguindo o atual modelo de contrato entre municípios e companhias estaduais e exigindo licitação entre empresas públicas e privadas.

Os documentos para concessão da distribuição de água potável da Companhia Cedae só falam sobre as áreas favelizadas da cidade do Rio de janeiro, não citam esses territórios de todos os municípios que são atendidos pela companhia, e, mesmo na referência às favelas da capital, não há no documento um projeto especificando como será a implementação nessas regiões. A privatização do saneamento vai impactar ainda mais as favelas e periferias do Estado.

O saneamento, como já foi apresentado, é essencial para a saúde e qualidade de vida da população, logo, a privatização vai prejudicar a população mais pobre que não tem como pagar por esse serviço, pois as empresas privadas visam o lucro e não garantir direitos humanos essenciais, que é responsabilidade do Estado.

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