A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático (resenha)
Publicado pela primeira vez em 1991 e atualizado no ano seguinte, o ensaio “A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático” [1] escrito por Sérgio Adorno, é um importante referencial para a contextualização sobre os estudos de violência urbana no Brasil.
Autora: Ana Clara Pereira Macedo
Referência[editar | editar código-fonte]
ADORNO, Sergio. A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático. BIB - Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais, n° 35, 2º semestre, pp. 3-24, 1993.
Breve contextualização[editar | editar código-fonte]
Doutor em Sociologia pela USP e professor da mesma universidade desde 2004, Sérgio Adorno é um dos fundadores do NEV (Núcleo de Estudos da Violência), sediado na USP e ativo desde 1987 no desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares relacionadas à violência, democracia e direitos humanos. Desde a sua fundação, o NEV tem ocupado expressivo espaço no debate público sobre segurança, ação do estado e violência, se tornando em 1990 um dos Núcleos de Apoio à Pesquisa da Universidade de São Paulo.
A trajetória de Sérgio Adorno relaciona-se estreitamente com o desenvolvimento do NEV, tornando-se um dos principais nomes nos estudos sobre criminalidade e violência urbana no Brasil, onde a partir do período de redemocratização pós ditadura empresarial-militar, o Núcleo cofundado por Adorno interpreta um papel importante na articulação da pesquisa com a realidade, considerando o papel do Estado e da Sociedade na produção da violência e dos direitos humanos.
Resumo dos principais argumentos[editar | editar código-fonte]
O ensaio escrito pelo autor em 1991 reflete as mudanças no debate e nos estudos sobre violência. Ao longo dos anos de 80 do século XX houve um deslocamento da temática do campo jurídico-penal para o campo sociológico, motivado pelas preocupações dos pesquisadores acerca do regime militar e suas possíveis heranças para a sociedade e para as práticas penais, além da incipiente constatação sobre a organização do crime, também contribuindo para a reformulação da produção científica do tema. Adorno busca mapear a produção científica sobre a violência urbana privilegiando, principalmente, três áreas do conhecimento: sociologia, história e psicologia social, utilizando estudos realizados desde a década de 1970 e produzidos em centros de investigação e em universidades.
Para analisar as mudanças ocorridas na produção dos estudos sobre violência, Adorno categoriza quatro perspectivas analíticas diferentes: Estudos sobre o movimento da criminalidade, estudos sobre o perfil social dos delinquentes, estudos sobre a organização social da delinquência e estudos sobre políticas públicas penais.
Sobre os estudos do movimento da criminalidade, o autor chama atenção para a mudança metodológica ocorrida, onde pesquisadores buscaram analisar séries temporais na tentativa de encontrar justificativas sobre a relação do aumento de certos tipos de crimes e a tipologia dos criminosos. Autores como Zaluar, Velho, Viana, Abreu e Chalhoub utilizaram-se da metodologia quantitativa para criar narrativas sociológicas e conjunturais sobre os aumentos das taxas criminais, utilizando como ferramentas de análise a conjuntura econômica, as mudanças nas políticas de segurança, a estigmatização racial e a ocupação social.
Ao fazer o mapeamento dos estudos sobre o perfil social dos delinquentes, o autor aponta os estudos realizados por Coelho, Paixão, Abreu e Bordini como incipientes na busca de compreender o perfil criminal dos indivíduos que cometem crimes. Os estudos biográficos penais afastaram como hipótese a justificativa da vulnerabilidade social como fator de formação de um tipo criminoso. Diversos estudos nesse sentido, mapeados por Adorno, demonstram que os indivíduos delinquentes que cumpriam pena possuíam um certo grau de escolarização, além de já terem tido ocupação história ocupacional definida, com empregos regulares. Os estudos sobre o perfil social dos delinquentes também levantaram a preocupação dos autores, após achado os resultados dos perfis que contrariavam o senso comum, em compreender as motivações que levavam os indivíduos de uma mesma classe social a se desviarem de uma trajetória de trabalho normal para uma trajetória delinquente.
A antropóloga Alba Zaluar, na década de 80, produziu um número expressivo de estudos sobre a organização social da delinquência, onde buscou compreender os tipos de ser, modos de agir e estilo de vida da organização delinquente, partindo da oposição entre as imagens sociais do bandido versus trabalhador para entender a identidade do delinquente. A autora se debruça também nos estudos sobre o modelo empresarial da organização do crime, produzindo a centralização do controle nos morros e a valorização dos símbolos do crime e do estilo de vida social do crime, engendrados na valorização do porte de arma, do controle da boca de fumo, uso de roupas caras e dinheiro no bolso.
Na categorização dos estudos sobre políticas públicas penais, o Núcleo de Estudos da Violência se mostra presente na atualização da produção científica pelos estudos organizados por Adorno e Pinheiro. Nessa categoria, o aparelho policial recebe especial atenção como o centro dos estudos sobre criminalidade e violência urbana, sendo pensado como responsável pela tensão permanente do sistema de justiça criminal. O autor busca elucidar a análise sobre a ação policial cotidiana baseada no estigma da imagem do delinquente, que proporciona a utilização pela polícia do método da “lógica-em-uso", onde a ação da polícia parte de um princípio ilegal por se autoanalisarem como purificadores da sociedade e por não verem a lei formal como uma aliada, mas sim uma inimiga. Nesse sentido, Adorno e Pinheiro defendem que há uma tenção organizacional entre o formal e o informal, gerando uma lei inscrita e uma lei de facto, contribuindo para uma criminalização dos segmentos das sociedades incapazes de enfrentar a arbitrariedade da organização policial e pela construção de políticas públicas incompetentes que geram um limbo institucional e promovem a segregação e isolamento dos sentenciados.
Apreciação crítica[editar | editar código-fonte]
O texto de Adorno é importante para pensarmos os modos de produzir ciência e suas mudanças ao longo dos anos como reflexo da realidade vivida e percebida. Todos os desdobramentos são refletidos na atualização da produção bibliográfica. Os estudos sobre violência receberam especial atenção por diferentes autores de diferentes áreas do pensamento, enriquecendo cada vez mais as análises feitas sobre o tema. No ensaio, Sérgio Adorno mapeia todas as mudanças metodológicas que ocorreram ao longo dos anos de 1980 na sociologia, utilizando como recorte temático o campo de estudos sobre violência urbana. Seu texto é um marco referencial sobre as mudanças e caminhos traçados pela atualização das preocupações motivadas pela transição de regime, pela organização do crime e pela preocupação em compreender a violência “enquanto produto de uma teia complexa de relações sociais” baseadas em hierarquia e poder.
Referências[editar | editar código-fonte]
- ↑ ADORNO, Sergio. A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático. BIB - Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais, nº 35, 2º semestre, pp. 3-24, 1993.