Armar a guarda municipal é um atentado contra a vida (artigo)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Esse artigo faz parte da "Radar Covid-19, Favelas", informativo produzido no âmbito da Sala de Situação Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, vinculada ao Observatório COVID-19 da Fiocruz. Estruturada com base no monitoramento ativo (vigilância de rumores) de fontes não oficiais – mídias, redes sociais e contato direto com moradores, coletivos, movimentos sociais, instituições e articuladores locais –, a publicação busca sistematizar, analisar e disseminar informações sobre a situação de saúde nos territórios selecionados, visando promover a visibilidade das diversas situações de vulnerabilidade e antecipar as iniciativas de enfrentamento da pandemia.

Autor: Thiago Nascimento

Artigo[editar | editar código-fonte]

O que vale mais: patrimônios ou vidas?

No dia 26 de fevereiro deste ano, o prefeito Eduardo Paes apresentou à Câmara Municipal um pacote de projetos de lei, dentre eles estava uma proposta de emenda à Lei Orgânica, na qual pretende se fazer com que a Guarda Municipal (GM) do Rio de Janeiro possa usar armas de fogo. O projeto foi inspirado na cidade de São Paulo, que teve uma redução no número de homicídios a cada 100 mil habitantes, mas ignora completamente toda a complexidade do Rio de Janeiro, uma cidade praticamente tomada por milícias, com suas íntimas relações com o Estado.

Segundo o atual prefeito, a GM poderia fazer um papel de polícia municipal, desse modo, afastando de início qualquer pretensão de que esses agentes municipais ou que o próprio modelo de segurança pública municipal seja pautado a partir de uma ótica menos militarizada e mais humana.

A Guarda Municipal é uma guarda patrimonial cujo objetivo é a proteção de bens, serviços e instalações públicas. Armar a GM em uma cidade como o Rio, onde os índices de mortes cometidas por agentes do estado estão entre os maiores do mundo, leva ao questionamento cíclico de que patrimônios importam mais que vidas.

A GM não combate o tráfico, não faz operação policial, logo os seus maiores algozes são os camelôs. Grupo historicamente reprimido ao exercer a sua atividade sob a justificativa de que não há autorização para tal, uma categoria que já não tem seus direitos trabalhistas garantidos e que sofre com sua não regulamentação. Pessoas pretas, pobres e das periferias e favelas da cidade.

Essa lógica de confronto não prioriza preservar vidas, pelo contrário, acumula vítimas. A violência cotidiana tem alvos certos: corpos negros; estes são 86% dos 1.239 mortos pela polícia do Rio de Janeiro em 2020, como mostrou o documento “A cor da violência policial” da Rede Observatórios da Segurança. Pensar mecanismos de produção de segurança está para além do uso da força, não há mais espaço para substituir ações de inteligência pela lógica do confronto.

Seguindo essa lógica, quanto mais armas circulando, maior o risco de crimes serem cometidos. É por isso que numa cidade como o Rio de Janeiro, quando se pensa na dinâmica de sustentabilidade das milícias - ao extorquir comerciantes com taxas abusivas, ao controlar toda movimentação de seus territórios, ao se associar com o tráfico de drogas e ao promover guerras para tomada de territórios - somadas ao propósito institucional de controle social das nossas polícias, nesse caso incluindo uma Guarda Municipal armada, é o match perfeito para o caos.

Para que se rompa esse ciclo é necessário dar prioridade à vida. Tendo como meta integrar os governos municipais ao planejamento de ações de segurança pública do Estado, controlando a circulação de armas e munições pela cidade, desenvolvendo políticas de prevenção e fortalecendo as instituições que façam controle da violência policial; medidas como essas seriam fundamentais para garantir direitos e desafiar o racismo estrutural que se estabelece no nosso modelo de segurança pública. O que nada mais é do que o extremo oposto do que armar uma guarda patrimonial causaria…

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