As Favelas - Sua grandeza e seu potencial econômico
Este trabalho tem como objetivo expor e discutir, através de uma análise a partir de dados e estudos sobre o tema, o potencial financeiro e consumidor das favelas do Brasil. E ainda, mostrar como isso é expressado, em forma de números ou fatos e acontecimentos, e como esse potencial é visto e aproveitado pela parte da sociedade que vive fora das comunidades. Para cumprir com tal objetivo serão utilizados dados retirados de pesquisas e estudos realizados sobre o assunto.
Autoria: Lorena Duarte da Silva[1]
Introdução[editar | editar código-fonte]
As favelas são conjuntos de habitações e aglomerados subnormais sem acesso a serviços públicos suficientes para suprir as necessidades de uma sociedade, e são formadas por no mínimo 51 unidades habitacionais que ocupam de forma irregular uma propriedade pública ou particular. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as favelas não têm a mesma estrutura social e habitacional em todas as cidades brasileiras. No Rio de Janeiro é comum que elas sejam formadas por becos e vielas, já em outros estados, como o caso do Ceará, as comunidades possuem ruas.
As favelas existem em todo o mundo, abrigando, em algumas delas, mais de 1 milhão de pessoas que vivem em condições precárias e na maioria das vezes sem perspectiva de melhora no futuro. Porém, neste trabalho, as comunidades analisadas e citadas serão apenas comunidades periféricas do Brasil, abordando as principais e maiores favelas do país e seus dados. O corpo do trabalho foi dividido em três partes, além desta introdução: breve história sobre as favelas, as favelas como uma grande potência econômica e a exploração do potencial das periferias para benefício de poucos, sendo esta última seção dividida em duas partes.
Breve história sobre as favelas[editar | editar código-fonte]
O processo de favelização no Brasil teve, como origem, várias raízes na estrutura de nossa história, porém ele intensificou-se apenas no período da industrialização, principalmente com o processo de Modernização dos latifúndios. Onde houve a modernização do campo, implantação de novas tecnologias e maquinários no processo de produção no meio rural. Juntamente com essa modernização, houve uma significativa substituição do homem pelas máquinas nos sistemas de cultivo e com isso um desemprego estrutural foi gerado entre os trabalhadores rurais, o que intensificou a prática do êxodo rural, que é a migração da população do campo para a cidade em busca de melhores condições de vida.
Essa migração, no Brasil, foi feita principalmente para as maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, que hoje em dia são as cidades com maior número de habitantes residentes em aglomerados subnormais. No entanto, com o passar do tempo, a favelização no Brasil adquiriu grandes proporções refletidas nas estatísticas como o aumento da miséria, do desemprego, da violência, dos contrastes sociais e do preconceito diário vivido pelos moradores das comunidades periféricas do Brasil.
A violência e a desigualdade vivida nas favelas podem ser explicadas por um processo estruturado nessa sociedade. Temos que, com a abolição da escravatura em 1888, há uma segregação racial e geográfica no país, onde os negros foram separados da população não negra, pois não tendo pra onde ir após serem “libertos da escravidão” fizeram suas moradias perto das chamadas “zonas de risco”. Então, essa visão da favela como um lugar violento e pobre, vem de um preconceito já enraizado na nossa sociedade, visto que a origem das favelas vem da saída dos negros da senzala para ocupar as primeiras comunidades.
A favela como uma grande potência econômica[editar | editar código-fonte]
A dimensão do processo de favelização foi tão grande que, no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE) coletados no Censo de 2010, existem mais de 6,3 mil favelas em todo país, localizadas em 323 dos 5.565 municípios brasileiros. Apesar de serem fortemente associadas com pobreza, miséria, fome e desemprego, as favelas têm um potencial enorme que é pouco explorado e, quando é explorado, é apenas para o interesse das grandes classes e não beneficia em nada a população que mora nesses aglomerados subnormais.
Para termos uma noção da grandeza e do potencial econômico que existe nessas regiões e o descaso com tal capacidade, podemos dar o exemplo da Rocinha: a maior favela do país. Segundo o Censo domiciliar realizado pelo IBGE, a população da Rocinha ultrapassa os 70 mil habitantes, isso significa que, se a Rocinha fosse uma cidade, ela estaria entre as 450 maiores do país. Porém, uma reportagem feita com moradores da Rocinha, pelo portal de notícias “G1”, mostra que existe a probabilidade do número de habitantes do local ser muito maior do que o dado mostrado pelo Censo Domiciliar, pois, segundo os entrevistados, muitos moradores alegam não ter recebido a visita de nenhum funcionário do IBGE em suas residências e ainda dizem que uma empresa, a qual o nome não é citado na entrevista, fez um censo na Rocinha e disse que havia uma população de 110 mil pessoas.
E essa diferença entre as pesquisas pode sim acontecer em razão de que, pensando do lado do Estado, é mais estratégico pensar, formular políticas públicas e arcar com os custos de tais para uma região com 70 mil habitantes do que em um lugar com mais de 100 mil.
Além de serem enormes, geograficamente falando, o potencial econômico e consumidor que existe nas favelas é algo nunca imaginado por nós em nosso cotidiano. Segundo dados de uma pesquisa pelo Instituto Data Favela, com apoio do Data Popular e da Central Única das Favelas (CUFA) que leva em consideração todos os moradores de favelas do Brasil, há uma movimentação de R$ 68,6 bilhões por ano nas comunidades periféricas. Além disso, estudos realizados pela empresa Outdoor Social, revelam que o potencial de consumo das 10 maiores favelas em 2019, é maior que R$ 7 bilhões. O levantamento leva em conta as categorias como alimentação no domicílio, artigos de limpeza, calçados, eletrodomésticos e equipamentos, medicamentos, higiene e cuidados pessoais, material de construção, matrículas, ou seja, consumo cotidiano.
Tabela 1: Potencial de Consumo das 10 maiores favelas do país
Comunidade | Valor movimentado em 2019 | N° de
habitantes |
Rocinha (RJ) | R$ 1,231 bilhões | 70 mil |
Rio das Pedras (RJ) | R$ 1,036 bilhões | 54 mil |
Sol Nascente (DF) | 56 mil | |
Baixada de Estradas Nova Jurunas (PA) | R$ 728 milhões | 53,1 mil |
Casa Amarela (PE) | R$ 706 milhões | 53 mil |
Paraisópolis (SP) | R$ 705 milhões | 42,8 mil |
Heliópolis (SP) | R$ 685 milhões | 41,1 mil |
Coroadinho (MA) | R$ 662 milhões | 53,9 mil |
Cidade de Deus (AM) | R$ 549 milhões | 42,4 mil |
Todo esse potencial, econômico, financeiro e geográfico da favela é usado pelos moradores das comunidades como uma forma de contornar os problemas sociais, como desigualdade, desemprego e violência. Neste ponto, o empreendedorismo surge como uma maneira de ajudar os moradores e a sociedade financeiramente, na verdade o que podemos chamar de Economia Solidária é o que movimenta as favelas atualmente. A Economia Solidária, que surge na favela, vem do movimento de empreendedorismo social e compartilhamento. Podemos explicar isso com acontecimentos diários, desde a “tia” que vende cachorro-quente na esquina e consegue sustentar sua família com essa renda ou aquela pessoa que faz um trabalho de pedreiro para ajudar a vizinha e receber uma ajudinha extra nas contas de casa. Até aquele pacote de açúcar doado para alguém da comunidade que está mais necessitado. A periferia vive de economia solidária e é isso que faz com que a favela seja mais do que um aglomerado de pessoas, outrossim uma pequena cidade que tem potencial enorme de crescimento e desenvolvimento.
Referências:
Informações retiradas da matéria “Moradores de favelas movimentam R$ 68,6 bilhões por ano, mostra estudo” do site Agência Brasil. Acesso em 2019.
Dados retirados da matéria “ Maiores favelas brasileiras têm potencial de consumo de R$ 7,7 bi”, do site R7. Acesso em 2019.
A exploração do potencial das periferias para benefício de poucos[editar | editar código-fonte]
Já expusemos um pouco do potencial que a favela tem a oferecer à sociedade como um todo e podemos dizer que esse potencial não é visto pelas classes mais altas. Quando toda essa imensidão, todo esse poderio existente nas comunidades começa a ser reconhecido, é visto com olhos de interesse e sempre visando o lucro e benefício próprio. Um dos principais motivos está na ausência do Estado nessas regiões.
O Estado tem como dever e responsabilidade a regularização das políticas públicas e, com isso, a garantia e a promoção dos direitos, e temos o poder público como uma instância que vem com o intuito de promover e garantir direito e o bem-estar de todos. Dessa forma, expandimos o conceito de “poder público” no âmbito da formulação, execução e avaliação de políticas efetivamente públicas, dividindo com o Estado a responsabilidade pelas decisões e pelas escolhas referentes à gestão pública e à garantia, expansão e ampliação de direitos. É necessário perceber a complexidade dessa deficiência na atuação do Estado, pois o problema não está somente na ausência dele nas regiões. Devemos analisar que, na maioria dos casos, o que existe não é propriamente uma ausência, outrossim uma precariedade ou presença equivocada e incorreta desse órgão, não cumprindo efetivamente com seu mandato social no que se refere à garantia e promoção de direitos. Muitas vezes, o Estado atua no sentido oposto ao que deveria atuar, dificultando a vivência das pessoas e o usufruto dos direitos, que passam a ser, dessa forma, negados aos moradores das favelas.
O efeito UPP[editar | editar código-fonte]
Exemplo dessa má atuação do Estado e exploração com interesses próprios pode ser vista nas consequências econômicas que a entrada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) trouxeram para as comunidades. A UPP é um programa do Governo do Rio de Janeiro que foi criado com o objetivo de acabar com os territórios de tráfico de drogas nas comunidades cariocas por meio da ocupação de unidades policiais em locais taticamente escolhidos. O programa teve início em dezembro de 2008, na zona sul do Rio de Janeiro. A região metropolitana chegou a contar com 38 UPPs, sendo 37 na capital, mas depois de um tempo o programa foi reestruturado e algumas unidades foram extintas.
Apesar do intuito do programa de levar segurança às comunidades, a ocupação dessa polícia nas favelas trouxe sensação de segurança e conforto apenas para os bairros de classe média e alta que estão ao redor das regiões ocupadas pelas UPPs. Muitos moradores dessas comunidades afirmam que tinham muita incerteza sobre permanência da UPP e achavam que o programa pudesse ser interrompido após os Jogos Olímpicos de 2016, dando a entender que o projeto foi criado apenas para a época em que o Rio era palco de dois grandes eventos (Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016) e que a “segurança da comunidade” era importante apenas para dar conforto e seguridade aos turistas e as classes mais altas, que estariam desfrutando da cidade na época.
Outro fato importante foi o efeito da UPP nos aluguéis mostrado em um estudo108 feito pela Fundação Getúlio Vargas, mostra que houve um aumento de 6,8% no valor dos aluguéis. Apesar da valorização do mercado imobiliário ser um ponto positivo para os proprietários dos imóveis, esse aumento levantou preocupação dos moradores, acerca da regularização dos impostos prediais (contas de água e luz).
“O negócio é o “outro lado” se aproveitar disso tudo, se aproveitar da comunidade para fazer o que quer! Isso eu não acho legal. Aproveitar, eu digo, porque é comunidade, mas é na Zona Sul! E acabar usando tudo isso que estão fazendo em benefício próprio. De que jeito? A gente corre o risco de acabar não tendo como pagar luz, IPTU, essas taxas e sermos removidos. [...] Em muita gente aqui existe esse medo, de não poder permanecer na comunidade. A gente não sabe o que vai acontecer”. (Trecho retirado do artigo ”O efeito UPP na percepção dos moradores das favelas”. Desigualdade & Diversidade: Revista de Ciências Sociais da PUC-Rio)
Além disso, com a chegada da UPP e a percepção do poder consumidor e financeiro que existe nas favelas, as milícias tomaram conta das comunidades, aproveitando a situação de violência vivida pelos moradores, começam a cobrar o que eles chama de “taxa de proteção”, que é um valor pago pelos moradores em troca de proteção contra quaisquer crimes, seja um roubo ou a venda de droga e os milicianos chegam a marcar as casas dos moradores pagantes para garantir que aquelas casas sejam protegidas.
Considerações finais[editar | editar código-fonte]
Pela observação dos aspectos abordados neste trabalho, podemos perceber que os reforços ao longo da história tornam a favela inferior no imaginário de quem não vive aquela realidade. A favela é vista, em nossa sociedade, como uma região de pobreza e miséria e por isso há uma exclusão social enorme dessa parte do brasil e com essa exclusão social, excluímos também toda e qualquer contribuição e tudo o que as comunidades e os moradores tem a agregar no Estado e em nossa sociedade.
A favela é um problema social, mas também é uma solução, temos nas periferias o maior resumo de Brasil existente em todo o país, há uma diversidade de cultura e de conhecimento que poderia estar sendo compartilhado com o intuito de ajudar o futuro de qualquer ação e relação que a gente queira pensar e construir enquanto sociedade.
A favela é uma potência econômica, financeira e cultural enorme e é preciso reconhecer esse poderio que essa região possui e integrar sua base econômica e seus conhecimentos ao poderio do estado. Afinal, as pessoas que vivem na favela, elas comem, elas compram, mesmo com dificuldade e com um salário mínimo, às vezes até menos que isso e esse poder de consumo, se utilizado de forma coesa e não com uma visão capitalista voltado para o interesse próprio, pode ser importante para o crescimento econômico do nosso país.
Referências[editar | editar código-fonte]
Agência Brasil. Moradores de favelas movimentam R$ 68,6 bilhões por ano, mostra estudo. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2015-03/moradores-de-favela-movimentam-r-686
-bilhoes-por-ano-indica-estudo >. Acesso em 26 de novembro de 2019. DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006.
NERI, Marcelo Cortes (coord.). UPP2 e a economia da Rocinha e do Alemão: do choque de ordem ao de progresso. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2011.
BURGOS, Marcelo Baumann; PEREIRA, Luiz Fernando Almeida; CAVALCANTI, Mariana; BRUM, Mario [e] AMOROSO, Mauro. (2011). O efeito UPP na percepção dos moradores das favelas. Desigualdade & Diversidade: Revista de Ciências Sociais da PUC-Rio, nº 11, pp. 49-98.
R7. Maiores favelas brasileiras têm potencial de consumo de R$ 7,7 bi. Disponível:<https://noticias.r7.com/economia/maiores-favelas-brasileiras-tem-potencial-de-consum o-de-r-77-bi-15092019 >. Acesso em 26 de novembro de 2019.
IBGE. Censo 2010. Disponível em: <https://censo2010.ibge.gov.br >. Acesso em 26 de novembro de 2019.
Ver também[editar | editar código-fonte]
Economia Informal no Rio: Histórias da Pedra do Sal e Além
- ↑ Periódicos UFESRevista PET Economia / Ufes. Vol. 2. Dezembro, 2020