As Igrejas Evangélicas nas Favelas
As igrejas evangélicas desempenham um papel fundamental na história religiosa e social do Brasil. Desde a chegada da primeira igreja protestante, a Igreja Evangélica Fluminense, no início do século XIX, elas se estabeleceram como um importante movimento religioso, especialmente entre as populações mais carentes. Este texto examina a atuação das igrejas evangélicas nas favelas, destacando o impacto dessas instituições na vida local, onde frequentemente desempenham ações de educação popular e de assistência social.
Autoria: Ana Alves
Sobre[editar | editar código-fonte]
O início do pentecostalismo no Brasil é datado no séc XIX, porém, em 1910, chega ao Brasil a Assembleia de Deus, uma das igrejas protestantes que auxiliaram na consolidação da religião do país. No site da Convenção da Assembleia de Deus no Brasil eles ressaltam que:
A Assembleia de Deus desempenhou um papel vital na consolidação do movimento pentecostal no Brasil. Através de uma combinação de pregação fervorosa, trabalho social e testemunho pessoal, a igreja conseguiu atrair uma vasta e diversificada base de fiéis. Sua influência cresceu significativamente, tornando-se uma força poderosa no cenário religioso brasileiro. (CADB, 2024)
As igrejas evangélicas, especialmente as pentecostais, se caracterizam por um estilo de protestantismo que não apenas prega para as classes populares, mas também facilita a mobilidade social e política de seus membros. Utilizando uma linguagem acessível, apelo emocional, e abordando temas relevantes para as dificuldades cotidianas, essas igrejas permitem que seus líderes, muitas vezes oriundos das mesmas classes sociais dos fiéis, se tornem figuras de autoridade e representatividade dentro de uma estrutura hierárquica mais flexível comparada à da Igreja Católica.
Em seu texto Planeta Favela, Mike Davis menciona que o pentecostalismo foi a reação cultural mais importante da urbanização, consolidando-se rapidamente como a religião da classe operária. Em resposta ao aumento do trabalho informal, baixos salários e aumento da desigualdade socioespacial, muitas pessoas encontraram no pentecostalismo uma forma de resistência e ressignificação.
A religião pentecostal oferece um senso de comunidade, esperança e um espaço onde os indivíduos podem experimentar um sentido de controle e intervenção divina na sua vida cotidiana. Propagando um discurso que pode engajar o micro empreendedorismo e outras ações individualistas: …A doutrina religiosa é capaz de gerar disposições empreendedoras de caráter individualista. O mérito decorre do esforço ativo e da atitude empreendedora, e não propriamente do capital social e de suas distinções sociais. Isso não significa que os evangélicos não usufruam dos programas sociais do governo federal, mas o discurso da prosperidade material, resultante de sacrifícios rituais monetários e de atitude empreendedora, é valorizado religiosamente e adotado como ética econômica(ALMEIDA, 2017).
As igrejas evangélicas se destacam pela fidelização dos seus fiéis em favelas, em grande parte devido às diversas atividades de assistência social que realizam, especialmente em áreas onde o Estado atua como um acentuador de problemas sociais, como a violência policial, ausência de segurança urbana, precarização de escolas, entre outros casos mencionados pela maioria dos veículos de comunicação do país. Essas igrejas criam uma relação eficiente com a necessidade de sobrevivência da classe trabalhadora, oferecendo redes de apoio, auxiliando na recuperação de alcoólatras e dependentes químicos, protegendo as pessoas do tráfico de drogas, apresentando às crianças e jovens atividades artísticas, entre outras iniciativas (Davis, 2006).
Com o fato de as igrejas evangélicas preencherem uma lacuna social e emocional em seus fiéis que nem a Igreja Católica, os movimentos sociais poderiam preencher, juntamente com o Estado que assume um papel de fortalecedor de desigualdades sociais, culminou no número de fiéis do protestantismo crescendo exponencialmente. Os dados Censo Demográfico de 2010 (observando que os dados relacionados à população e religião de 2020 ainda não foram divulgados) constatou que a quantidade de evangélicos cresceu 61% entre 2000 e 2010, e estima-se que, até 2030, o número de evangélicos ultrapasse o número de católicos, tornando-se a religião com a maior quantidade de fiéis no Brasil. No entanto, é crucial examinar o crescimento das igrejas nas favelas e periferias sob uma perspectiva mais crítica. O campo religioso, quando relacionado ao campo do poder, pode tanto legitimar a manutenção da ordem política vigente quanto subvertê-la. Isso ocorre por meio da produção de bens simbólicos que podem “naturalizar” certas formas de dominação ou, inversamente, provocar rupturas nessa estrutura estabelecida (Bourdieu, apud Alves, 2004).
Nesse contexto, as igrejas evangélicas exercem uma influência significativa sobre a coerção social nas comunidades em que estão estabelecidas. Os líderes religiosos frequentemente compartilham suas histórias pessoais como testemunhos impactantes, buscando influenciar e transformar a vida dos membros da comunidade. Esses líderes, muitas vezes, empregam seu poder para propagar ideais que, em certos casos, podem ser caracterizados por misoginia, homofobia e outros tipos de preconceito. Esses ideais não apenas refletem uma visão particular de mundo, mas também exercem uma influência direta sobre as dinâmicas sociais e culturais dessas comunidades, contribuindo para a perpetuação ou contestação das estruturas de poder já existentes. Além disso, as igrejas podem adotar práticas de proselitismo agressivo, que consiste no empenho de tentar convencer certas pessoas a alguma doutrina, ações estas que podem gerar tensões com outras tradições religiosas presentes nessas comunidades, como o catolicismo e as religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda.
Em alguns casos, essas tensões resultam em conflitos, discriminação e até mesmo em atos de violência contra praticantes de outras religiões, fomentando a intolerância religiosa. Como a atual ascensão do ‘narcopentecostalismo’, onde pessoas envolvidas com o crime são chamados de ‘Traficantes evangélicos’ e utilizam a religião na briga por território e expulsaram outras manifestações religiosas do Complexo de Israel, localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro. Essa influência de religiões sobre as dinâmicas de poder do tráfico sempre existiu, dizem pesquisadores, e não é algo particular ao protestantismo. Mas a conversão de traficantes ao pentecostalismo é um fenômeno que tem características próprias, em um país que caminha para ter maioria evangélica na próxima década. (MORI, 2023)
Outro exemplo de ação eticamente questionável é a exploração econômica dos fiéis por parte de algumas igrejas pentecostais. Embora muitas dessas igrejas ofereçam programas de assistência social, elas frequentemente utilizam técnicas de persuasão emocionais para incentivar doações e o pagamento de dízimos. Por exemplo, líderes religiosos podem realizar sermões que prometem bênçãos divinas e prosperidade em troca de contribuições financeiras, criando uma sensação de urgência e obrigação entre os fiéis. Em comunidades onde a pobreza é uma realidade constante, essas exigências podem sobrecarregar financeiramente as famílias, exacerbando a vulnerabilidade social e aprofundando as dificuldades econômicas.
Diante da trajetória das igrejas evangélicas no Brasil, especialmente em favelas e periferias, fica evidente o papel dual que essas instituições desempenham. De um lado, elas oferecem um suporte essencial em áreas onde o Estado assume um lugar de catalisador de problemas sociais e outras instituições estabelecendo redes de apoio que ajudam a suprir necessidades básicas e a enfrentar problemas graves, como a violência e a dependência química. Essas igrejas, muitas vezes, atuam como um refúgio e uma fonte de esperança para populações marginalizadas, proporcionando uma estrutura comunitária que pode ser de extrema importância para a sobrevivência em contextos de vulnerabilidade. Por outro lado, o crescimento dessas igrejas levanta questões éticas e sociais complexas que precisam ser abordadas com seriedade. A coerção social, a propagação de ideologias excludentes e a exploração econômica dos fiéis são práticas que merecem uma análise crítica, especialmente quando essas igrejas se tornam figuras centrais na vida de comunidades já fragilizadas.
Ao correlacionar as ações sociais das igrejas com a exploração econômica dos seus seguidores, observa-se que, em alguns casos, essas instituições podem contribuir para a perpetuação da pobreza nas favelas. Elas criam padrões de comportamento onde pessoas em situação de vulnerabilidade normalizam ceder parte do seu dinheiro para uma instituição apenas para pagar uma dívida que os líderes religiosos inventaram. Portanto, ao analisar a atuação das igrejas evangélicas em contextos de vulnerabilidade, é fundamental adotar uma abordagem imparcial e crítica. Reconhecer as contribuições dessas instituições é necessário, mas também é crucial questionar as práticas que podem estar reforçando as desigualdades e mantendo as comunidades em um ciclo de dependência e pobreza. Somente com uma visão equilibrada e informada sobre este será possível compreender o verdadeiro impacto dessas igrejas e buscar caminhos para que sua influência seja realmente positiva e emancipadora para todas as camadas da sociedade.
Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]
DAVIS, Mike. Planeta de favelas. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006.
TISCOSKI, Gabriella. Dia do Evangélico: entenda como surgiu a religião, como chegou e se estabeleceu no Brasil. G1, [S. l.], p. 1, 30 nov. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2022/11/30/dia-do-evangelico-ente nda-como-surgiu-a-religiao-como-chegou-e-se-estabeleceu-no-brasil.ghtml. Acesso em: 13 ago. 2024.
ALVES, José Cláudio. RELIGIÃO, VIOLÊNCIA E PODER POLÍTICO NUMA FAVELA DA BAIXADA FLUMINENSE (RIO DE JANEIRO - BRASIL). Ciencias Sociales y Religión, [s. l.], v. 6, 6 dez. 2004. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=717977775002. Acesso em: 13 ago. 2024
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM PROPAGANDA (ABOP). Primeira igreja evangélica no Brasil. Disponível em: https://abopbrasil.org.br/primeira-igreja-evangelica-no-brasil/. Acesso em: 26 ago. 2024.
PORTAL CADB. História da Assembleia de Deus no Brasil: um legado de fé e dedicação. Disponível em: https://portalcadb.com.br/historia-da-assembleia-de-deus-no-brasil-um-legado-de-fe-e-dedicacao-5855/. Acesso em: 26 ago. 2024.
ALMEIDA, Ronaldo. A onda quebrada - evangélicos e conservadorismo. DOSSIÊ CONSERVADORISMO, DIREITOS, MORALIDADES E VIOLÊNCIA, [S. l.], p. 1 - 27, 16 maio 2017.
MORI, Letícia. 'Narcopentecostalismo': traficantes evangélicos usam religião na briga por territórios no Rio. BBC Brasil, [s.l.], 25 ago. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cj5ej64934mo. Acesso em: 26 ago. 2024.