Big Boy e o Baile da Pesada

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Big Boy e o Baile da Pesada

Há exatos 52 anos, mais precisamente em 12 de julho de 1970, os discotecários Ademir Lemos (1946 -1998) e Newton Alvarenga Duarte, o Big Boy (1943 - 1977), criavam o Baile da Pesada, que movimentou o tradicional Canecão, no Rio de Janeiro, tocando clássicos de nomes como James Brown, Tony Tornado, Tim Maia e The Stooges.

Autoria: Norma Miranda

Sobre[editar | editar código-fonte]

Ademir Lemos e Big Boy, parceiros na organização do Baile da Pesada: 50 anos de história. (Acervo Pessoal/Divugação)


Quem vê o sucesso de Anitta, Pabllo Vittar e Jojô Todynho, alguns dos personagens que elevaram o funk ao patamar de fenômeno da cultura pop, não imagina que a força do ritmo no país vem de um movimento que começou há meio século.

Uma das personalidades mais importantes da rádio brasileira, o DJ e locutor Big Boy marcou toda uma geração de ouvintes dos anos 60 e 70. Com seu estilo irreverente e a minuciosa pesquisa de lançamentos da cena pop internacional, tocados com exclusividade em seus programas, conquistou a juventude da época, sempre saudada pelo inesquecível bordão “Hello, crazy people!”.

Wildflower - Sunshine Man (confira o som)[editar | editar código-fonte]

Origem dos bailes funk[editar | editar código-fonte]

Os chamados bailes funk têm origem no início da década de 1970, quando surgiram os chamados bailes da pesada, realizados no Canecão pelos DJs Big Boy e Ademir Lemos, nesses bailes os ritmos predominantes eram soul e funk. Com o tempo, surgem outros bailes, chamados de black ou shaft, nome inspirado no filme Shaft (1971), um blaxploitation, nomes dados aos filmes destinados a comunidade afro-americana, estrelado por Richard Roundtree que teve trilha sonora de soul e funk composta por Isaac Hayes. Em 1973, surge a equipe de som Furacão 2000, outras equipes surgem nesse período como Black Power e Soul Grand Prix, esse último fundado por Dom Filó Em 1976, o artigo Black Rio – O orgulho (importado) de ser negro no Brasil de Lena Frias, publicada no Jornal do Brasil, serviu para batizar o movimento de Black Rio, que inclusive foi usado para nomear a uma banda.

Em meados da década, os bailes funk perderam um pouco da popularidade por conta do surgimento da disco music, uma versão pop de soul e funk, sobretudo após o lançamento do filme Os Embalos de Sábado à Noite (1977), estrelado por John Travolta e com trilha sonora da banda Bee Gees. Na época, o então adolescente, Fernando Luís Mattos da Matta se interessou pela discotecagem ao ouvir o programa "Cidade Disco Club" na Rádio Cidade do Rio de Janeiro (102,9 FM), anos mais tarde, Fernando adotaria o apelido de DJ Marlboro e a rádio ficaria conhecida como a "rádio rock" carioca.

Quem foi Big Boy[editar | editar código-fonte]

Nascido em 1º de junho de 1943, Newton Alvarenga Duarte (o Big Boy) começou a garimpar discos quando tinha 20 anos e chegou a reunir 20 mil vinis em sua coleção. Em 1967, foi contratado pela Rádio Mundial, 860 AM, aquisição do grupo O Globo, cujo comando de restruturação havia sido entregue ao jornalista e poeta Reynaldo Jardim.

Apaixonado por música desde a infância, ainda adolescente iniciou uma coleção de música pop que chegou a 20 mil discos, manifestando preferência pelo rock and roll, o então novo ritmo americano que conquistou os jovens no mundo todo. Também costumava "peregrinar" na Rádio Tamoio do Rio de Janeiro - a rádio que apresentava a programação mais atualizada na época - procurando manter contato com os programadores e outros aficionados por rock em busca de informações e de uma oportunidade profissional - seu sonho desde então que procurou alcançar com obstinação. A oportunidade finalmente surgiu quando foi convidado para substituir um programador que entrara em férias.

Mais tarde foi convidado para participar de uma bem-sucedida tentativa de reformulação da Rádio Mundial AM, que se tornaria a rádio de maior audiência entre o público jovem do Rio de Janeiro. Assim, não hesitou em interromper a carreira de professor de geografia para tornar-se radialista. Foi ali que iniciou sua atuação como DJ, ganhou o apelido de Big Boy e criou o estilo inconfundível que continua até hoje influenciando locutores - inclusive das modernas rádios FM, cujas programações muitas vezes ainda seguem os moldes de seus programas. Com sua voz alegre e postura informal, complementava as músicas que tocava com informações "quentes" sobre o mundo do disco, impondo uma dinâmica irresistível ao programa; tudo isso sem perder o jeito de fã dos artistas, o que o aproximava ainda mais dos ouvintes.

Um fato interessante é que, no início de sua carreira como DJ, a sua real identidade (Newton Alvarenga) não era conhecida dos ouvintes, nem de seus colegas na Faculdade Nacional de Filosofia (atual UFRJ) e dos alunos no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (antigo CAp/FNFi), onde deu aulas, sob avaliação, como parte do processo de aprovação como professor. Um dos alunos da turma CAP-66-B, fã do programa na Rádio Mundial, colocou nele o apelido de "Big Boy", pois achou a voz parecida. Ao final das aulas de avaliação, já aprovado, o Prof. Newton Alvarenga se identificou como o próprio Big Boy, encerrando a fase de identidade secreta.

Além de radialista, trabalhou em programas de TV e escrevia colunas sobre música nos principais jornais do país. Com o Baile da Pesada, criou um evento pioneiro e eclético, que tocava os sucessos da Rádio Mundial e da conceituada boate Le Bateau. Quando a temporada acabou, Big Boy adquiriu um moderno aparato de som que era transportado em uma kombi pelos clubes do subúrbio fluminense.

Em 1977, Big Boy morre prematuramente aos 33 anos, mas seu legado permanece: os bailes se tornaram uma importante opção de lazer e manifestação cultural no Rio de Janeiro e no Brasil.

Big Boy foi vítima de um infarto provocado por um ataque de asma, num hotel em São Paulo. Foi sepultado no Rio de Janeiro, no Cemitério de São João Batista.

Rádio Mundial[editar | editar código-fonte]

Big Boy também pode ser considerado o primeiro "profissional multimídia" do show business brasileiro. Programador e radialista eclético, diversificava sua atuação mantendo a ligação da paixão pela música contemporânea nos seus diversos segmentos e movimentos.

Além de manter dois programas diários na Rádio Mundial, Big Boy Show e Ritmos de Boite, um na Rádio Excelsior de São Paulo e um semanal especializado em Beatles, o Cavern Club, também na Mundial, atuava como programador, colunista em diversos jornais e revistas, produtor de discos e DJ dos Bailes da Pesada, onde mantinha um contato direto com o público que gostava especialmente de soul e funk, principalmente na Zona Norte do Rio de Janeiro. Em televisão, inovou ao apresentar em sua participação diária no Jornal Hoje da TV Globo, pela primeira vez, film clips com músicas de sucesso do momento.

Em seu programa Papo Pop, na TV Record de SP, lançou grupos brasileiros de vanguarda. Foi também o responsável pela implantação do projeto Eldo Pop, no início das transmissões em FM no Brasil. A lendária rádio, especializada em rock progressivo, visava contemplar um público restrito mas altamente especializado em seu gosto musical e que encontrava ali um veículo de expressão da autêntica música de vanguarda. Chegou a participar como ele mesmo da novela cômica Linguinha, ao lado do humorista Chico Anysio (TV Globo - 1970).

Ao longo de toda sua vida profissional, Big Boy continuou ampliando sua coleção. Em diversas viagens a outros países apurou seu acervo, buscando raridades como "discos piratas" de tiragens limitadíssimas. Ao morrer havia juntado cerca de 20 mil títulos, entre LPs e compactos, na maioria importados, que abrangem diversos gêneros musicais como rock, jazz, soul music, rock progressivo, música francesa, trilhas sonoras de filmes, orquestrais, etc. Como um todo, a discoteca Big Boy constitui-se num acervo cultural importantíssimo, pois retrata vários períodos do cenário discográfico mundial e, mais do que uma coleção, trata-se da síntese do trabalho de um profissional que ousou inovar.

Foi o primeiro DJ a executar, num programa de rádio, a música Let It Be, dos Beatles, isso nos idos do ano de 1970, após ter estado na cidade de Londres. Conseguiu, através de um amigo, adentrar num dos estúdios de gravação da Apple, onde ensaiavam ainda o sucesso inédito e com um mini gravador escondido sob a roupa, gravou o pré-lançamento. Ao ser descoberta a trama, conseguiu evadir-se do local, trazendo consigo a fita já gravada e a exibiu num de seus programas logo depois, em primeiríssima mão no mundo, na Rádio Mundial do Rio de Janeiro.

Ademir Lemos, o pai do funk brasileiro[editar | editar código-fonte]

Ademir Lemos

Quando for procurar as origens da música black no Brasil, vai bater com este nome, Ademir Lemos, foi pioneiro entre os discotecários, esteve no comando da Boate Le Bateau, no final dos anos de 1960. Ele não ficava atrás da aparelhagem de som: recebia fregueses e dançava junto, animando a festa. Contava que se tornou discotecário graças aos seus dotes de dançarino e brincava dizendo que foi a primeira chacrete da TV, dançando rock no programa “Brotos no Comando 1966”, na TV Continental.

Revolucionou ao lançar o primeiro vinil nacional sem intervalos entre músicas pela gravadora Top Tape o LP “Le Bateaux Ao Vivo”. Na contra capa do disco, ele declarava “Estou na capa, no selo, no meio e na contra-capa desse disco e como tem gente que não me manja, vejo-me na obrigação de falar de mim mesmo”.

Ficou muito conhecido com os lendários Bailes da Pesada que fazia junto com o animador e locutor de rádio Big Boy, uma verdadeira epidemia que tomou conta de todo o Rio de Janeiro, tendo como ponto de partida a casa Canecão. Os Bailes atraíam cerca de 5 mil dançarinos de todos os bairros cariocas, tanto da Zona Sul quanto da Zona Norte. A programação musical também tendia ao ecletismo: Ademir tocava rock, pop, mas não escondia sua preferência pelo soul de artistas como James Brown, Wilson Pickett e Kool and The Gang.

Ademir Lemos foi co-produtor do único disco da banda de rock setentista Módulo 1000, "Não Fale com Paredes", lançado em 1971. O vinil virou peça de colecionador e é disputado em várias partes do mundo até hoje.

Já no final dos anos 80 e início dos anos 90, Ademir se lançou como cantor de funk, primando pela qualidade nas produções. Mais uma vez visionário, anteviu a onda do funk e em 1989 lançava a “Melô do Arrastão”, aproveitando a onda de arrastão que assolou a orla carioca.

Em 1991, lança o álbum “Um Senhor Baile” com o sucesso “Rap da Rapa” de duplo sentido produzido em conjunto com o DJ Iraí Campos, com samples das músicas “Money for nothing” do Dire Straits e "Cocaine" de Eric Clapton.

Em 1996, Ademir Lemos sofreu um derrame que o deixou paralisado. Foi morar com sua filha, em São Paulo, e morreu no dia 24 de fevereiro de 1998, aos 52 anos, de complicações de uma cirurgia, após uma queda.

Rap do arrastão - Ademir Lemos (confira o som)[editar | editar código-fonte]

Rap da Rapa - Ademir Lemos (confira o som)[editar | editar código-fonte]

Primeira equipe de som brasileira: o Baile da Pesada[editar | editar código-fonte]

De forma intuitiva, ele e Ademir criaram a primeira equipe de som brasileira: o Baile da Pesada, que levava a música pop para além da Zona Sul do Rio e começou a influenciar e ser influenciado pela periferia.

O funk de James Brown vivia seu apogeu e era comum que equipes de dançarinos ensaiassem seu repertorio de passos para brilhar nas pistas, com seus ternos, pisantes e cabelo black power.

Naturalmente o funk foi ganhando espaço maior no baile e Big Boy recorria a seu imenso acervo para sacudir a multidão. Em pouco tempo, a turma do subúrbio se organizou também e criou suas próprias equipes.

A partir do sucesso do Baile da Pesada, surgiram equipes notórias que moldaram o movimento Black Rio como a Black Power, Soul Grand Prix, Furacão 2000, Cashbox e diversas outras, dedicadas ao R&B e ao Soul.

James Brown - My Thang (confira o som)[editar | editar código-fonte]

Live Baile da Pesada – 50 anos (Homenagem)[editar | editar código-fonte]

O DJ e produtor Leandro Petersen, filho mais novo de Big Boy, convidou os maiores nomes da trajetória do funk para celebrar a data dos 50 anos do Baile da Pesada.  Ele apresentou um set com as músicas marcadas à mão por Big Boy nos selos dos compactos 45 RPM, um precioso legado do acervo de 20 mil discos em vinil deixado por ele, com muito pop, rock, soul e R&B. A inconfundível voz de Big Boy, copiada de fitas antigas, anunciará algumas dessas “pérolas” dos bailes.

O DJ Marlboro fez um set em homenagem à fase áurea do funk Brasil, representando os “herdeiros” do Baile da Pesada e mostrando que o movimento segue até hoje cada vez mais forte.

Corello DJ atacou com o charme, vertente do R&B que dominou os bailes nos anos 80 e reunia multidões dançando no mesmo compasso, com muita elegância e estilo.

Os DJs que dominaram a cena dos bailes nos anos 70, estiveram presentes, tocando o som que embalou os bailes na fase áurea do soul e contando as histórias das primeiras equipes de som: Dom Filó, engenheiro, DJ, videomaker e produtor, fundador da equipe Soul Grand Prix e um dos grandes representantes da cultura black no Brasil;

Mr. Paulão, empresário e DJ, dono da equipe Black Power, uma das mais representativas dos anos 70; e Peixinho, radialista e assistente de Big Boy na época. Foi disc-jockey do Baile da Pesada durante a sua trajetória nos subúrbios cariocas.

Acesse a live e as entrevistas[editar | editar código-fonte]

https://www.facebook.com/BigBoyBaileDaPesada/videos/334628320899199

https://www.facebook.com/BigBoyBaileDaPesada/videos/219249466020665

https://www.facebook.com/BigBoyBaileDaPesada/videos/286834089410107

Fontes e redes sociais[editar | editar código-fonte]

Fundação Schmidt

A Gazeta

Black Broder

Wikipédia Big Boy

Wikipédia Funk Carioca

Facebook

Canal do Youtube

Ver também[editar | editar código-fonte]

Bailes Funk no Complexo do Alemão

Comunidade, território e bailes funk de corredor: Rio de Janeiro, década de 1990

Funk das antigas - episódio 19 (programa)