Chacina do Jacarezinho - 10 de janeiro de 2008

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Chacina do Jacarezinho foi episódio violento ocorrido em 10 de janeiro de 2008 promovido pela Polícia Militar (PM) que resultou na morte seis pessoas.

Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Este trabalho é uma pareceria entre os grupos GENI/UFF, Radar Saúde Favela e CASA (IESP/UERJ) juntamente com o Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Jacarezinho, Rio de Janeiro.

Sobre[editar | editar código-fonte]

No dia 10 de janeiro de 2008, uma ação policial na favela do Jacarezinho levou à morte de 6 pessoas (7, segundo a polícia), sendo uma delas Wesley Damião da Silva Saturnino Barreto, de 3 anos. No dia seguinte, logo pela manhã, a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência esteve na comunidade ouvindo depoimentos e vendo o local onde aconteceram três das mortes, inclusive a do pequeno Wesley. Segue o relato do que ouvimos e vimos. Pela Rede Nacional de Jornalistas Populares, RENAJORP, 14/01/2008

A ação policial começou por volta das 8h de quinta-feira (10/1/2007), com mais de 60 policiais do Bope, 3 BPM e 22 BPM, e foi dirigida pessoalmente pelo comandante do 3 BPM, Tenente Coronel Marcos Alexandre Santos de Almeida. As razões para a operação, apresentadas pela polícia para a imprensa, variaram muito: no início era “combate ao tráfico”, depois “busca de veículos roubados” e “cumprimento de mandados judiciais”. Na sexta-feira (11), quando a notícia da morte do pequeno Wesley já estava nos jornais, foi finalmente apresentada a versão de que a operação destinava-se a retirar barreiras montadas pelo tráfico em diversas ruas do Jacarezinho.

A verdade é que os policiais, durante todo o dia, desfizeram barreiras, revistaram pessoas e apreenderam motos (muitas foram depois requisitadas de volta por seus donos legais, moradores da comunidade), mas também arrombaram casas (muitos policiais estavam com grandes alicates e molhos de chaves para abrir portas), ameaçaram e ofenderam as pessoas, feriram muitas (a maioria não quis denunciar por medo), espancaram outras e executaram jovens, segundo moradores com requintes de tortura.

Segundo uma testemunha, um dos executados ainda de dia, chamado Zacarias, foi obrigado pelos policiais a beber duas garrafas de cloro (material de limpeza) antes de ser executado, próximo à Rua Dom Jaime. Ninguém negou que quatro dos jovens mortos fossem envolvidos com o tráfico local, mas todos disseram que em nenhum caso os que morreram estavam trocando tiros. Uma das vítimas, Flávio Augusto de Oliveira Serrano, 16 anos, não era traficante, foi retirado de dentro de sua casa e executado.

Os traficantes atiraram sim contra os policiais, mas principalmente à noite, depois da emboscada que resultou na morte de dois rapazes e do pequeno Wesley. Foi nessa resposta dos traficantes que o soldado Sá do Bope foi ferido (foi o único policial ferido em toda a dita operação, que durou um dia inteiro).

Mãe saiu para comprar fraldas[editar | editar código-fonte]

No final da tarde, todas as barreiras já haviam sido retiradas, os tiros cessaram e muitas pessoas pensaram que os policiais já haviam ido embora. Mesmo assustadas, porque boa parte das ruas estavam às escuras (os policiais haviam atirado em vários transformadores), as pessoas arriscavam-se a sair de onde estavam, para ir para casa ou outro lugar. Entre essas pessoas, estava Débora Damião da Silva, 23 anos, que saiu para comprar fraldas, levando o seu filho de seis meses, Daniel, no colo, e o pequeno Wesley pelas mãos. Era cerca de 18h.

No entanto, nem todos os policiais haviam ido embora. Muitos, a maioria aparentemente do Bope, dividiram-se em grupos para preparar emboscadas, aproveitando-se da escuridão. Um dos grupos, com cerca de 10 policiais, arrombou o portão e abriu a porta de um imóvel de três andares na Rua Esperança, quase em frente à residência da avó de Wesley, Helena Damião da Silva. Esse imóvel, que já fora utilizado outra vez pela polícia, estava vazio pois a senhora que nele reside estava viajando.

Os policiais cortaram o cadeado do portão, abriram a porta com uma chave mestra (não há sinais de arrombamento), abriram os armários do quarto da senhora (aparentemente para pegar lençóis) e foram para a laje superior, de onde se tem uma visão completa de todo o trecho da Rua Esperança. Na sexta-feira, ainda se viam uma caixa de fósforos e uma luva de borracha ensangüentada que os policiais haviam deixado na laje.

Fábio S. Santos (conhecido como Bimbim) e mais um rapaz (provavelmente chamado Denis) sentaram-se num banco de concreto que fica em frente ao n° 48 da Rua Esperança. Ao lado do banco, fica a escadaria pela qual Débora com seus filhos vinha subindo, voltando com o pacote de fraldas. Por volta das 18h50 os policiais da laje começaram a atirar na direção de Fábio e do outro rapaz, que foram atingidos, assim como o pequeno Wesley, que levou três tiros (no tórax, no ombro e no braço esquerdo). Todas as marcas de tiro no local mostram claramente que os disparos vieram de cima. Há perfurações no assento do banco onde estavam os dois rapazes, na calçada de concreto onde sai a escadaria, na porta de aço da casa de Helena e no chão da entrada de sua casa.

Um dos rapazes baleados (aparentemente Fábio) pediu ajuda na casa de Helena, e logo tentou fugir sangrando pelo beco que dá acesso à casa invadida pelos policiais (há muitas marcas de sangue nas escadas do beco), mas foi perseguido pelos policiais e executado. O outro rapaz (possivelmente Denis), também baleado, estava caído gritando “perdi, perdi, estou puro!”, mas os policiais o chutaram no peito e o executaram ali mesmo.

Quando viu os tiros atingirem a porta de sua casa, Helena e mais quem estava ali correram para se abrigar na cozinha, mas ela ouviu os gritos do neto na escadaria e logo depois conseguiu vê-lo, através da janela, desmaiado e sangrando. Débora, ainda com Daniel no colo, tentava arrastar Wesley baleado para a casa da avó, quando apareceram os policiais, que não socorreram nem demonstraram nenhum interesse no drama da mãe e do menino. Só estavam interessados em acabar de executar e remover os corpos de Fábio e Denis. Finalmente Débora foi socorrida por uma amiga, que ficou com Daniel, e por um pastor amigo seu, que os levou ao Hospital Salgado Filho, mas Wesley não resistiu.

Mesmo que os dois rapazes baleados tivessem trocado tiros (o que não aconteceu segundo todas as testemunhas ouvidas), a posição em que estavam eles, Débora e seus filhos (abaixo) e os policiais (acima), torna muito provável que as balas que atingiram Wesley tenham partido dos policiais. Há muitas marcas de bala na calçada por onde passam quem sai da escadaria subindo, bem como ainda eram bastante visíveis as manchas de sangue no mesmo ponto na sexta pela manhã.

Claro que os policiais não devem ter alvejado Wesley propositalmente, mas da laje em que eles estavam pode-se ver todo o trecho da rua e a parte superior da escadaria, portanto é impossível que não tenham notado a presença de Débora, das crianças e de outras pessoas próximo do ponto em que estavam os rapazes.

Como em muitos outros casos que já vimos em ações policiais em favelas, provavelmente ali os policiais dispararam contra seus alvos (os dois rapazes) sem se importar com a presença de outras pessoas na linha de tiro. No caso, há o agravante de que tratava-se de uma emboscada óbvia, e a iniciativa de tiro com certeza era dos policiais.

Débora, ainda com Daniel no colo, tentava arrastar Wesley baleado para a casa da avó, quando apareceram os policiais, que não socorreram nem demonstraram nenhum interesse no drama da mãe e do menino. Só estavam interessados em acabar de executar e remover os corpos de Fábio e Denis. Finalmente Débora foi socorrida por uma amiga, que ficou com Daniel, e por um pastor amigo seu, que os levou ao Hospital Salgado Filho, mas Wesley não resistiu.

A ação policial no Jacarezinho na quinta-feira (10/1) tem indícios mais que suficientes de execução sumária, violação de domicílio, tortura e desprezo por pessoas não envolvidas na linha de tiro. A responsabilidade pelas violações e crimes cometidos cabe não só aos policiais envolvidos diretamente nos incidentes, mas também aos oficiais que comandaram a ação, inclusive o comandante do 3 BPM.

Vejam as fotos no site da Rede [1] ou no Centro de Mídia Independente [2] .

Em agosto de 2007, a PM já havia executado uma mãe de 26 anos e um bebê também de 3 anos. Elizângela Ramos da Silva era manicure e foi atingida na cabeça. Em julho do mesmo ano, Leandro Silva Davi, de 16 anos, foi assassinado quando preparava o café da manhã dentro da cozinha da sua casa. A bala que o matou atravessou a janela da residência que dá para a Praça da Concórdia de onde partiam os tiros da operação policial. O jovem treinava futebol no São Cristóvão e era estudante. O tiro atingiu a região do coração. À época os moradores foram humilhados ao tentar socorrer as vítimas (leia aqui).

Em junho de 2007 a comunidade do Jacarezinho já havia organizado manifestação contra as violentas operações policiais (do 3o e 22o BPM) na favela, que até então já havia causado 8 mortes (todas execuções sumárias, segundo testemunhas). Participaram da manifestação a Associação de Moradores do Jacarezinho, Centro Cultural, Escola de Samba, Celula Urbana do Jacarezinho, ONGs, Igrejas, comerciantes locais e outras organizações, que realizaram uma marcha para protestar contra a ação violenta que a polícia tem feito no Jacarezinho.

Referências[editar | editar código-fonte]

Jacarezinho: depoimentos e local do crime indicam execuções e responsabilidade da polícia na morte de menino de 3 anos