Deus é uma mulher negra?! O tanto de Rosa Egipcíaca que trazemos na vida/avenida

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Desfile Viradouro 2023
Desfile Viradouro 2023

Deus é uma mulher negra?! - A maior homenagem à mulher negra no carnaval do Sambódromo, no Rio de Janeiro, foi feita pela Escola de Samba Unidos do Viradouro, em 2023, ao trazer para a avenida a história pouco conhecida de Rosa Egipcíaca ou Rosa Courana, tratada no verbete escrito por Carolina Rocha Silva, intitulado “Deus é uma mulher negra?! O tanto de Rosa Egipcíaca que trazemos na vida/avenida”.

Autoria: Carolina Rocha*

O tanto de Rosa Egipcíaca que trazemos na vida/avenida[editar | editar código-fonte]

“Eis a flor do seu altar, sua fé em cada gesto,

O amor em cada olhar dos filhos meus.

No cantar da Viradouro, o meu samba é manifesto,

Imagem de Deus sou eu”.

(Refrão do Samba Enredo da Unidos do Viradouro/2023)

Evoé estimadas leitoras, estimados leitores, saravá! Tenho certeza de que vocês, mesmo em março, ainda estão com o gostinho do carnaval. Por aqui, a cabeça não parou ainda de refletir sobre as tantas facetas e contradições desta festa. No Rio de Janeiro, de onde falo, as escolas de samba ofertaram um grande espetáculo de cores, formas, sons, tecnologias e efeitos diversos. Mas, principalmente, deram importantes aulas públicas - e didáticas - na avenida sobre as histórias que a História (oficial) não conta.

Em 2023, o carnaval na Marquês da Sapucaí foi marcado por valiosos debates e também por grandes contradições, como de praxe. Se por um lado, temos as ESCOLAS de samba sustentadas no trabalho das comunidades do entorno de suas quadras, com uma história e uma população, majoritariamente, negra e da classe trabalhadora, composta, principalmente, por mulheres, que trabalham duro para o carnaval funcionar, por outro, temos o turismo nacional e internacional, a LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), os camarotes promovidos através de megaeventos com shows e participações de cachê inflacionado - em contraste com os trabalhadores ao redor em condições de exploração, ganhando o mínimo -, as direções das agremiações, suas coordenações, enredos, musas e destaques, visivelmente, cada mais ocupados por pessoas brancas da elite, e a ausência de pessoas negras e artistas do universo do samba no corpo de jurados, que detém o poder de anunciar as vencedoras/os vencedores da festa.

As desigualdades e hierarquias, arraigadas na sociedade brasileira, permanecem pulsando de forma latente no carnaval, evento reconhecidamente popular – pelo menos em origem e construção. Assim, ainda que o clima seja de festa para muitos/muitas, é também de vulnerabilidade e precariedade para tantos/tantas outros/outras. Neste ano, assistimos a denúncias contundentes sobre os camarotes e de como a folia nesses espaços privilegiados, ocupados por celebridades e famosos, tem se sobreposto, inclusive, ao próprio desfile. Casais de mestre-sala e porta-bandeira expressaram, publicamente, seu desconforto com a água que escorre das cabines para a avenida, atrapalhando seu desenvolvimento, e também ritmistas se manifestaram sobre o vazamento de som dos shows privados, que perturba componentes e compromete a evolução das escolas.

Em contrapartida, os enredos, tanto pelas escolhas dos temas, quanto pela dimensão política e didática das histórias narradas, que ultrapassam o caráter de denúncia, assumindo cada vez mais um compromisso de formação e educação, garantiram dignidade e cidadania a uma parcela da população, historicamente, excluída e invisibilizada, perante a sua significativa contribuição para a história e constituição do Brasil. E, se nos espaços de educação formal e institucional ainda temos diversos desafios para a garantia de implementação da Lei 10.639/2003, que fez vinte anos em janeiro e versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, ressaltando a sua importância como patrimônio da humanidade, na avenida, aprendemos na prática, com alegorias, adereços, sambas-enredos, ritmos e sons, cores e gestos, corporeidade e ludicidade, sobre momentos, pessoas e realizações que os livros didáticos não contemplam.  

Foi emocionante ouvir a porta-bandeira Selminha Sorriso, liderança política da comunidade de Nilópolis, após o desfile da Beija-Flor, que apresentou o enredo “Brava Gente! O grito dos excluídos no Bicentenário da Independência”, dizer que, aos 51 anos, teve ao vivo, na avenida, com a sua escola de coração, a aula que o colégio nunca lhe deu em toda sua trajetória escolar. Ela também mencionou a importância das Escolas de Samba na formação integral de sujeitos/sujeitas, notadamente de crianças e adolescentes, ao transformar suas vidas. É sempre bonito ver as alas mirins das escolas, que apresentam o trabalho realizado ao longo de todo o ano com jovens das suas comunidades. A Beija-Flor colocou na sua comissão de frente uma mulher negra, a atriz Isabel Filardis, em cima do cavalo de Dom Pedro I, às margens do Ipiranga, refazendo a mais conhecida cena da Independência presente no quadro “O Brado do Ipiranga”, do pintor paraibano Pedro Américo, de 1888. A Unidos da Tijuca trouxe Iemanjá, altiva e negra, como deveria estar no imaginário coletivo brasileiro, uma vez que representa uma espiritualidade e cultura de matriz africana, para a sua comissão de frente, representada pela atriz Juliana Alves. Em 2023, também foi marcante a presença cada vez maior de pessoas com deficiência na avenida, garantindo pluralidade e diversidade de corpos e existências, ampliando nosso próprio conceito de humanidade.

A grande campeã do carnaval, Imperatriz Leopoldinense, trouxe um conto sobre o “valente Lampião”, que foi renegado pelo Diabo no inferno e também não encontrou acolhimento no céu, ficando a vagar pelo sertão, na humanidade de cada um(a) de nós. Chamou-me a atenção a quantidade de enredos que, de alguma maneira, questionaram a narrativa da polaridade do mundo cristão, dividido entre Deus e o Diabo, e acentuaram a humanidade das pessoas, com suas complexidades, erros, acertos e escolhas. Por isso, em minha opinião, Exu ganhou o carnaval de novo na avenida em 2023 (rememorando o enredo da Grande-Rio, campeã do carnaval de 2022), exatamente pelo significado da encruzilhada, fugindo dos binarismos que compõem a estrutura de pensamento colonial. Essa também foi a perspectiva do enredo do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos do Viradouro, vice-campeã do carnaval carioca, que contou a vida e obra de Rosa Maria Egipcíaca, ou Rosa Courana, considerada a primeira mulher negra a escrever um livro no Brasil. O enredo foi desenvolvido pelo carnavalesco Tarcísio Zanon, inspirado no livro “Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil” do antropólogo Luiz Mott (1993).

A trajetória de Rosa desafia várias concepções e limites das hierarquias coloniais e estruturas opressoras que vivemos no Brasil. A Viradouro apresentou em seu enredo as várias facetas desta protagonista: criança africana, adulta escravizada, escritora, prostituta, liderança política, santa, visionária, feiticeira, mulher, mãe, devota, apaixonada, misteriosa, perseguida, altiva, corajosa, beata, violentada, agente, vítima, forte, vulnerável, odiada, admirada, humana e divinizada! De maneira que todas nós, mulheres, nos enxergamos na história da Courana. E a escola termina seu desfile ofertando dignidade a história dela – e de todas nós, por conseguinte – ao lhe dar o desfecho e vida que ela previu e que o povo chancelou: canonizada santa no Brasil! Assim, vimos em rede nacional, em uma das maiores festas do planeta, uma escola de samba, corrigir o apagamento produzido pela história do Brasil.  Para mim, nessa véspera do dia 08 de março, em que se comemora o Dia da Mulher, é fundamental reiterar nossa diversidade, complexidade, liberdade e visibilidade.

A educadora e escritora Azoilda Loretto da Trindade gostava de reafirmar em suas falas públicas que: a invisibilidade é a morte em vida. Precisamos contar/ouvir nossas histórias e nos reconhecermos nas trajetórias de vida da outra. Gosto da análise que a escritora Audre Lorde (2020, p. 51-55) faz sobre medo, silêncio, linguagem, vulnerabilidade e ação. Destaco os trechos abaixo:

E essa visibilidade que nos torna mais vulneráveis é também a fonte de nossa maior força. Porque a máquina vai tratar de nos reduzir a pó de qualquer maneira, quer falemos, quer não. Podemos ficar eternamente caladas pelos cantos, enquanto nossas irmãs e nós somos diminuídas, enquanto nossos filhos são corrompidos e destruídos, enquanto nossa terra está sendo envenenada; podemos ficar caladas a salvo nos nossos cantos, de bico fechado, e ainda assim nosso medo não será menor (LORDE, 2020, p. 54).

E nunca é sem medo – da visibilidade, da crua luz do escrutínio e talvez do julgamento, da dor, da morte. Mas já passamos por tudo isso, em silêncio, exceto pela morte. E o tempo todo eu me lembro disto: se eu tivesse nascido muda, ou feito um voto de silêncio durante a vida toda em nome da minha segurança, eu ainda sofreria, ainda morreria. Isto é muito bom para colocar as coisas em perspectiva (LORDE, 2020, p. 55).

Podemos aprender a agir e falar quando temos medo da mesma maneira que aprendemos a agir e falar quando estamos cansadas. Fomos socializadas a respeitar mais o medo do que nossas necessidades de linguagem e significação, e enquanto esperamos em silêncio pelo luxo supremo do destemor, o peso desse silêncio nos sufocará. [...] pois não são elas [as diferenças] que nos imobilizam, mas sim o silêncio. E há muitos silêncios a serem quebrados (LORDE, 2020, p. 55).

E, ainda sobre silêncios, Grada Kilomba escreveu que verdades que têm sido negadas, reprimidas, mantidas e guardadas como segredos. Eu gosto muito deste dito “mantido em silêncio como segredo” [o famoso “deixa quieto” no Brasil]. Essa é uma expressão oriunda da diáspora africana e anuncia o momento em que alguém está prestes a revelar o que se presume ser um segredo. Segredos como a escravização. Segredos como o colonialismo. Segredos como o racismo (KILOMBA, 2019, p. 41).

Rosa nos deixou um imenso e rico legado. Foi Nossa Senhora quem lhe apareceu em sonho para dizer que precisava aprender a ler e escrever para registrar seus passos no mundo e cumprir a missão celestial que encampava. Também através de outras inspirações vinda da santa, Rosa Egipcíaca decide fundar um Recolhimento, a princípio para “mulheres do mundo”, que desejavam como ela parar de se prostituir. Desse modo, em 1754, deu-se início a construção do Recolhimento de Nossa Senhora do Parto, aproveitando a capela de mesmo nome, onde hoje está localizada a Rua da Assembleia, no Centro do Rio de Janeiro. O espaço abrigou mulheres diversas, que estavam em alguma situação de vulnerabilidade, fossem elas negras ou brancas.

A História (oficial) é construída por homens para falar de outros homens e seus grandes feitos na história da humanidade. Sabemos muito sobre as criações e decisões dos homens brancos, ocidentais e de classes abastadas ao longo do que chamamos de “nossa história”. Entretanto, aonde estavam as mulheres, pobres, negras, indígenas e mestiças? Neste sentido, as fontes inquisitoriais podem ser grandes aliadas na tentativa de elucidar essas memórias, ao fornecerem pistas sobre personagens que, em tese, eram uma ameaça, em vários sentidos, à ordem vigente. O historiador Carlo Ginzburg (1991, p. 203-14) defende a ideia de que as fontes inquisitoriais também podem funcionar como registros de relatos orais e, assim, dar visibilidade a atores sociais marginalizados. Para o autor, isso é possível quando se encontra nessas fontes pontos de conflito entre duas culturas, a popular, própria das classes subalternas, e a erudita, representada pelos agentes inquisitoriais. Ginzburg, analisando alguns processos inquisitoriais, concluiu que os inquisidores, mediante o estranhamento ou o desconhecimento sobre certas matérias presentes nas confissões dos réus/das rés, mandavam escrever na íntegra seus depoimentos para depois juntarem as “peças” do documento e examiná-lo.

Expertise que nos mostra o professor Luiz Mott ao escrever a biografia de Rosa. Suas pesquisas incluem como fontes o próprio livro dela, do qual restaram apenas algumas páginas, as três peças do enorme processo inquisitorial construído para criminalizá-la, dentre outros documentos preservados através dos lugares por onde ela passou. Ele nos conta que ela nasceu no Golfo do Benim, mas foi sequestrada por traficantes de escravizados e trazida à força aos seis anos de idade para o Brasil, onde sofreu inúmeras violências. Aos 14 anos, após ser estuprada pelo seu senhor, foi vendida como escravizada de ganho para uma família da região de Mariana (MG). E, segundo a documentação, nos cerca de 15 anos em que morou na localidade, Rosa se prostituiu para sobreviver. Com cerca de 30 anos começou a adoecer, abandonou a prostituição, doou todos os seus bens para pessoas pobres e se tornou beata. Na descrição dos sintomas recorrentes que sentia estavam inchaços pelo corpo, dores e peso no estômago e frequentes espasmos e desmaios - momentos em que dizia ter sonhos e visões com o menino Jesus.

Rosa também começou a frequentar assiduamente missas e fazer a leitura de liturgias, adotando o nome de "Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz", em referência a Santa Maria Egipcíaca, nascida no Egito em 344 d.C., que, segundo alguns registros, foi prostituta antes de se tornar santa. Além disso, fiscalizava o comportamento religioso das pessoas que frequentavam os templos, motivo pelo qual, segundo aponta Luiz Mott, ela acabou ganhando antipatias e inimizades, e talvez seja justamente daí, que tenha vindo a motivação para denunciá-la ao Tribunal do Santo Ofício, já que em relação aos seus dons místicos havia muita aceitação, além do interesse de grupos e religiosos com bastante prestígio na época.

Retornou ao Rio de Janeiro em 1751 e aqui viveu até 1763, quando foi denunciada por feitiçaria, presa e enviada para os cárceres do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. O Tribunal do Santo Ofício – ou Inquisição - foi uma instituição eclesiástica de carácter "judicial", que tinha por principal objetivo fiscalizar e punir comportamentos desviantes da fé – as heresias. Foi estabelecido em Portugal, em 1536, principalmente, para resolver o “problema judaico”, agravado com a entrada dos judeus espanhóis no país no século XVI. Os principais tribunais do Santo Ofício, que acompanharam todo seu funcionamento, foram o de Évora, Lisboa (responsável pelo mundo atlântico português) e Coimbra. O Brasil não teve uma sede do tribunal, por isso as pessoas processadas eram enviadas para Lisboa. Os comissários e visitadores do Santo Ofício eram encarregados de inspecionar as áreas distantes, mas nem sempre chegavam até elas, cabendo à justiça eclesiástica ou às ordens religiosas informar à Inquisição sobre os casos de heresia nessas regiões. O Brasil era visto pelos colonizadores como a terra onde proliferavam heresias por todos os lados. A religiosidade colonial foi marcada pelo predomínio da afetividade, onde as devoções eram misturadas a vida profana e assumiam caráter popular e híbrido, em que diferentes devoções, doutrinas, culturas e práticas se mesclavam, somavam e/ou repeliam.

O Diabo cristão, principalmente a partir da Alta Idade Média, foi considerado o agente universal de todo mal sobre o mundo. E mais que isso, ele foi visto como o principal aliado de todos os opositores, efetivos ou imaginários, da Igreja cristã. A visão de mundo dualista do Cristianismo procurou estigmatizar os grupos dissidentes ao longo da história. E tornou herético e diabólico todo sagrado não oficial. Assim, fizeram com os judeus, com os muçulmanos, com as mulheres, doravante transformadas em bruxas, e com todos os grupos de possíveis inimigos da igreja (DELUMEAU, 1989, p. 592).  Nesse contexto, o Diabo, que percorreu um longo caminho no imaginário europeu antes da colonização do Brasil, foi integrado a religiosidade dos escravizados africanos e dos povos originários. E para garantir o êxito do projeto colonizador do homem branco europeu, os africanos foram inferiorizados, demonizados e escravizados por séculos.

Mais da metade dos réus/das rés do Santo Ofício Português e dos tribunais episcopais lusos era acusado de executar curas, necessárias a condição violenta e desafiadora da vida colonial escravista. Na colônia, ampliaram-se os sentidos da magia, da bruxaria, da feitiçaria e da superstição, que já habitavam desde longa data o mundo europeu. E, da mesma forma que os colonizadores fizeram de tudo para subjugar a cultura dos nativos indígenas e dos povos africanos escravizados, também foram influenciados pelas suas práticas mágico-religiosas. A Inquisição europeia transformou a feitiçaria em delito, na chamada Idade Moderna, e defendeu a tese de que o poder das bruxas e das feiticeiras – seus saberes, pesquisas, conhecimentos e sua ancestralidade – tinha como única fonte o pacto com o Diabo. Muitos cronistas e eclesiásticos, certos de que estavam reencontrando no “Novo Mundo” um velho inimigo, descreviam as práticas culturais/espirituais americanas utilizando como parâmetro as concepções e as terminologias demonológicas que lhes eram familiares: “Sacerdotes maias, incas ou astecas, xamãs, caraíbas e pajés tupis, enfim, todos os responsáveis pelo espaço sagrado foram quase sempre chamados de bruxos e feiticeiros (...)” (SOUZA, 1993, p.28).

Rosa era descrita, segundo a documentação da época, como “a maior santa do céu”, de maneira que seus dons premonitórios e seu comportamento religioso tenha atraído toda sorte de gente para venerá-la e apoiá-la, inclusive financeiramente, através de doações para os seus projetos, tal como o já mencionado Recolhimento do Parto. Conta-se que brancos, mulatos e negros, senhores de engenho, pessoas livres e escravizadas e sacerdotes, a adoravam de joelhos, beijando-lhe os pés e nomeando-a: “a flor do Rio de Janeiro”. Mott, em textos e entrevistas concedidas a veículos diversos, declarou que Rosa sintetiza a riqueza e força do sincretismo religioso afro-católico-brasileiro, em que catolicismo, devoções populares europeias e as espiritualidades de matriz afro-indígena convergem nos diversos episódios em que beata entrava em transes, sofria exorcismos públicos - conduzidos pelo padre que a acompanhava, Francisco Gonçalves Lopes, apelidado de Xota-Diabos -, realizava sermões aclamados e orientava consulentes através de seus dons divinatórios.

O reconhecimento que Rosa adquiriu, acompanhada do padre Xota-Diabos, nas cidades das Minas Gerais, tais como Ouro Preto, São João Del Rei e Mariana, se estendeu no Rio de Janeiro. Logo após sua chegada, o Frei Agostinho de São José, responsável pela construção de uma parte do convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, passa a ser seu diretor espiritual. Ela seguia uma rotina de jejuns prolongados, autoflagelação, comunhões, missas e possessões frequentes, que impressionava os padres franciscanos. Importante destacar, que nesse momento, a Igreja Católica investia nas devoções populares aos santos negros, como forma de ter em seu rebanho a imensa população negra, escravizada e livre, da colônia. São Benedito, Santo Elesbão, Santa Efigênia, Santo Antônio de Catigeró, Nossa Senhora Aparecida, Anastácia, todos/todas negros/negras, e cada vez mais conhecidos. A partir daí, também foram se constituindo as irmandades negras, focos de resistência da população escravizada. Afinal, não há tentativa de dominação/opressão sem resposta, sem estratégia, ainda que dentro de relações assimétricas e hierarquizadas. É impossível negar a violência do projeto colonialista, mas é igualmente inaceitável deixar de destacar a capacidade de produção de vida, de existência, dentro de uma política de morte. E os trunfos das populações afro-indígenas foram exatamente a sua possibilidade de encantamento do mundo, a força da sua magia e a sua capacidade de amalgamar e ressignificar experiências, características que foram, simultaneamente, potências e vulnerabilidades.

Uma coisa é o projeto de poder vigente e as diretrizes impostas pelas instituições, outra são as práticas, as reinvenções cotidianas, populares, que transitam circularmente e ultrapassam os limites impostos entre o sagrado e o profano. Antônio Bispo faz uma provocação instigante quando diz que

nós tivemos que aprender também a conviver com esse deus. E até o aceitamos. Porque, se é deus, deve ser bom. Então, além de ter nossas deusas e nossos deuses, nós ainda temos esse deus. E aí foi onde eles começaram a perder. Porque eles só têm um deus e ainda dividiram com a gente. E nós temos vários. Como eles só têm um deus, eles só olham numa direção. Então o olhar deles é vertical, é linear, não faz curva. Assim é o pensar e o fazer deles. Como nós temos várias divindades, conseguimos olhar e ver a nossa divindade em todos os cantos. Vemos de forma circular, pensamos e agimos de forma circular e, para nós, não existe fim, sempre demos um jeito de recomeçar (SANTOS, 2018, p. 44-51).


Diante desse cenário, Rosa escreveu o livro “Sagrada Teologia do Amor de Deus Luz Brilhante das Almas Peregrinas”, onde conta que foi intitulada por Deus como Mãe de Justiça, nova Redentora do mundo. Quando Rosa e Xota-Diabos são presos e enviados para Lisboa, o padre, com quem havia rumores de que ela teria mantido uma relação afetivo-sexual para além da espiritual, declarou ao Tribunal, quase que de imediato, ter sido totalmente enganado por ela, acusando-a de fingimento. Em seguida, demonstrou arrependimento e recebeu como penalidades um exílio de cinco anos no Algarve, região do extremo sul de Portugal, banhada pelas praias do mar Mediterrâneo, e perdeu o direito de confessar e exorcizar.

Rosa permaneceu nos cárceres até 1765 e, a partir disso, não se teve mais notícias do seu destino. Durante esses dois anos, a igreja insistiu para que ela confessasse ter inventado tudo o que descreveu, caracterizando-a como mentirosa, blasfema, embusteira e dissimulada, e procurando o pacto com o Diabo em suas motivações, além do desejo de chamar atenção e ter privilégios, mas ela permaneceu confirmando a veracidade dos episódios que protagonizou em visões, revelações e êxtases. E teve ainda outras revelações no cárcere. Difamada, sucessivamente violentada, desde a vinda forçada para o Brasil, quando ainda era uma criança, abandonada pelo seu mentor e parceiro espiritual no cárcere, que fez questão de atenuar sua pena incriminando-a, encarcerada, torturada e resiliente: Rosa permaneceu fiel as suas escolhas, verdades e palavras.

O pacto com o Diabo era o elemento de destaque nos documentos portugueses sobre a bruxaria. Nas investigações inquisitoriais desejava-se, majoritariamente, identificar a existência de um pacto, por contrato ou invocação, tácito ou explícito, com o demônio. Mediante a condução de um processo de feitiçaria os magistrados do Santo Ofício elaboravam questões maliciosas para que o réu/a ré assumisse o pacto. Pois, a partir disso, ficava assegurada a existência da heresia que confirmava as suspeitas dos inquisidores. Muitas vezes, as vítimas confusas, pressionadas, torturadas e exaustas pelos longos interrogatórios, admitiam a aliança com Satã, mesmo sem compreender direito o significado e a importância do ato. Foram colocados diabos, que não pertenciam ao imaginário das sociedades afro-indígenas, em quase todas as representações e descrições sobre a colônia. O próprio nome da terra “Brasil” remetia, para os religiosos da época, ao Diabo, pois advinha de árvore infernal de pau vermelho que roubou o antigo e santo nome: “Terra de Santa Cruz”. É diante desse quadro que, Rosa nega todas as acusações a ela imputadas e reafirma seu propósito como escolhida por Deus para garantir seu legado na Terra.

Disse Luiz Mott que

Dos mais de mil processos de feiticeiras, sodomitas, bígamos, falsas santas e blasfemos que pesquisei, não encontrei outro que ficasse inconcluso, pois sempre os inquisidores eram muito minuciosos em anotar o desfecho do julgamento: a pena a que foi condenado o réu, se morreu de doença no cárcere, se houve suicídio, se foi mandado para a fogueira ou para o degredo, etc. Inexplicavelmente, o processo de Rosa tem como última página este registro dos inquisidores: “Por ser avançada a hora lhe não foram feitas mais perguntas, e sendo lidas estas anotações e por ela ouvidas e entendidas, disse estar escrita na verdade, e assinou com o Senhor Inquisidor, depois do que foi mandada para o seu cárcere.”[1]

Portanto, não sabemos se Rosa morreu ou não nos cárceres, que são descritos na época como lugares insalubres, fétidos, cheios de ratos e umidade, para além de ter sido submetida a todas as torturas realizadas no decorrer do seu processo inconcluso. De certo, temos o fato de que sua memória e história “morreram” até que fossem acessadas por Luiz Mott na década de 90 e, posteriormente, por vários/várias outros/outras pesquisadores/pesquisadoras, até chegar no carnaval carioca, com repercussão internacional, através do enredo da Viradouro. E repito, foi bonito ver no final do desfile, em alegorias, corpos, espiritualidades e festejos, que Rosa finalmente teve o desfecho dos seus sonhos/visões: santificada, como imagem de Deus, e aclamada pelo povo. Desta forma, vivificou-se na avenida o sentido de Sankofa, conceito que origina-se entre os povos de língua Akan da África Ocidental, região onde atualmente ficam os países de Gana, Togo e Costa do Marfim. Em suas representações, Sankofa aparece como um pássaro mítico que tem o corpo virado para frente, no presente, tendo a cabeça voltada para trás, no passado, e carregando no bico um ovo, que sintetiza o futuro. Em resumo, “não é tabu voltar atrás para buscar o que se esqueceu”, porque o que quer que tenha sido perdido pode ser recuperado e revivido. E assim, honra-se a história de nossos/nossas ancestrais, permanecendo vivas/vivos em nossas ideias, e nos dando pistas de como podemos conduzir melhor o hoje e o amanhã.

Mulheres (preferencialmente) e homens subversivos foram – e ainda são - processados, torturados e assassinados por bruxaria. Bruxaria traduzida no pacto com o Diabo. Nessa disputa, saberes ancestrais de táticas e existências do cotidiano popular foram reduzidos ao seu potencial para o que os ocidentais vão chamar de “mal”. Essa é uma realidade que permanece assustadoramente atual: terreiros[2] queimados, mães de santo chamadas de bruxas e obrigadas a fechar suas casas de axé e destruir seus assentamentos sagrados, mulheres indígenas sendo expulsas de suas comunidades por missionários “evangélicos”, com narrativas difamatórias e criminosas.

Ao longo da história da humanidade a visão masculina sobre as mulheres oscilou entre a exaltação e o medo. A fisiologia feminina foi envolta de mistérios profundos, por vezes inexplicáveis, como a maternidade e a menstruação. Em consequência, ao longo dos séculos o elemento paterno representou a história, enquanto que o elemento materno foi representante do poder biológico e da natureza, “instintiva e indomável”. Assim, a mentalidade masculina cercou a mulher de uma ambiguidade basilar, ora ligada ao pecado nocivo e ora ligada a virgindade maculada.

O medo da mulher não foi inventado pelo Cristianismo, mas foi desde cedo integrado e alimentado em suas doutrinas. Nas diversas interpretações bíblicas para o segundo capítulo do livro do Gênesis, a mulher foi considerada sempre o segundo sexo, criado a partir da costela de Adão. Além de ter sido secundária na ordem da criação divina, Eva ainda foi capaz de introduzir o mal na terra ao comer o fruto proibido da árvore do conhecimento, tornando-se responsável por todas as desgraças que assolavam o mundo desde então.  

O Malleus Maleficarum[3], escrito pelos inquisidores Kramer e Sprenger, em 1486, insistiu na propensão das mulheres ao pacto demoníaco e contribuiu para tornar a bruxaria, um delito, predominantemente, feminino, reforçando as teorias misóginas produzidas ao longo da história. Na primeira parte do livro, os autores definem que o demônio consegue fazer mal ao homem controlando seus atos sexuais e entrando pelo seu corpo, já que o seu espírito é governado por Deus. A sexualidade era tida, portanto, como o ponto mais vulnerável dos homens, através do qual o diabo se apropriava do seu corpo e de sua alma. Acreditava-se que as mulheres eram especialmente ligadas a sexualidade e, por isso, elas também se tornavam, aos olhos da Igreja, os principais alvos e agentes de Satã. Segundo o Malleus, Lúcifer é o senhor do prazer e para fornecer poder as feiticeiras, copula com elas.  

Da Alta Idade Média para a época Moderna essa corrente misógina desembocou, irreversivelmente, como justificativa para a grande “caça às bruxas”. Nesse contexto, o Malleus Maleficarum, reimpresso quatorze vezes até 1520, e mais quatorze vezes entre 1520-1600, serviu como roteiro primordial de inquisidores, juízes e magistrados em seus tratados e processos contra as feiticeiras. Baseado em um vastíssimo conjunto de autores cristãos e pagãos, a obra enunciava todos os possíveis vícios e defeitos das mulheres, tidas como: patrocinadoras do pecado no mundo; donas de uma sexualidade desenfreada; fracas e débeis por natureza; e, por conseguinte, mais suscetíveis aos propósitos de Satã.

O historiador Brian Levack (1988) observou uma ligação explícita entre o medo da rebelião e a crença culta na bruxaria organizada nos séculos XV-XVII na Europa. A bruxa, para essas sociedades, representou uma essência de rebeldia, pois, como adoradora do Diabo, ela também fez parte de uma conspiração política contra o Reino de Deus, praticando, assim, uma traição sem perdão. Quando apontamos um dedo para alguém, outros três se viram para nós. Quanto mais repressão, mais medo, mais reação, não necessariamente nessa ordem. Não só os ataques constantes em toda a história do Brasil geraram uma organização do povo de terreiro, das mulheres, do movimento de pessoas negras, em resistência à ofensiva, mas também o próprio crescimento do caráter político desses grupos, seu engajamento em lutas coletivas, causa uma maior opressão. Esses fatores acontecem simultaneamente, de forma espiralar, do período colonial até os dias de hoje.

As mulheres ainda permanecem reféns das dicotomias, espremidas entre serem noivas de Cristo ou putas, santas ou bruxas/loucas. Ao mesmo tempo em que, mulheres negras como Rosa, destacam-se como lideranças políticas de suas comunidades e são responsáveis pelo sustento das suas famílias e o cuidado com crianças e idosos. Sempre com muito trabalho, inclusive não remunerado, e muito cansaço dentro do papel incessante de cuidadoras. Na caminhada contra o racismo, a desigualdade social e o machismo no Brasil: quantas Rosas elegemos e destruímos cotidianamente? Os desafios ainda são imensos.

Contudo, como disse a Estação Primeira Mangueira em 2019: “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês”. O que a Viradouro - o carnaval - fez foi transformar o ato profético, sagrado e profano, das revelações de Rosa em arte e vida, contrariando o projeto de morte genocida colonial e capitalista. É tempo de reparar, e como, brilhantemente, disse o escritor Ailton Krenak (2019): é preciso adiar o fim do mundo para contar mais história. Ainda que elas não estejam dadas, que existam lacunas nas narrativas e que faltem dados e informações que nos ajudem a reconstruir os fatos, nós precisamos fazer o caminho de volta para costurar as narrativas, aproveitar os indícios e, se preciso, “criar histórias no espaço do silêncio”, como defende a professora Saidya Hartman (2021), para conhecer/construir biografias de pessoas negras. Possibilidade que nos permite (re)contar os horrores do Tráfico Transatlântico Negreiro e também a “imensidão do esforço, fé e criatividade necessários para se sobreviver” a ele (GLEDHILL, 2020, p.740).

E como a trajetória de Rosa Egipcíaca tem me inspirado todos os dias desde que me propus a escrever esse texto, eu não poderia terminá-lo sem levar em conta também a mística que me cerca, meus sonhos e premonições. Desde que me debrucei nos documentos para ler sobre sua vida, uma cantiga – cantada dentro dos terreiros de umbanda e candomblé aqui do Sudeste – não me sai da cabeça. A letra diz:

O povo queria matar uma mulher

O padre não concordou

E a rezou com muita fé

Ele era pecador

E na fogueira morreu junto

Foi parar lá no inferno

Aquele casal de defunto

Ele se juntou a cinzas

Gargalhou a Luz da Lua

A mulher virou Mulambo

E o padre seu Tranca Ruas

Foi condenada

Pela lei da inquisição

Para ser queimada viva

Sexta-feira da paixão

O padre rezava

E o povo acompanhava

Quanto mais o fogo ardia

Ela dava gargalhada

(Ponto de D. Maria Mulambo - Lei da Inquisição)

Até onde sabemos, o padre que acompanhava Rosa não colocou sua vida em risco para defendê-la, tal como fez Seu Tranca-Rua[4] com Dona Maria Mulambo, de acordo com os versos acima. A história dessa pombogira – que dizem ser europeia, mas depois de tantos cruzamentos de povos no Atlântico expandiu certamente sua família/falange - tem pontos de encontro com a da santa aclamada pelo povo no Rio de Janeiro do século XVIII. Conta-se que D. Mulambo era uma rainha rica que distribuiu suas riquezas aos pobres e escolheu se tornar plebeia para ter liberdade, já que seu marido a violentava constantemente. Assim, ela se apaixona por outro homem e por amor, ao par, mas, principalmente, por ela mesma, larga todo luxo e vai “ganhar as ruas”. Rosa não era rica, ainda que tenha sido coroada como rainha por muitos, mas era uma “escrava de ganho”, que se prostituía, e também decidiu dar tudo que tinha para recomeçar a vida, neste caso com o propósito religioso. Encontrou o padre Xota-Diabos no caminho e dizem que eles então se apaixonaram, mas oficialmente a relação era apenas de mentoria espiritual. Rosa tornou-se santa, pela escolha do povo, e bruxa pelo julgamento da igreja, e D. Mulambo, após morrer, tornou-se pombogira. Figuras que condensam, dessa forma, diferentes lugares de poder e subversão à ordem/ aos padrões estabelecidos. Certeza de que não desapareceram, pois estamos aqui falando, pensando e escrevendo sobre elas. “Quanto mais o fogo ardia, elas davam gargalhadas”: no período em que a igreja considerava o riso uma postura diabólica e teólogos pregavam que gargalhar era feio, indecoroso e perigoso. Sim, talvez nada as defina melhor do que o adjetivo P-E-R-I-G-O-S-A-S, mulheres da rua e de casa, que ganharam o sustento com seu trabalho e lutaram por liberdade, ainda ajudando outras pessoas que necessitavam, devotas do amor, nas suas mais variadas possibilidades, e importantes líderes de suas comunidades. Alivia-me quando o mestre Antônio Bispo Santos diz que

[...] trabalho com a imagem de quem venceu. Mesmo que queimem a escrita, não queimam a oralidade, mesmo que queimem os símbolos, não queimam os significados, mesmo que queimem os corpos, não queimam a ancestralidade. Porque as nossas imagens também são ancestrais [...] E o que é contracolonizar? É reeditar as nossas trajetórias a partir das nossas matrizes. E quem é capaz de fazer isso? Nós mesmos! (SANTOS, 2018, n.p.).

O chamado está (re)feito! Sigamos! Somos todas Rosas, Marias, Mulambos, Anastácias, Carolinas, Dandaras, Aqualtunes, Luzias, Joanas, Custódias, Marielles, Padilhas, Rosas, Josefinas...

Longa história[editar | editar código-fonte]

Trazemos mulheres de outros tempos na fala

Uma intrépida dicção nos afaga

Há mais nós do que solturas

Em nossa conexão afiada

Pensou que estivéssemos mortas?

As nossas histórias são nítidas

Ainda que subestimadas

Vivemos na combalida

Memória de luta

Das nossas antepassadas

Nossa feitiçaria é sagrada

Mandinga boa é aquela que vinga

Nos recusamos a abolir a raiva!

Seremos as loucas

Fortemente armadas

E amadas

Pelas outras tantas

Que se sentirão chamadas...

Vamos recomeçar a estrada

Voltar ao centro da encruzilhada

Com pele de búfalo, espelhos e adagas!

Em nossos ventres

Há mais vontade do que medo

E nem poderia ser diferente

Nossa responsabilidade é arar a terra

E espalhar as sementes

Somos fêmeas matriz

Cheias de garras, gritos e dentes!

(Carolina Rocha / Dandara Suburbana)


*Carolina Rocha é de Xangô, escritora, ativista e historiadora. Doutora em sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos – IESP/UERJ. Mestre em história social pela Universidade Federal Fluminense. Autora do livro: O Sabá do Sertão: feiticeiras, demônios e Jesuítas no Piauí colonial (2015). Seus temas de pesquisa versam em torno das relações étnico raciais no Brasil, estudos de gênero, religiosidade e violência no espaço urbano. Publicou nas coletâneas: “Inovação Ancestral de Mulheres Negras" (Oralituras, 2019); “Elas e as letras: insubmissão ancestral” (In-Finita, 2021); Cadernos Negros volume 43, Poesia (Quilombhoje, 2021); dentre outras. É co-organizadora do ebook Laboratório de Narrativas Femininas (Sesc RJ, 2022). Idealizadora da Ataré Palavra Terapia, uma comunidade de incentivo à escrita criativa, política e terapêutica, com foco em narrativas negras. Faz publicação de textos autorais na página Dandara Suburbana. Realiza palestras por todo Brasil dialogando sobre racismo, memória, ancestralidade, escrita, literatura negra e espiritualidade de matriz africana.

Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]

GINZBURG, Carlo. O inquisidor como antropólogo: uma analogia e as suas implicações. In: _________________. A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991, p. 203-14.

GLEDHILL, Sabrina. Travessias no Atlântico Negro: reflexões sobre Booker T. Washington e Manuel R. Querino. Salvador: EDUFBA, 2020.

HARTMAN, Saidiya. Perder a mãe: Uma jornada pela rota atlântica da escravidão. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2021.

KILOMBA, Grada. Memorias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

LORDE, Audre. Sou sua irmã: escritos reunidos e inéditos. São Paulo: Ubu Editora, 2020.

LEVACK, B. P. A caça às bruxas na Europa Moderna. Rio de Janeiro: Campus, 1988.

MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Bertrand do Brasil, 1993.

ROCHA, Carolina. O sabá do sertão: feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial (1750-1758). Jundiaí – SP: Paco Editora, 2015.    

SANTOS, Antônio Bispos dos. Somos da terra. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, número 12, página 44 - 51, 2018.

SILVA, Carolina Rocha. “A culpa é do diabo”: as políticas de existência na encruzilhada entre neopentecostalismo, varejo de drogas lícitas e terreiros em favelas do Rio de Janeiro / Carolina Rocha Silva. – 2021.

SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.


[1] Disponível em: https://luizmottblog.wordpress.com/artigos/rosa-egipciaca-uma-santa-africana-no-brasil/ (Consulta em 28/02/2023).[2] Povos e Comunidades de terreiro são aquelas famílias que possuem vínculo com casa de tradição de matriz africana – chamada casa de terreiro. Dessa forma, essas comunidades possuem uma cultura diferenciada e uma organização social própria, que constituem patrimônio cultural afro-brasileiro.

[3] Escrito por dois inquisidores dominicanos, Jacob Sprenger e Heinrich Kraemer, o Malleus Maleficarum (Martelo das Bruxas) foi uma obra escrita no século XV para orientar os casos de julgamento pelo crime de bruxaria na Europa. É um dos manuais de demonologia mais famosos da época, considerado um “marco”, pois nele há sustentação teórica que, nitidamente, defende que o gênero feminino é mais propenso a pactuar com o Diabo. Logo, nessa ótica, a bruxaria era praticada, majoritariamente, pelas mulheres.

[4] Os Exus cultuados na umbanda são espíritos que viveram no mundo carnal dos homens e após a morte passaram a incorporar seus espíritos em médiuns na forma de exus (entidade masculina) e pombagiras (entidade feminina) para fazer trabalhos espirituais de caridade e evoluir espiritualmente. Por ainda estarem em processo evolutivo, são apegados à vida terrena e, em alguns casos, podem beber e fumar. Seu caráter não é plenamente definido, portanto, devem ser doutrinados pelos pais de santo para propagarem a prática do bem. Exus são, por isso, subordinados intermediários entre o mundo terreno (ayé) e o mundo dos deuses (orum).