"A Expansão das Milícias no Rio de Janeiro: uso da força estatal, mercado imobiliário e grupos armados" (Resenha)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco


Resenha sobre o trabalho produzido por Hirata et al[1], no qual pesquisardores especialistas em segurança pública, violência urbana, mercados e planejamento urbano buscaram explicar os fatores que possibilitam o processo de expansão das Milícias no município do Rio de Janeiro e Região Metropolitana, contribuindo para o debate sobre políticas de segurança e planejamento urbano através da análise da relação entre a regulação de mercados e a expansão destes grupos armados.

Autoria: Luiz Henrique Campos

Sobre[editar | editar código-fonte]

Este texto é produto final de uma pesquisa realizada pela parceria entre o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos – GENI/UFF e pesquisadores do Observatório das Metrópoles e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – IPPUR/UFRJ, onde especialistas em segurança pública, violência urbana, mercados e planejamento urbano buscaram explicar os fatores que possibilitam o processo de expansão das Milícias no município do Rio de Janeiro e Região Metropolitana, contribuindo para o debate sobre políticas de segurança e planejamento urbano através da análise da relação entre a regulação de mercados e a expansão destes grupos armados.

Resumo dos Principais Argumentos[editar | editar código-fonte]

Os pesquisadores analisaram três bases de dados respeitando um recorte temporal entre 2007-2020, período considerado significativo em termos da expansão de grupos milicianos. Os dados analisados foram da “Base de operações policiais do GENI/UFF”, do “Mapa dos Grupos Armados no Rio de Janeiro – elaborado pela parceria entre o GENI/UFF, datalab Fogo Cruzado, o Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP e a plataforma digital Pista News –, e da Base da Secretaria Municipal de Urbanismo – SMU, que reúne dados sobre licenciamentos e legalizações de edificações, organizados pelo Observatório das Metrópoles.

Cruzou-se dados relativos às “operações policiais”, às “unidades imobiliárias licenciadas”, a “localização de condomínios do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV” e às “unidades imobiliárias legalizadas”, onde identificou-se a frequência de operações policiais distribuídas de acordo com Regiões Administrativas e com grupos armados que controlam territórios, facções (CV, ADA e TCP) e grupos milicianos.

Junto aos dados quantitativos foram analisadas aproximadamente oito mil denúncias de 2019 do Disque-Denúncia, e interpretados dados etnográficos de dois trabalhos de campo realizados por pesquisadores do GENI/UFF em condomínios do PMCMV e em uma favela sob controle miliciano, ambos localizados na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

O conjunto dos dados analisados permitiu aos pesquisadores demonstrar um duplo favorecimento das Milícias pelo Estado: por um lado, há uma “vantagem política”, no que diz respeito às práticas de segurança pública, com uma menor incidência de operações policiais em territórios controlados por Milícias em oposição a uma maior frequência de incursões policiais em territórios controlados por facções, com destaque para regiões sob domínio do CV. Por outro lado, há uma “vantagem econômica”, tendo em vista que as regiões sob controle miliciano apresentam a maior taxa de “unidades imobiliárias licenciadas” e concentram maior número de condomínios do PMCMV que contemplam a Faixa 1 de financiamento. Nesse caso solidifica-se a base econômica das Milícias, com o aumento dos ganhos desses grupos armados com o aquecimento do mercado imobiliário através da execução de obras ilegais e os acordos firmados para sua posterior legalização, além do controle e gestão do cotidiano de conjuntos habitacionais. Em suma, o trabalho demonstrou que as Milícias são favorecidas no que diz respeito às políticas e práticas estatais de segurança pública e urbanização nas várias dinâmicas que possibilitam a expansão de seu poder sobre o controle de territórios do Rio de Janeiro.

Apreciação Crítica[editar | editar código-fonte]

A reunião de especialistas em segurança pública e planejamento urbano produziu uma análise sofisticada sobre a expansão das Milícias e sua relação com o processo de produção do espaço urbano na cidade do Rio de Janeiro, aliando dados quantitativos que permitiram mapear esta expansão e sua vinculação com as práticas estatais relativas à segurança pública e à regulação da terra urbana, com dados etnográficos que demonstraram o “modus operandi miliciano”, ou seja, como são mobilizadas táticas e estabelecidos acordos cotidianos de modo a fluir a expansão do controle desses grupos armados e a realização de seus objetivos.

Ademais, embora não tenha sido a ênfase do estudo, seus achados permitem pensar políticas públicas de segurança e habitação sob a ótica de uma Socioantropologia das Infraestruturas, onde a produção e controle de infraestruturas urbanas são elementos centrais e servem como chave-analítica para entender a interação entre grupos e atores sociais específicos, com as políticas públicas vividas e a gestão das rotinas das populações.

Referências[editar | editar código-fonte]

ARAÚJO SILVA, Marcella de. House, tranquility and progress in an area de milicia in Rio de Janeiro. Vibrant: Vir-tual Brazilian Anthropology. Brasília, v. 14, n. 3, 2017.

BENMERGUI, Leandro; GONÇALVES, Rafael Soares. Urbanismo Miliciano in Rio de Janeiro. NACLA Report on the Americas, p. 379-385, 2019.

CANO, Ignacio; DUARTE, Thais. “No sapatinho”: a evolução das milícias no Rio de Janeiro (2008–2011). Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2012.

CARDOSO, Adauto Lúcio. O Programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital. Observatório das Metrópoles, 2013.

HIRATA, Daniel Veloso; GRILLO, Carolina Christoph; DIRK, Renato. Operações policiais e ocorrências criminais: por um debate público qualificado. Dilemas, sessão excepcional “Reflexões na pandemia”, 2020.

JUSTIÇA GLOBAL (ORG). Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2008.