História do mercado ilegal de drogas no Rio de Janeiro

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Autora: Kharine Gil.

Resumo[editar | editar código-fonte]

Esta publicação integra a monografia "Crianças e Adolescentes no Comércio Ilegal de Drogas" (2021) apresentada à Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Serviço Social.

Introdução[editar | editar código-fonte]

Analisando historicamente, as bases do mercado ilegal de drogas no Rio de Janeiro foram constituídas no início do século XX. No entanto, apenas no fim dos anos 1970, com a chegada de grande quantidade de cocaína no estado, esse mercado se ampliou e sofreu grandes transformações. Antes desse período, o comércio ilegal informal da cidade era protagonizado pelo jogo do bicho (MISSE, 1999). O autor Luke Dowdney (2004) identifica três momentos do tráfico e a formação das facções criminais nessa região, que podem ser separados como: "1) Antes da cocaína e do Comando Vermelho; 2) Os anos 80: a cocaína, o Comando Vermelho e a definição dos territórios; 3) Os anos 90: a continuação das disputas territoriais e o surgimento de novas facções." (DOWDNEY, 2004, p. 28).

Construção do mercado de drogas no Rio de Janeiro[editar | editar código-fonte]

Ainda na década de 1950, havia predominantemente a comercialização de maconha, que era consumida em poucas áreas da cidade, como favelas, prisões e áreas de prostituição. Já havia organização do comércio ilícito de drogas, porém sem padrões sofisticados. As pessoas envolvidas neste mercado possuíam armas para se proteger, entretanto, diferentemente de como acontece atualmente, com arsenais gigantescos e demonstração dos armamentos na favela, os sujeitos utilizavam no máximo revólveres de calibre 38 escondidos pela camisa. Além do mais, muitos dos comerciantes de droga eram moradores do território de venda e respeitavam os padrões locais, como a proibição da comercialização de drogas e o uso de maconha na frente de crianças. A cocaína já era vendida, porém em pequena quantidade (DOWDNEY, 2004).

No início dos anos 1980, em contexto da ditadura militar-tecnocrática, ocorreram algumas mudanças que transformaram os padrões e a estrutura organizativa do mercado ilegal de drogas no Rio de Janeiro, como a chegada da cocaína colombiana; a crescente ação policial, em consequência da ditadura, que era repressiva e violenta; a construção das facções de droga; e a utilização de armas militares (MISSE, 1999).

A partir desse contexto, a cocaína se tornou a principal fonte de renda desse mercado no Rio de Janeiro, dado que em comparação à maconha seu custo era menor e, com isso, havia mais rendimento financeiro. Além do mais, a cidade se tornou ponto de trânsito de exportação dessa substância para outras regiões, como Estados Unidos, Europa e África do Sul. Diante disso, houve uma reestruturação nesse sistema, com mudanças de organização, além da violência ter sido inserida e se tornado instrumento de dominação (DOWDNEY, 2004).

O Comando Vermelho[editar | editar código-fonte]

É possível dizer que um dos marcos da ampliação do mercado de drogas na cidade e alicerce da cultura de violência nesse sistema aconteceu por meio da consolidação do Comando Vermelho (CV). A criação desta facção ocorreu no fim dos anos 1970, no interior das prisões cariocas, onde alguns presos constituíram um grupo chamado Coletivo, que passou, posteriormente, a ser conhecido como Falange Vermelha e depois como Comando Vermelho (nomenclatura que a imprensa atribuiu ao grupo e se popularizou). Isso aconteceu porque os prisioneiros estavam buscando se organizar em prol de seus direitos dentro da prisão.

No que se refere aos modelos de organização iniciais da facção, há uma discussão relacionada aos aprendizados relativos aos métodos de organização dos presos políticos que foram encarcerados em virtude da ditadura militar. Nesse sentido, os grupos no interior do cárcere passaram a organizar o crime fora da prisão também (DOWDNEY, 2004).

A partir da segunda metade dos anos 1980, conflitos se tornaram frequentes no interior do CV, tendo como consequência cisões e violentas disputas por território. Dessa forma, outras facções foram constituídas na cidade a partir dos anos 1990, como o Terceiro Comando, o Comando Vermelho Jovem e o Amigo dos Amigos. À vista disso, mudanças foram observadas no comércio ilegal de drogas carioca, como o aumento por disputa territorial, o crescimento da violência nas favelas, a expansão do arsenal bélico e o recrutamento de crianças e jovens para as atividades relativas ao comércio de drogas (DOWDNEY, 2004).

Particularidades do Rio de Janeiro[editar | editar código-fonte]

Além disso, como aponta o autor Benjamim Lessing (2008), a organização criminal no estado do Rio de Janeiro possui enorme diferenciação de como funciona tais organizações em outros estados do país. No caso do Rio há em maior escala: os tipos de armamentos, como bazucas, metralhadoras e armamento antiaéreo; quantidade de pessoas recrutadas para o crime; quantidade de policiais e civis mortos nos conflitos armados; além da forma de organização das favelas em monopólio, com ampla dominação territorial da cidade (LESSING, 2008).

Cabe ressaltar também que, antes do advento das facções, os responsáveis pelo comercio ilegal de drogas não recrutavam mão de obra infantil para as atividades relacionadas ao comércio de drogas. Caso isso ocorresse, as crianças eram impossibilitadas de ter acesso a armas e eram direcionadas a posições de aviãozinho (transportadores de droga) ou olheiros. Havia a ideia de proteção infantil, tanto por meio de restrições no trabalho quanto por não permitirem que participassem de conflitos armados (DOWDNEY, 2004).

Desta maneira, é possível identificar como as transformações ocorridas desde os anos 1980 influenciaram imensamente o que diz respeito à incorporação de mão de obra infantil no mercado ilegal de drogas do Rio de Janeiro. A partir de 1993, as disputas entre as facções cariocas foram acentuadas, tendo como consequência a morte e a prisão de muitas pessoas adultas envolvidas neste comércio ilícito. Com essa situação, crianças e adolescentes substituíram as pessoas envolvidas no mercado de drogas mortas nos conflitos e passaram a ocupar funções que elas ocupavam anteriormente (DOWDNEY, 2004).

Considerações finais[editar | editar código-fonte]

É importante ressaltar que a escolha por denominar o conhecido "tráfico de drogas" como "mercado" ou "comércio", pontua a necessidade de olhar para esta rede como um mercado disposto de capital, negociações, relações de trabalho, compradores e vendedores. Ainda que esteja no ambiente da ilicitude, o comércio de drogas no Rio de Janeiro influencia nas relações sociais e sociabilidades da cidade e, com isso, percebe-se necessário aprofundar os conhecimentos em sua construção e sua continuidade.

Referências[editar | editar código-fonte]

DOWNDNEY, L. Crianças do tráfico: um estudo de caso sobre crianças em violência armada organizada no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004.

LESSING, B. As facções cariocas em perspectiva comparativa. Novos Estud. – CEBRAP. São Paulo, n. 80, p. 43-62, mar., 2008.

MISSE, M. Malandros, marginais, vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. 1999. 413. Doutorado em Sociologia. Instituto Universitário de Pesquisas no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. Disponível em: https://www.academia.edu/34634074/MISSE_M_MALANDROS_MARGINAIS_E_VAGABUNDOS_acumula%C3%A7%C3%A3o_social_da_viol%C3%AAncia_no_RJ. Acesso em: 23 de março de 2021.

Leia mais[editar | editar código-fonte]