Investigando os Trabalhadores do Funk Proibidão

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Conceito de Proibidão: Tronco de um movimento funk que é marginalizado e proibido por intencionar retratar e denunciar, por meio de canções, a realidade violenta contida nas favelas cariocas.

Autoria: Norma Miranda
Funk Proibidão

Sobre[editar | editar código-fonte]

O verbete busca dar atenção aos atores que compõem as favelas cariocas por meio do conhecimento da cultura funk como modo de expressão das suas identidades sociais, sentimentos e comportamentos. Bem como também visa ilustrar quem são os protagonistas das canções desta cultura que emergiu das sombras de um contexto violento. Reuniu-se informações em torno da história do nascimento do movimento, junto a elementos que visam jogar luz acerca daquilo que foi marginalizado por intencionar retratar e denunciar, por meio de canções, a realidade violenta contida nas favelas cariocas.

A identidade e o território[editar | editar código-fonte]

O funk (cultura que abarca a maioria de pessoas de favelas) torna-se um objeto apropriado de observação e percepção dos ruídos e demandas provenientes das favelas. São territórios não alcançados pelas políticas públicas governamentais e lugar exclusivo das ações letais das forças policiais. Podemos analisar este fato observando um relatório produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF), em 2022, onde somente no período de 2007 a 2021, foram realizadas 17.929 operações policiais em favelas na Região Metropolitana do Rio, das quais 593 terminaram em chacinas, com um total de 2.374 mortos. Isso representa 41% do total de óbitos em operações policiais no período.

A violência, que operava como código de honra e conduta nos anos 90 por meio dos festivais de galera [1]e depois por meio do baile de corredor 2], ganhou corpo e gerou os proibidões a partir do ano 2000. Levando em consideração a era digital e o acesso fácil a internet, duas coisas são facilmente passíveis de saber:

Os proibidões, que são as canções que divergem claramente da polícia e de sua forma letal de agir dentro das periferias, tem criado um grande núcleo de simpatizantes. A confirmação se dá por meio do número de visualizações das músicas no YouTube, por exemplo, que já chegaram a passar de 1 milhão em 24h.

Em segundo lugar, fica claro que esse movimento liderado por Mcs, que já foram perseguidos e presos pela polícia por apologia ao tráfico ou por crime organizado, não pode mais ser julgado como um ato criminoso.

Não caberia mais acreditar que 1 milhão de pessoas que visitam as plataformas de músicas no YouTube em um espaço de 24h possam ser criminosas. Isso nos leva a pensar que há um ponto sensível que nos leva a buscar compreender a adesão do povo em concordância com as letras. Letras que desejam o fim da polícia ou até mesmo a morte dos policiais.

As políticas públicas governamentais estão fracassando diante de muitos olhos e ouvidos digitais ou não. E os formadores de opinião (Trabalhadores do funk proibidão), criaram o embate digital como modo de extravasar emoções considerando a diáspora das favelas e os confrontos policiais como principais sujeitos das suas obras.


[1] Festival de galera era o nome que se dava aos encontros dos bailes funks que, organizados por equipes de som, semanalmente traziam um tema social midiático para as galeras (comunidades). Cada “galera” desenvolvia a sua própria criatividade para expressar o tema proposto através de maquetes, bolas coloridas e uma pessoa ficava incumbida de fazer um “grito” (uma música/rap voltada para o tema).

[2] As comunidades do Rio de Janeiro, dividiam-se a fim de se enfrentarem nos finais de semana em lados A e B. Inicialmente tal divisão para acontecer, não levava em consideração o tráfico de drogas e seu poder em territórios de Comando Vermelho, Terceiro Comando ou lugares considerados neutros. Porém a rivalidade ocorria fora dos clubes e as pessoas que residiam no lado A não poderiam transitar no lado B e vice-versa sob pena de linchamento ou morte.

A metáfora da guerra e o conflito[editar | editar código-fonte]

Na cena narrada por meio das letras, temos o Estado como protagonista. Ele exerce força externa sobre os indivíduos das favelas, é o detentor de diversas características de poder e seletivo na aplicação das leis. A máquina estatal segue violando direitos humanos, ao praticar chacinas e extermínios, racismos e autoritarismos sem medidas.

Com a finalidade de ilustrar a situação, temos abaixo os dados da favela da Maré:

“Entre 2017 e 2021 aconteceram 132 operações policiais e 114 confrontos entre grupos armado no conjunto de 16 favelas da Maré. Juntos, estes 246 momentos de confrontos causaram 157 mortes e interromperam por 94 dias o funcionamento das unidades de saúde e por 70 dias as aulas nas escolas da Maré em 05 anos. Os dados de violência apontam ao longo dos anos para um grave problema de segurança pública nesta região, que facilmente pode ser identificado em outras favelas do Estado do Rio de Janeiro.”

Fonte: https://www.redesdamare.org.br/congresso-seguranca-publica-na-mare

As canções remetem à metáfora da guerra presente em 3 três esferas:

- Pelo controle do narcotráfico, com a exaltação da facção local e rejeição pela rival. Revelando fortes sentimentos das pessoas pelo seu território e admiração pelos seus líderes locais.

- Econômica, quando a justificativa da guerra se mostra nos assaltos e está girando em torno do direito de reagir contra as populações que concentram mais bens ou possuem mais poder aquisitivo do que precisam. Aqui destaca-se a falta de compaixão, uma vez que eles recebem pouca ou nenhuma compaixão por estarem vulneráveis como pessoas ou como seres humanos propriamente dizendo.

- Guerra contra o “sistema” (Estado/polícia) que compõem para eles o seu inimigo maior, estando aqui o fio condutor das outras 2 objeções.

O conflito se concretiza no contexto de uma modalidade de penetração do Estado nos territórios de favelas sob uma ótima fundamentada na repressão e no extermínio de populações vulneráveis, ao invés de assegurar uma intervenção pautada na provisão de políticas públicas (saúde, educação, assistência social, cultura, lazer).

Partindo do princípio do público que encontra nas letras dos proibidões uma larga simpatia, seja por indivíduos componentes de favelas ou não, leva-se em consideração o ponto inicial da contradição. Contradição observada na ruptura com o parâmetro social de que o funk proibido era “coisa de favelado”. Localiza-se simpatizantes de outras classes sociais aderindo ao movimento, não mais apenas um público periférico já carregado de estigma, preconceito e sofredor da repressão policial.

Se não são assalariados ou pessoas em situação de miséria e vivendo o contexto da guerra civil, são grupos de outras classes prestando solidariedade numa diáspora aonde não chega educação, mas sobra violência.  Enquanto a mídia vende o sonho da felicidade sendo alcançada pelo poder da renda e quase não se encontra pobres ascendendo socialmente nestes locais, quando um favelado “vence” (economicamente) a favela atinge seu topo porque ganha “visibilidade positiva”. Isso ocorre por meio da ascensão dos Mc 's.

Onde fica o problema do racismo, quase não localizado no imenso material produzido durante um período de pouco mais de duas décadas? O que temos mais presente é a questão da luta de classe que se faz latente no projeto desenvolvido pelos M´cs.

O gênero musical traz muito para si o debate sobre o assunto das diferenças sociais, onde as comunidades locais têm suas próprias leis e regras, mas diferente do rap, não traz para a pauta a questão do racismo que condena e segrega milhares de jovens.

“Os moleques bons de dedo” estão metaforizando e fazendo escrevivências no material encontrado em seu entorno e usam a música como um veículo propenso para extravasar suas emoções, revoltas ou denúncias. Acredita-se que o sonho pela ascensão social suspendeu a pauta do genocídio da população negra e periférica.

A militarização da segurança pública[editar | editar código-fonte]

A militarização da segurança pública é um grande desafio para a democracia brasileira, uma vez que seu autoritarismo no atual quadro contempla no máximo uma semidemocracia. No trabalho desenvolvido por José Maria Pereira da Nóbrega Júnior em A MILITARIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA: UM ENTRAVE PARA A DEMOCRACIA BRASILEIRA, 2010. Nele está contido um estudo que versa sobre a segurança pública e seus mecanismos de operação da lei e da ordem, exibindo um legado militar autoritário contido na Constituição de 1988, que manteve inalterada a prerrogativa militar de intervir em assuntos internos, limitando o controle civil sobre os militares brasileiros.

II. OS MILITARES E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Na Constituição Federal de 1988, as cláusulas relacionadas às Forças Armadas, policiais militares estaduais, sistema judiciário militar e de segurança pública em geral, permaneceram praticamente idênticas à Constituição autoritária de 1967- 1969. Lei e ordem podem ter várias conotações; a interpretação da ordem interna por parte dos militares pode estar permeada por uma série de estímulos ideológicos. A garantia dessa ordem, ou dos poderes constitucionais, quando da solicitação de qualquer um dos três poderes da República (Executivo, legislativo ou Judiciário), pode não ser levada em consideração por parte dos militares. Se os três poderes não acharem conveniente ou necessária a intervenção dos militares para manter a ordem interna, mas estes, baseados na Constituição – que lhes dá poderes de garantidores da lei e da ordem interna –, acharem que devem intervir, prevalecerá a vontade castrense, daqueles que estão armados (ZAVERUCHA, 1998, p. 128). Por conseguinte, a autoridade suprema do Presidente da República perante os militares pode ter efeito nulo, sobretudo quando ele estiver fraco politicamente.

           Percebemos que a brecha do autoritarismo se configura nos três poderes. Será necessário lembrar que os militares possuem autonomia para agir, inclusive possuem também o poder de omitir fatos que os desagradam. Sendo os militares “os defensores da democracia e da ordem”, expurgam qualquer posição que não os seja favorável. Os abusos de poder obedecem a sua operacionalização principalmente nas favelas, onde entre os anos de 1990 até 2021 observou-se extermínios ativos com absurdas incursões promovendo chacinas em várias localidades do Rio de Janeiro. A justificativa estava entre manter a lei e a ordem ou o combate ao narcotráfico.

É nesse contexto de violência, que indivíduos permeados e feridos pela segurança pública, desenvolvem o principal material da nossa análise: o funk “proibidão e os trabalhadores desse movimento”.

Em Tempos de um capitalismo carregado de crenças e valores e que se sobrepõe às outras causas, o funk proibido serve de morada para um núcleo em busca de generosidade financeira combinado com prestígio social. Na obra: TEMPOS FRATURADOS: Cultura e Sociedade no século XX; HOBSBAWN, Eric, 2013. Enquadramos o nosso objeto no que diz respeito as sociedades de consumo de massa, sendo ela impensável sem a revolução tecnológica. Junto a isso o assunto sobre o capitalismo, que suprime lutas em torno de outras causas sociais, se faz presente e colabora para a compreensão da investigação aqui trazida.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Funk Proibidão - Música e Poder nas Favelas Cariocas

Funk das antigas - episódio 19 (programa)

Baile Funk