Jorge Santos: uma ligação com a terra, moradia e pertencimento
Autoria: Euro Mascarenhas - Núcleo Piratininga de Comunicação.
Resumo[editar | editar código-fonte]
Nascido em uma família de 7 irmãos, o capixaba Jorge Santos, natural da pequena cidade de São José do Calçado – ES, fez do contato com a roça uma fonte de inspiração para as lutas que enfrentaria na cidade grande. Durante sua infância, ele afirma que nunca passou fome, a principal dificuldade era a escassez de recurso financeiro.
Trajetória[editar | editar código-fonte]
Ao longo de 6 meses do ano, junto com o pai e os irmãos, Jorge plantava o que seria de consumo da própria família, no outro ciclo de 6 meses, plantava-se o que seria vendido com o objetivo de ajudar a economia da casa. Na roça do pai tudo se cultivava: arroz, feijão, café, banana. Cada irmão recebia dez sacos de algo produzido pela família para que eles pudessem vender nas feiras da região.
Com muito esforço Jorge conseguiu se formar na escola, entre muitas idas e vindas. O pai e a mãe não podiam levar ele e os irmãos para a escola, quando chegava o período de chuva era muito difícil para uma criança conseguir se deslocar, sendo assim, ele acabava por abandonar os estudos, mas sempre que possível retornava. Foi assim até completar tudo com 18 anos.
Jorge chegou a se formar em contabilidade, mas foi uma aventura que durou pouco, pois a sua vocação era mesmo cuidar da terra, precisava estar com as mãos nela. A formação em contabilidade o fez ir para o Rio de Janeiro. A convite da irmã, Jorge vai para a capital fluminense, isso depois dela muito insistir. Ainda que tudo o que precisava estava na vida de agricultor em sua cidade, Jorge mudou-se junto com a mulher e filha.
No Rio, ele chegou a trabalhar numa rede de lojas como contador, o patrão era um português. Definitivamente não era o que queria. Ouviu muito do chefe que a vida da roça havia ficado para trás, e que ali as coisas eram diferentes. Voltou para o trabalho na terra, mas descobrindo uma nova forma de lidar com ela, a jardinagem.
Com o dinheiro que conseguiu obter no trabalho anterior, Jorge construiu sua própria casa na região oeste da cidade do Rio, Vargem Grande. Até se fixar ali, passou por outras favelas da mesma localidade. Jorge levou 16 anos para erguer seu teto.
O choque de realidade: “eu achava que era dono de alguma coisa”[editar | editar código-fonte]
No local em que Jorge fixou moradia formou-se a Vila Recreio II, ali ele acreditava que viveria uma rotina de ir para o trabalho, chegar em casa, tomar um banho, assistir o Jornal Nacional, depois dormir e no dia seguinte levantar e começar tudo de novo. Jorge descobriu que além de tudo isso ele precisaria brigar para provar que tudo aquilo era dele. “Eu achava que era dono de alguma coisa. E fui descobrir que não era dono quando chegou um cara, na época o Cesar Maia, com máquinas, arrancando tudo. Aquilo me deu um choque de realidade” (Jorge Santos).
Foi neste momento que Jorge e os demais moradores de comunidades que vinham sofrendo com ameaças de remoção, na região de Jacarepaguá, se uniram e criaram o MUP – Movimento de União Popular. O objetivo do movimento era resistir às investidas da Prefeitura em remover os moradores, além de exigir políticas públicas pautadas nas exigências da população local.
O envolvimento com a luta por moradia abriu para Jorge um caminho de conscientização e formação política, além de abrir portas em outras organizações importantes, como a Defensoria Pública. Outro desdobramento importante foi a aproximação de Jorge com a comunicação popular, algo que se deu através do Núcleo Piratininga de Comunicação, grupo que busca ajudar movimentos sociais e sindicais a exporem suas ideias, realidades tendo a comunicação como principal estratégia.
Muitas coisas se conectaram para Jorge a partir de todo esse engajamento que passou a ter, por exemplo, a ida dele para Vargem Grande. Por se tratar de uma região rural do Rio, ele acabou tendo uma identificação muito grande. Jorge também entendeu por que abandonou o trabalho com contabilidade e preferiu dedicar-se à jardinagem, isso era uma forma dele manter uma maneira de viver que lhe era intrínseca. Era a possibilidade de falar com pessoas que tinham a mesma linguagem e vivência, que também eram da terra.
Para coroar toda a mobilização do Movimento de União Popular, em 2002 os moradores conseguiram incluir no plano diretor da cidade, as favelas de Jacarepaguá. Inicialmente a prefeitura não havia posto, visando uma brecha para removê-las mais facilmente.
Devido a ameaças, o MUP se enfraqueceu. Um a um, os moradores que estavam envolvidos de forma ativa se viram perseguidos e desprotegidos. Mesmo assim o enfrentamento entre a população e prefeitura foi grande. Um embate que chegou até a gestão Eduardo Paes.
A Vila Recreio II foi alvo de remoções devido às obras de instalação do BRT, projeto de corredor de ônibus do município do Rio. Por fim, o local em que a pista foi construída ficou longe de onde eram as casas, ainda assim, os escombros das residências ficaram jogados ao redor da estrada. Jorge Santos foi um dos moradores que resistiram até o fim. Ele não aceitou a proposta da prefeitura de receber uma nova casa, muitos moradores da Vila Recreio II, que acolheram a ideia, foram morar a 40 km de onde estava a comunidade.
Jorge preferiu ir para a Vila Taboinha, que fica a poucos metros de onde era a Vila Recreio II. “Quando o poder público tira a casa da pessoa, isso é o menor que ele tira. Ele tira a sua raiz, o seu trabalho, a sua convivência. Ele tira as suas amizades, o posto de saúde, a igreja que você frequenta. O seu pertencimento” (Jorge Santos).
Novas raízes e a retomada do MUP[editar | editar código-fonte]
Em Vila Taboinha Jorge reconstrói sua casa, paralelamente o Movimento de União Popular volta a tomar forma, não dava mais para ficar no lamento. O grupo retoma as discussões sobre plano diretor da cidade, a necessidade de formar políticas públicas que interessem à população local com a participação dos moradores.
Um exemplo da reorganização dessa luta é a tentativa de impedir a construção de prédios acima de 20 andares em Vargem Grande, a ideia é valorizar a vocação rural da região e fortalecer o modo de vida da sua população.
Ao mesmo tempo, Jorge Santos começou a trabalhar com a criação de hortas urbanas, uma atividade que tem como um dos objetivos principais facilitar a distribuição dos alimentos nas cidades, diminuindo o consumo de agrotóxicos e contribuindo para o meio ambiente.