Monica Cunha (PSOL - RJ) Riachuelo - RJ
Vereadora Suplente da cidade do Rio de Janeiro, pelo PSOL, com 7253 votos. Fundadora do Movimento Moleque, tem 56 anos e foi eleita vereadora suplente para atuar a partir do ano de 2023.
Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Este verbete faz parte do relatório "Favelados no parlamento", produzido pela equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Biografia[editar | editar código-fonte]
“Sou Monica Cunha, mulher preta, mãe de três filhos, defensora de direitos humanos e feminista. Nos anos 2000, meu filho Rafael se tornou adolescente autor de ato infracional e passou a cumprir medida socioeducativa no DEGASE – minha vida mudou completamente. Junto a outras mães que passavam pelo mesmo, fundei o Movimento Moleque em 2003 para agir contra violações do sistema socioeducativo. Atuei também no Centro de Defesa Fundação Bento Rubião onde intensifiquei minha ação como técnica em educação. Na caminhada conheci a organização Criola. Lá aprendi mais sobre a população negra e a nossa força no enfrentamento ao racismo. Em 2006 sofri minha maior perda: meu filho Rafael foi executado pela polícia. Encontrei entre mulheres suporte para fazer do “Luto, a Luta” por justiça. Com a eleição de Marielle para vereadora, fui convidada pelo Dep. Estadual Marcelo Freixo a compor a CDDHC ALERJ. Em 2019 passei a trabalhar no mandato de Renata Souza e a atuar como coordenadora da CDDHC ALERJ.”
A vereadora tem por origem o bairro Riachuelo, localizado no grande Méier. Os bairros integrantes desta região administrativa são: Abolição, Água Santa, Cachambi, Encantado, Engenho de Dentro, Engenho Novo, Jacaré, Lins de Vasconcelos, Méier, Piedade, Pilares, Riachuelo, Rocha, Sampaio, São Francisco Xavier e Todos os Santos.
Mônica começou a trabalhar com a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência quando o seu filho de então 15 anos de idade, Rafael da Silva Cunha, foi detido após realizar um assalto. Ele foi colocado sob medidas educacionais e correcionais pelo Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE), uma instituição que abriga adolescentes que cometeram pequenos delitos. Após testemunhar as péssimas condições no centro correcional, Mônica começou a denunciar abusos cometidos por agentes de segurança, violência policial e discriminação contra jovens afro-brasileiros. Depois de três anos, Rafael obteve permissão de voltar à casa; no entanto, em 5 de dezembro de 2006, ele foi assassinado por policiais em Riachuelo. Nenhuma investigação foi aberta.
Mônica Cunha é uma defensora de direitos humanos brasileira que trabalha na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Em 2003, ela fundou o “Movimento Moleque”, uma organização para mães de crianças que foram ameaçadas, atacadas ou mortas pela polícia. O Movimento Moleque é parte da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, uma organização que dá apoio a pessoas que são vítimas de violência estatal ou policial, e para seus familiares.
Os desafios e ameaças enfrentados pelos/as defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil continuam muito elevados, particularmente para aqueles/as que trabalham em questões sobre a terra, o meio ambiente, os povos indígenas, os direitos LGBTI, a corrupção e a impunidade.
PAIS E MÃE DE VÍTIMAS DO ESTADO COM MONICA CUNHA 50.007
Para preto é tiro, Covid e fome – Por Monica Cunha[editar | editar código-fonte]
(Texto de Mônica Cunha publicado na Revista Fórum em 25/04/2021)
Preto, pobre e favelado, no Brasil, conhece muito bem a realidade de fome e violência que assola o país. Sobrevivemos enquanto povo negro a 500 anos de desrespeito, desumanização e extrema desigualdade, sofrendo com estupros, torturas, terror e morte durante todo esse período.
Apesar dessa infeliz constatação, persistem no Brasil setores incapazes (ou que preferem se fingir de) de reconhecer o ciclo de violência e negação de direitos que os quase quatro séculos de escravidão, ainda hoje, provocam. Não há diferença entre aqueles senhores de terras, nos séculos XVI a XIX, que expropriavam o trabalho dos negros escravizados e as pessoas que hoje negam o racismo estrutural como traço marcante da desigualdade na sociedade brasileira. Ambos se mostram incapazes de ler a realidade a sua volta e ver no outro (negro) um semelhante. A sua omissão, hoje, permite, assim como no passado, a legitimação do genocídio da juventude negra, o sofrimento e as torturas decorrentes do encarceramento em massa, entre outras graves violações.
A crise da Covid-19 veio desnudar ainda mais o impacto que o racismo estrutural tem na luta pela sobrevivência do povo preto. Se de 2003 a 2014 políticas públicas foram capazes de reduzir as desigualdades entre brancos e negros, embora ainda timidamente, a partir de 2016 essa desigualdade volta a crescer, com uma política de austeridade, seguida pelo desmonte das políticas sociais após o teto de gastos e demais políticas neoliberais. E é durante este processo de desmonte e sucateamento das políticas sociais que se inicia a maior crise sanitária da História recente da humanidade.
O povo preto, por ser a maioria das pessoas que dependem do SUS para acessar qualquer serviço de saúde, foi impactado de forma mais grave do que os brancos. Para se ter ideia, entre as pessoas negras internadas, 33% morrem, quando este índice entre brancos é de 22%. Esses dados podem ser entendidos a partir da política de desmonte dos serviços públicos de saúde.
Da mesma forma, somos os que mais sofreram com a crise econômica que advém da crise sanitária. Os índices de desemprego entre negros cresceram mais que entre brancos e somos maioria entre os trabalhadores informais.
Em 2020, após muita luta no Congresso Nacional para garantir o auxílio emergencial de R$ 600, foi possível aliviar parte do sofrimento dessas pessoas, mas com a chegada de 2021 e o corte definitivo do auxílio, multiplicaram-se as pessoas em situação de rua, quase todas negras.
Neste ponto, uma cena que vi na televisão me chocou: uma mulher, negra, que teve que pedir a um feirante para levar os pés de galinha para ter o que dar de comer para seus filhos. Lembrei-me, mais uma vez, dos escravizados que tinham que se alimentar com as sobras e descartes da casa grande. Mas lembrei também que foram esses mesmos homens e mulheres que, com estas sobras, foram capazes de resistir e criar a feijoada, demonstrando que a luta pela sobrevivência pode, e deve, ser também criativa.
Se não bastasse sermos as maiores vítimas da Covid-19 e aqueles mais impactados pela crise econômica, ainda temos que conviver com o aumento de mortes praticadas por agentes do estado nas favelas no Rio de Janeiro. No último bimestre de 2020, houve um aumento de 161% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Um verdadeiro absurdo!
Covid, fome e tiro. É disso que falamos quando mencionamos a palavra resistência. Somos as maiores vítimas destas três mazelas e é por isso que não cansamos de afirmar que o povo negro luta há 500 anos pela sua sobrevivência.
Luta esta que nos toma de um senso de urgência e imediatismo, mas que não pode nos tirar o foco da luta coletiva e da superação deste ciclo de opressão chamado racismo.
Luta, nosso sobrenome!!!!
Monica Cunha é ativista negra, fundadora do Movimento Moleque e membra da Coalizão Negra por Direitos
Primeiros passos[editar | editar código-fonte]
Por Paula Guimarães, 1 de abril de 2018.
"Deram quatro tiros numa mulher negra, vereadora (Marielle Franco), mas por quê? Ela contemplava pautas das mulheres negras e de toda uma população. Porque ela também falava dos nossos filhos que eram assassinados, do genocídio, dessa máquina que nos mói todo dia."
- Monica Cunha
Monica continua a contar a idade do filho mesmo depois do assassinato dele aos 20 anos, pela polícia civil em 2006. Durante uma conversa em frente ao mar da Ilha de Itacuruçá, distrito de Mangaratiba (RJ), Monica falou sobre a dor de perder o filho jovem, e de reviver a indignação e o luto com a execução da amiga e colega de militância, Marielle Franco.
“Essa sociedade e país racista entendem que lugar de negro é estirado no chão com uma bala. E isso a gente viu mundialmente com a execução da vereadora Marielle Franco. Deram quatro tiros numa mulher negra, vereadora, mas por quê? Ela contemplava pautas das mulheres negras e de toda uma população. Porque ela também falava dos nossos filhos que eram assassinados, do genocídio, dessa máquina que nos mói todo dia. Marielle teve a audácia de achar que poderia ser diferente com ela”, aponta a militante.
Seus primeiros passos no ativismo foram dados com a idealização do Movimento Moleque, que há 15 anos mobiliza mães e familiares de adolescentes e jovens cumpridores de medidas socioeducativas. Diariamente dedica-se ao trabalho no projeto “Justiça para mulheres negras”, desenvolvido pela organização Criola, e na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde acolhe denúncias de violações de direitos. Marielle também exerceu a função de escuta por oito anos à frente da coordenação da comissão, presidida pelo deputado Marcelo Freixo (Psol). Foi nesse espaço que as duas mulheres se conheceram.
O convívio mais próximo se deu durante a campanha política da vereadora. “Ela pediu meu apoio quando se lançou na política partidária. Passamos um ano muito coladas, fui conhecendo melhor aquela potência, aquele mulherão no sentido de ser grandona e assertiva nas suas colocações. No pouco tempo como vereadora, ela conseguiu dar início a todas as pautas que defendeu, demonstrou que não veio para brincar. Em nenhum dia deixou de jogar na cara daqueles racistas, machistas e fascistas que não iria deixar de ser a pessoa que era, que sempre ia falar como uma mulher negra, de favela e lésbica. Isso incomodou muito”, conta.
Dez anos depois do assassinato do filho, Monica deu início a outro movimento, o Café das Fortes, que reúne cerca de 20 mães de vítimas do Estado para trocar experiências, falar sobre racismo e buscar forças para lutar por reparação. Recentemente, o projeto recebeu recurso destinado a ações de autocuidado do Fundo Elas.
O Café das Fortes[editar | editar código-fonte]
“O Café das Fortes surgiu para tentar aliviar essa dor e entendê-la entre a gente que sofre. A gente precisa de terapia, trabalho, amigas e relacionamento amoroso. Mas, principalmente, precisamos estar entre nós. Quando falamos pra quem não viveu isso, nos tornamos fracas, repetitivas, enjoadas. O café é momento de formação não só para conviver com a dor, mas também para buscar justiça à essa dor”, explica.
A maioria das mães que participa do Café aguarda resposta da Justiça sobre o assassinato de seus filhos. O processo criminal contra o Estado pelo assassinato de Rafael Cunha foi arquivado por falta de provas. Na certidão de óbito consta que ele foi morto em um “auto de resistência” – quando um suspeito morre em confronto com a polícia.
“Meu filho morreu de joelhos e mãos pra cima, o que é uma covardia. Olhando nos olhos dele os policiais disseram ‘chegou sua hora’. Eles me entregaram um menino de 20 anos num plástico cinza, uma vida ceifada e uma dor na alma pra sempre. Foi isso que o Estado meu deu, quando eles decidiram que adolescente infrator tem que pagar com a vida”.
O termo “auto de resistência” foi criado durante a ditadura militar para impedir que policiais fossem presos em flagrante por homicídio. Em 2016, uma resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia, órgão da Polícia Federal, e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil, definiu a abolição dos termos*. Porém, a prática justificada indiscriminadamente como legítima defesa passou a ser chamada de “homicídio decorrente de oposição à ação policial”.
De acordo com estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP), em janeiro deste ano, o Rio de Janeiro bateu recorde desse tipo de assassinato com 154 mortes. Um aumento de 57,1% em relação ao mesmo mês do ano passado. Durante 2016, 4.224 pessoas foram mortas pelas polícias civil e militar no país, conforme o Anuário da Violência do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Cerca de 90% eram homens, 81,8% tinham entre 12 e 29 anos, e 76,2% eram negros.
Monica narra ao Catarinas sua trajetória de engajamento social motivada pela apreensão do filho aos 15 anos, no antigo Instituto Padre Severino, unidade do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas). Ela foi mãe aos 18 anos, e aos 25 separou-se do marido, pai dos três filhos.
Medida socioeducativa
Aos 15 anos, meu filho se tornou autor de ato infracional no estado do Rio de Janeiro. A entrada dele nesse lugar foi uma surpresa, pois eu não conhecia nada dos meandros da justiça juvenil ou mesmo do sistema de justiça. Nem sabia que havia separação entre adolescentes, jovens e adultos. O primeiro sentimento foi de culpa: a culpa é minha, por algum motivo não olhei, não estava presente. Sempre eu, eu.
Minha família e amigos já me apontavam como culpada. Eu me culpabilizei, mas como diziam “ele está cumprindo medida socioeducativa”, não estava preso. O nome já está dizendo “medida socioeducativa” que é para educar. Então eu pensava que aquele lugar iria atuar no que eu deixei de fazer, na minha falha.
O tempo foi passando, comecei a prestar atenção naquele menino, em como ele mudava gradualmente. Adolescente por si já tem tendência a mudar, passa da fase de ser criança, está num movimento de se encontrar, precisa de um ambiente que possa orientar o caminho: a medida deveria passar por aí. Orientá-lo para que entenda que o que fez foi errado, e que isso não significa que deve ser exilado, assassinado ou encarcerado para o resto da vida. A gente tem de entender o motivo daquele ato para que ele não venha a cometer de novo. Entender onde começou a não dar certo. Isso é medida socioeducativa.
Porém, nas unidades não é assim que funciona, pelo contrário. Eles (administradores e funcionários) os levam a pensar que o ato infracional é uma situação na qual eles têm que se orgulhar. Passam a pensar que precisam ser fortes para estar naquele lugar, que precisam ter um nome no sentido da criminalidade para serem admirados e respeitados pelos outros. Se não fez da primeira vez que entrou, vai fazer da segunda porque quer chegar lá com certo peso, como se fosse uma patente. E isso vai transformando esses meninos e sua forma de enxergar a vida.
O grupo dos bons
Eles entram por diversos motivos. Vou falar sobre um deles. Muitos querem um tênis, um relógio, mas naquele momento a família não consegue dar. A maioria vem de famílias que moram em favelas e periferia, que trabalham em subemprego, recebem um salário mínimo, ou um pouco mais, e não têm condições de acompanhar toda essa modernidade, esse apelo que a mídia faz. A mídia golpista é muito responsável por isso. A mensagem é que você só vai ser integrante de um grupo se tiver com um tênis que custe R$ 5 mil. Se você tiver com o tênis de R$ 100, do camelô, não vai poder estar junto com as pessoas boas. O que são as pessoas boas? São os meninos que moram na Zona Sul, que frequentam shoppings, brancos que estudam em colégios particulares, e é obvio que todo mundo quer pertencer ao grupo dos bons. O grupo dos maus é formado por quem está dentro da favela, que tem de fazer aquele passeio mais humilde, ou que encontra no baile funk o único divertimento.
O pejorativo “menor”
Não vou dizer que todo mundo que trabalha nas unidades não presta, porque seria o mesmo que afirmar que humanidade não presta. Tem profissionais que de fato querem fazer diferença, entendem como adolescente e não como menor. Porque quando o judiciário chama de “menor”, o significado é voltado para quem é de menor poder aquisitivo e é negro. É de uma família que não circula dentro de uma cidade, não tem direito de ir e vir no Estado. Na cabeça da sociedade, o direito de ir e vir é o direito de circular em ilhas, praias e hotéis. Os funcionários deixam muito claro para esses meninos “você é bandido cara, se assume como bandido, não veio pra cá porque tava chupando balinha”. Ai já começam a adquirir uma postura. Foram quatro entradas nesse sistema e meu filho se modificou totalmente. Quando falam que esses meninos não recebem punição, basta pensar sobre o que é tirar seis meses ou até três anos da vida de um adolescente.
O peso sobre as mães (negras)
Na época em que Rafael foi apreendido, a comida era feita dentro das unidades, colocavam fermento, e meu filho ficava inchado com uma cara enorme. Transformaram meu filho num rodamoinho. Hoje, tristemente, alguns nem chegam a passar por esse sistema, pois morrem antes. É o que é dado, por isso que não funciona. Tem que funcionar desde a escola pública. Para ajudar nossos filhos tínhamos que entender aquele lugar e o que estava acontecendo com a gente. A família se transforma e isso se dá muito na mulher. É a mulher que está na fila, a maioria negra. Quem visitam são as mães, vós, ou namoradas quando tem maioridade. São mulheres que, na minha época, não sabiam de nada, como eu também não.
Tem gente que aponta na nossa cara “você é responsável, alguma coisa você fez”. Qualificam como bandida pela roupa que a pessoa vai, pelo que tem no bolso e forma de falar. Quando conheci o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), por um um agente da unidade onde meu filho estava, a história começa. Começo a ler e perceber que aqueles meninos tinham direitos quando cometem ato infracional; eles continuam sendo seres humanos. Então nasce o Movimento Moleque. Passei a ler o estatuto para mulheres que tinham dificuldades de leitura e entendimento, e quando surgiam dúvidas eu perguntava ao agente.
Em 2016, o Café das Fortes nasce do Movimento Moleque. Começamos a perceber essa crescência de familiares de vítimas com uma história em comum: seus filhos tinham passado pelo sistema e morreram, a maioria assassinada pela polícia. Essas mulheres não tinham força e nem coragem para denunciar. Viviam com medo da própria família e sociedade. As pessoas diziam pra nós “Ele era bandido, o que tu vais denunciar?”. Mostrando que aquela morte tem que ser credibilizada, naturalizada, que aquele menino é matável, que aquela menina pode ser estuprada. Como no sistema de castas indiano, eles são os dalits, aqueles que ninguém quer, os da favela, os pretos, que não compram as roupas de boutique.
Essas mulheres adoeciam, morriam. A mulher é que é a chefe da família. Começamos a conversar e pensamos “vamos fazer um grupo”. O projeto nasceu para ser realizado na favela, para tirar essas mulheres da depressão, para trazê-las de volta à vida, pra dizer que podem continuar vivendo mesmo com essa dor.
Passamos a nos perceber enquanto mulheres fortes; o quanto a gente era forte para todo dia ter que levantar, olhar para o céu e pedir “coragem, é mais um dia”. Todo dia agradeço a Deus, à mãe Iansã e ao pai Ogum. Às vezes a gente se comporta como dependente químico, se não tiver cuidado, a dor é destruidora, te acaba, te arrasa, te reduz a nada. É um sentimento sobre aquele serzinho que entra na nossa vida sob nossa proteção, que é nosso amor incondicional, e foi tirado da gente. O Estado me proibiu de ver meu filho adulto e proibiu Rafael de ver o filho que hoje tem 11 anos. Me proibiu de ver meus três homens juntos; eu sonhava em vê-los adultos.
Tive depressão, câncer e ainda convivo com a síndrome do pânico. Sofri outra crise com a morte de Marielle. Saber da execução dela é fazer todo um caminho de volta para o primeiro dia da minha dor, como outras mães também fizeram. Você fica vulnerável para que essas doenças psíquicas voltem. Somos mulheres que precisamos fazer terapia para o resto da vida. A gente vive num gatilho, percebi isso com a execução de Marielle. Quando aquele gatilho é acionado você cai.
O nascimento do moleque (Movimento Moleque)[editar | editar código-fonte]
Nascimento do Moleque
O Movimento Moleque nasce em 10 de dezembro de 2003. Vestidas de preto fizemos um “desabraço” no centro socioeducativo que, na época era chamado Padre Severino, e hoje é Dom Bosco. Tem isso, as unidades mudam o nome, mas não a prática. Eles (administradores) têm certeza que estão lidando com um bocado de idiotas. Questiono: “Mas o que mudou meu amor, a não ser a plaquinha na parede?” São unidades superlotadas. Não é idêntica ao sistema para adultos, porque a medida socioeducativa tem estatuto. Mas estão doidos para mexer nisso com o projeto da maioridade penal. Querem piorar, mais do que já é. Porque hoje a gente ainda pode reivindicar, e eles têm que fazer algo. Eles também matam dentro desse sistema. Querem arrebentar e matar todo dia, mas não podem porque a gente está de olho.
O desabraço gerou problema. Mas a gente bancou, foi resistência pura, a partir daí fui buscando mais aprofundamento, porque essa é uma característica minha de querer entender tudo que está ao meu redor, o que acontece com a minha família. E não deixei de fazer isso com o meu filho. Voltei a estudar, e me bati nessa coisa estrutural que é o racismo, o motivo real das pessoas negras estarem nesse lugar. Comecei a prestar atenção onde a população preta está inserida. Quantas pessoas negras são candidatas a cargos políticos, ocupam posição no Supremo Tribunal Federal (STF), moram em Copacabana, em frente ao mar, e estudam em colégios particulares de ponta? Agora, quantas estão dentro da unidade de medida socioeducativa, no sistema penal, são assassinadas dentro da favela, do presídio ou unidade de saúde? Fui me percebendo: porque que eu também fazia parte da população inserida nesse contexto. Eu era igual a todas aquelas mulheres. Não nasci e cresci em favela, tive certo privilégio de estudar em escola particular que meus pais pagaram com muito sacrifício. Mas você acaba entendendo que quando se nasce negro, independente do lugar onde está ou estuda, se você tiver que estar com seu corpo estirado no chão sangrando e com uma bala, você vai estar, sendo doutor ou vendedor de bala. Como aconteceu com Marielle. Ela era negra e veio de favela. Ser negra de favela e lésbica é mais difícil. Ela teve filho muito cedo, com 19 anos. Conseguiu chegar em uma universidade particular, com bolsa, por conta de fazerem pré-vestibulares dentro de favelas. As aulas são realizadas por professoras/es que vão para esses espaços dar oportunidade a essas pessoas. Mostram que elas também são capazes de estarem em qualquer universidade. Marielle se formou, fez mestrado e teve um desenvolvimento que não é o do cotidiano. Começou a se sobressair, na cabeça desses fascistas, ela tirou a vaga deles.
Assassinato de Rafael
Rafael foi assassinado de joelhos, mãos pra cima, e pedindo para viver, em 5 de dezembro de 2006. O policial civil decidiu que era hora de ele morrer. A polícia acha que tem esse poder. Aconteceu no meio de duas favelas. As testemunhas que viram foram claras em relação à mensagem dos policiais da 25ª Delegacia: não adianta colocar pra frente porque se alguém fizer alguma coisa, eles voltariam pra matar. Com um histórico de atos infracionais, Rafael não era um uma pessoa estranha para aqueles policiais, não morreu numa perseguição ou troca de tiros. O policial vai para uma formação, ele aprende, não tem nada de sem querer, ele sabe muito bem aonde vai para fazer abordagem e aonde vai para ser opressor. Meu filho morreu de joelhos e mãos pra cima, o que é uma covardia. O papel da polícia dentro do sistema de segurança pública, alimentado com nossos impostos, é nos proteger. Eles tinham que comunicar que estavam prendendo meu filho, mas nem mesmo me informaram que ele estava morto.
Reparação
Conheci Marielle na Comissão de Direitos Humanos. Milito há 16 anos e quando a gente se torna militante, o primeiro órgão a buscar é aquele que trata de direitos humanos. Minha denúncia era muito focada no Degase e nessas famílias. Fizemos várias coisas juntas. Ela me acompanhava nas unidades e ações do movimento. O assassinato dela é uma perda muito grande. Foi uma volta e uma lembrança terrível pra nós enquanto familiares de vítimas do Brasil. Nós perdemos nosso filho dessa mesma forma, não estou dizendo que foram os mesmos motivos, mas se a gente falar numa amplitude de reparação, sim. Quem era ela? Uma mulher negra. Dos anos 2016 pra cá houve um boom muito grande da negrada na universidade. Entraram para mestrado, doutorado, e isso incomoda profundamente, porque a mulher negra não vai mais trabalhar de faxineira. Falo isso sem tirar o valor dessa profissão, mas se ela estudou quer ocupar cargos de gestão. Essa mudança balança estruturas. Estamos indo buscar o que é nosso, o que temos direito, e isso gerou uma onda de ódio que foi crescendo. O branco tem medo de perder, não entende que não se trata de perder, mas sim de que nós também temos direitos. Todas estamos preocupadas com os tiros do dia 14 de março, às 9h da noite. Vamos falar de racismo, de um povo preto que morre todo dia.
Fontes e Redes Sociais[editar | editar código-fonte]
Fontes:
https://psolcarioca.com.br/2021/04/26/para-preto-e-tiro-covid-e-fome-por-monica-cunha/
https://www.frontlinedefenders.org/pt/profile/monica-cunha
http://vereadoresquequeremos.org/monica-cunha-rio-de-janeiro-rj/
https://catarinas.info/execucao-de-marielle-despertou-uma-lembranca-terrivel-em-nos/
Redes Sociais