Políticas de Segurança Pública no Rio de Janeiro (2007 - 2021)
As Políticas de Segurança Pública podem ser classificadas como "um conjunto de programas, estratégias, ações e processos atinentes à manutenção da ordem pública no âmbito da criminalidade, incluídas neste contexto questões sobre violência, insegurança, inclusive subjetiva." (FILOCRE, 2009:148).
Autoria: Este trabalho é uma parceria entre os grupos GENI/UFF e CASA (IESP-UERJ) com o Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Linha do Tempo das Políticas (2007-2021)[editar | editar código-fonte]
A linha do tempo a seguir é composta por Políticas de Segurança Pública no âmbito do Rio de Janeiro no período entre 2007 e 2021, bem como por acontecimentos importantes referentes a este campo no mesmo intervalo de tempo. Com vistas a melhor visualização da linha do tempo, as datas demarcadas correspondem ao período inicial de cada política.
Políticas de Segurança Pública[editar | editar código-fonte]
Política | Acontecimento | Data de início | Data de fim | Conteúdo | Links relacionados |
---|---|---|---|---|
Lei nº 11.530 | 24 de outubro de 2007 | Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI): Diminuição dos indicadores de criminalidade nas regiões metropolitanas mais violentas do Brasil. | Senado Federal (clique para abrir). | |
Ocupação militar do BOPE e implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) | 10 de dezembro de 2008 | Foi implantado no Rio de Janeiro como uma estratégia de ocupação de favelas para o combate ao domínio do tráfico de drogas e à violência. | Observatório Legislativo da Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (Olerj). | |
Decreto nº 41.931 | 25 de junho de 2009 | ATUAL | Sistema de Definição e Gerenciamento de Metas, desenvolvido pela Secretaria de Estado de Segurança (SESEG) – ou Sistema Integrado de Metas (SIM). | Instituto de Segurança Pública. |
Centro de Operações Rio (COR), da Prefeitura do Rio de Janeiro. | dezembro de 2010 | ATUAL | Integração das operações urbanas no município. | Sobre Centro de Operações Rio (COR). |
Lei nº 12.681 | 4 de julho de 2012 | ATUAL | Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas (SINESP): Plataforma de informações integradas, que possibilita consultas operacionais, investigativas e estratégicas sobre segurança pública, implementado em | Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública - Sinesp |
Decreto Lei 44.177 | 26 de abril de 2013 | Dá nova redação ao Decreto nº 42.787, de 06 de janeiro de 2011, que dispõe sobre a implantação, estrutura, atuação e funcionamento das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) no Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. | Decreto nº de 26 de abril de 2013 | |
Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) | 2013 | ATUAL | Dispositivo sociotécnico de apoio ao funcionamento e gestão dos megaeventos. | Estado inaugura Centro Integrado de Comando e Controle do Rio |
Lei federal nº 13.022 | 8 de agosto de 2014 | Regulamenta a utilização de armas de fogo às Guardas dos municípios que possuam mais de 500.000 habitantes. | Dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais. | |
Ocupação Federal na Maré | 5 de abril de 2014 | 30 de junho de 2015 | Foi promovida uma ocupação da Maré pelas Forças Armadas para estabelecer condições de implementação das UPPs. Estabelecida a partir de uma GLO e operação alocou 23 mil militares na região. | Maré –Um laboratório para o Rio: a ocupação militar na Maré |
Decreto nº 45.475 | 27 de novembro de 2015 | Institui Programa de Estímulo Operacional (PEOp) para as operações realizadas no âmbito da Secretaria de Estado de Governo, autoriza a convocação para serviço ativo voluntário de policiais militares da reserva remunerada e dá outras providências. | Decreto Estadual n.º 46261 de 09/03/2018 | |
Decreto nº 45.629 | 12 de abril de 2016 | Transfere as Operações Lei Seca, Lapa Presente e Segurança Presente da Secretaria de Estado de Governo para a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, no poder executivo do Estado do Rio de Janeiro, e dá outras providências. | Decreto Estadual nº 45.629 de 12 de abril de 2016. | |
Plano Estratégico do Governo | 2017 | 2020 | Criação do Rio Seguro e Vigilante; Projeto Monitora Rio; Projeto Segurança Cidadã; Projeto Rio Mais Seguro. | Rio Mais Seguro (projeto) |
Decreto nº 43979 | 27 de novembro de 2017 | ATUAL | Institui o projeto piloto do PROGRAMA RIO MAIS SEGURO e dá outras providências. | Rio Mais Seguro (projeto) |
Decreto nº 11 | 07 de junho de 2018 | Dispõe sobre o exercício de competências no âmbito da secretaria de Estado de Segurança, da Secretaria de Estado de Defesa Civil e da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, e dá outras providências. | Decreto nº 11 de 7 de junho de 2018 | |
Lei Nº 13.675 | 11 de junho de 2018 | ATUAL | Sistema Único de Segurança Pública (SUSP): Promove, em âmbito nacional, o compartilhamento de dados, operações e colaborações nas estruturas federal, estadual e municipal. | Disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública. |
Lei Nº 13.675 | 11 de junho de 2018 | ATUAL | Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Nacional (PNSPDS). | Disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública. |
Projeto de Decreto Legislativo Nº 886 | 16 de fevereiro 2018 | 31 de dezembro de 2018 | Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro. | Projeto de Decreto Legislativo Nº 886, de 2018 - Intervenção Federal no Estado do Rio De Janeiro |
Resolução SESEG nº 1.234 | 28 de setembro de 2018 | Define os critérios para apuração e divulgação da taxa de elucidação da letalidade violenta no âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências | Resolução - Diário Oficial | |
Resolução SESEG nº 1.278 | 27 de dezembro de 2018 | Altera a Resolução SSP nº 760, de 14 de fevereiro de 2005, que dispõe sobre o fluxo de informações policiais e divulgação dos indicadores de criminalidade, e dá outras providências. | Resolução - Diário Oficial | |
Decreto nº 46.581 | 22 de fevereiro de 2019 | Dispõe sobre a extinção da Secretaria Executiva do Conselho de Segurança Pública. | Decreto nº 46.581 de 22 de fevereiro de 2019 | |
Decreto nº 46.630 | 03 de março de 2019 | Dispõe sobre o sistema de definição e gerenciamento de metas para os indicadores estratégicos de criminalidade do estado do Rio de Janeiro - SIM, e dá outras providências. | Decreto - Diário Oficial | |
Decreto nº 9.785 | 7 de maio de 2019 | Regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. | Decreto nº 9.785, de 7 de maio de 2019 | |
Rio + Seguro Fundão | 07 de junho de 2019 | a prefeitura do Rio lança o Rio+Seguro Fundão, programa de atuação na área da Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A parceria entra a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) e a Prefeitura da UFRJ dá início ao reforço no patrulhamento das vias da Ilha do Fundão. | Rio+Seguro Fundão | |
Decreto nº 46.757 | 02 de setembro de 2019 | Dispõe sobre a nova sistemática do Programa de Estímulo Operacional (PEOp) para as operações realizadas no âmbito da secretaria do Estado do Governo e Relações Institucionais. Autoriza a convocação para o serviço ativo voluntário de policiais e bombeiros militares da reserva remunerada e revoga o decreto estadual n° 45.475 DE 2015. | Decreto nº 46.757, 02 de setembro de 2019. | |
Lei nº 8.636 | 28 de novembro de 2019 | ATUAL | Institui o Conselho Estadual de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Rio de Janeiro (CONSPERJ). | CONSPERJ |
Rio+Seguro Jacarepaguá | 22 de janeiro de 2020 | A prefeitura do Rio de Janeiro lança o Rio+Seguro Jacarepaguá, com base no Fundo Especial de Ordem Pública. | Rio+Seguro Jacarepaguá, 22 de janeiro de 2020. | |
Decreto nº 47.253 | 08 de setembro de 2020 | Estabelece as condições para a movimentação de militares da Secretaria de Estado de Polícia Militar (SEPM) no âmbito do programa Segurança Presente (OSP), e dá outras providências. | Decreto - Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro | |
Decreto nº 47.548 | 30 de março de 2021 | Dispõe sobre o uso e a alienação do armamento em acautelamento aos servidores e militares, ativos e inativos, integrantes dos órgãos de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, e dá outras providências. | Decreto - Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro | |
Lei nº 9.241 | 15 de abril de 2021 | Dispõe sobre a ampliação do programa Patrulha Maria da Penha - Guardiões da Vida - No âmbito do Estado do Rio de Janeiro. | Lei n° 9.241 - Estado do Rio de Janeiro | |
Decreto nº 47.676 | 07 de julho de 2021 | Insere, sem aumento de despesa, o programa Supera Rio e cria a Secretaria Executiva do Comitê Gestor de políticas públicas de segurança dos programas de policiamento de proximidade ou comunitário na estrutura organizacional básica da Secretaria de Estado da Casa Civil, e dá outras providências. | Decreto nº 47.676 - Leis Estaduais | |
Programa Cinturão de divisas | 17 de agosto de 2021 | Bairro Seguro, Cinturão de Divisas e Reocupação das UPPs.
O Programa Bairro Seguro, tem como metas: 1) Realizar 114.930 ações preventivas nos bairros com o Programa Bairro Seguro implantados, até dezembro de 2022; 2) Reduzir em pelo menos 20% os roubos de rua nos bairros com o Programa Bairro Seguro, até dezembro de 2022. |
Programa Cinturão de divisas, 17 de agosto de 2021. | |
Decreto nº 47.788 | 05 de outubro de 2021 | Altera e consolida, sem aumento de despesa, a estrutura administrativa e organizacional básica do Instituto de Segurança Pública - RIOSEGURANÇA e dá outras providências. | Decreto nº 47.788 - Poder Executivo Estadual | |
Decreto nº 47.802 | 19 de outubro de 2021 | Institui o Programa Estadual de Transparência em ações de segurança pública, defesa civil, licenciamento e fiscalização, e dá outras providências. | Decreto nº 47.802 - Leis Estaduais | |
Decreto nº 47.516 | 11 de março de 2021 | Transfere, sem aumento de despesa, a assessoria ao Conselho de Segurança Pública (CONSPERJ) da Subsecretaria Geral da Casa Civil para o Gabinete de Segurança Institucional. | Decreto nº 47.516 - CONSPERJ | |
Decreto Estadual nº 47.802 | 22 de março 2022 | Estabelece o plano estadual de redução de letalidade decorrente de intervenção policial. | Decreto nº 47.802 - Plano estadual | |
Decreto nº 48.139 | 29 de junho de 2022 | ATUAL | Dispõe sobre o Plano Estadual de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. | Decreto nº 48.139 - Plano estadual |
Decreto nº 51.298 | 2 de junho de 2022 | ATUAL | Define as competências do Programa "BRT Seguro". | Decreto nº 51.298 -BRT Seguro |
Decreto nº 48.148 | 1 de julho de 2022 | ATUAL | Institui o Programa Cidade Integrada no âmbito do governo do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. | Decreto nº 48.148 - Cidade Integrada |
Decreto nº 48.229 | 18 de outubro de 2022 | Institui o Comitê Gestor do Programa Estadual de Transparência em ações de: segurança pública, defesa civil, licenciamento e fiscalização, e dá outras providências. | Decreto nº 48.229 - 18 de outubro de 2022 |
Cidade (des)integrada: o Governo Cláudio Castro e o aumento das chacinas[editar | editar código-fonte]
Texto publicado originalmente no blog do Grupo CASA/IESP. Autores: Gustavo Azevedo, João Pedro Mina e Kharine Gil.
Desde a década de 1990 testemunhamos uma série de chacinas que acompanham a história do Rio de Janeiro. Dentre as mais marcantes estão: a Chacina de Acari, (19 mortes); a Chacina Candelária (8 mortes); a Chacina de Vigário Geral (22 mortes); e a Chacina da Baixada Fluminense (29 mortes). É importante destacar, ainda, que a presença de policiais em chacinas parece ser uma das características fundamentais destes massacres. Se na década de 1990, essa participação se fez de forma velada, atualmente, ela se dá através de operações policiais oficiais (GENI, 2022). Neste texto, discorreremos brevemente sobre o aumento no número de chacinas resultantes de operações policiais no Governo Witzel/Castro (identificado em dados elaborados pelo GENI/UFF), além de trazermos uma breve discussão sobre as duas das mais letais chacinas do Rio de Janeiro: Chacina do Complexo do Alemão (23 mortes); Jacarezinho (27 mortes).
Segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF), a definição estatística de chacinas policiais é de “mortes múltiplas com três ou mais óbitos decorrentes de ações policiais”. A partir desta perspectiva, argumenta-se que a gestão Castro dá prosseguimento a um método de segurança pública hostil e violento, tendo em vista que as estatísticas de mortes em operações policiais têm uma média de 4,8, e, portanto, acima dos números estipulados.
Com base nesta perspectiva, o presente texto busca contribuir para o debate sobre letalidade policial, utilizando dados e materiais bibliográficos produzidos pelo GENI/UFF, CASA/IESP e o Dicionário de Favelas Marielle Franco. Entre o período de governo de Witzel e Castro foram contabilizadas, até maio de 2022, 178 chacinas nas diversas regiões do estado, mas que se dividem por toda Região Metropolitana, em especial, entre a capital e a Baixada Fluminense. Nota-se que a maioria das chacinas ocorridas, a Polícia Militar foi a instituição que mais realizou as operações, tendo como justificativa a repreensão às práticas criminosas vinculadas ao mercado ilegal de drogas. O número de civis mortos varia entre 3 e 27. Não há contabilização de policiais mortos nestas chacinas.
As duas maiores chacinas da história do estado aconteceram durante o governo Cláudio Castro: a Chacina do Jacarezinho (2021) que deixou 27 mortos, e a Chacina na Vila Cruzeiro (2022) no Complexo da Penha, que deixou 23 mortos. A primeira, aconteceu no dia 6 de maio de 2021, e é considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro. Além dos 27 civis, 1 policial foi morto durante a operação. Outro aspecto que chama atenção nesse caso, é o fato de que o massacre se deu enquanto estava em vigor a ADPF 635, liminar do ministro do STF, Edson Fachin, que proibia a realização de operações policiais em favelas durante a pandemia. Com a justificativa de investigar o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas, a chamada Operação Exceptis, além de promover um verdadeiro massacre, desestruturou e desorganizou a vida dos moradores da localidade.
Castro ainda tem sob seu governo, a responsabilidade pela operação com a segunda maior letalidade da história do estado. Mais recente, em 21 de julho de 2022, a Chacina do da Vila Cruzeiro, é marcada, além do alto número de mortes, por denúncias de abuso de autoridade (incluindo roubo a pertences de moradores pelos agentes de segurança). Essa operação gerou imagens chocantes reproduzidas exaustivamente pela mídia, como forma de denunciar o poderio bélico do tráfico: os disparos de tiros de grosso calibre contra um helicóptero da Polícia Militar. É importante apontar também que, em ambas operações houve denúncias de invasão à casa de moradores. No Jacarezinho houve, inclusive, registro de morte dentro de uma residência, na presença dos moradores.
Com isso, percebe-se que há uma política de segurança espetaculosa e violenta, sendo ressaltada também pelo programa Cidade Integrada, que foi criado como forma de reformulação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), e tem por objetivo promover ocupação policial em territórios de favela para diminuir o comércio ilícito de drogas e a dominação das milícias. No entanto, este modelo de política favorece operações policiais violentas e que resultam em chacinas e insegurança para os moradores destes territórios.
Conclui-se neste texto, que os princípios da segurança pública operam sob a narrativa belicista do enfrentamento ao crime. Em um cenário ideal, as chacinas não são uma opção, uma vez que o combate às práticas de ilegalidade atua em função de uma cadeia de processos anteriores ao uso da violência. Soma-se a isso, o fato da chacina ser o oposto da defesa dos direitos, tendo em vista que os criminosos são submetidos a uma prática não demarcada no nosso marco jurídico, e a população, sobretudo a mais pobre, é privada da sua plena subsistência em virtude das mobilidades criadas pela operação policial. Dito isso, argumenta-se que a gestão Cláudio Castro na área de segurança, assim como seus antecessores, se configura como uma prática não ideal, tendo em vista que seus métodos promovem confrontos, influenciam o discurso belicista espetaculoso, criminalizam as classes mais baixas e contabilizam vidas perdidas.
Da Cidade Partida à Cidade Integrada: Dilemas e Diretrizes das Políticas Públicas de Segurança no Rio de Janeiro.[editar | editar código-fonte]
Texto publicado originalmente no blog do Grupo CASA/IESP. Autora: Ana Clara Pereira Macedo.
A gramática da violência urbana que possibilitou a retórica da guerra tem sido o pano de fundo de diversas ações violentas contra as populações habitantes das favelas e subúrbios cariocas, estigmatizados como um mal a ser combatido por darem “origem à violência na cidade”. Dessa gramática, algumas ações foram mobilizadas e tiveram apoio expressivo de parte da população carioca infringida pela cultura do medo: A chacina de Acari (1990) vitimando 11 jovens, A chacina da Candelária (1993) que vitimou 7 menores e a chacina de Vigário Geral (1993), que massacrou 21 pessoas residentes. Em 2021, vimos a cena se repetir de forma drástica com a morte de 27 civis na favela do Jacarezinho realizada pela Polícia Civil no dia 6 de maio sob o governo de Cláudio Castro (PL), considerada a maior chacina promovida por forças policiais da história da cidade.
A cidade do Rio de Janeiro tem como marca a violência e a segregação no espaço urbano. Esses temas se entrelaçam e reforçam a narrativa de que a cidade do Rio é uma “cidade partida”. Nesta, se analisa a cidade como sendo dividida entre aqueles compreendidos e legitimados como cidadãos e os “outros”. Esses atores, quando mobilizados dentro da narrativa de repartição da cidade, figuram em um cenário onde a guerra se faz presente no cotidiano carioca, uma guerra que polariza o “nós” (legitimados pelo direito à cidadania) e os “outros” (os que compartilham o espaço urbano mas não correspondem à essa cidadania).
Desde a década de 90 essa narrativa tem ganhado uma dimensão cada vez maior na percepção dos problemas da cidade e na formulação de políticas públicas de segurança e planos de ação. Politicamente, essa narrativa é utilizada para convocar e mobilizar uma violência entendida como necessária à solução do problema: mapear e controlar através da coerção estatal aqueles que causam perturbação na vida e no cotidiano da cidade. Essa violência, articulada como mediadora do conflito desenhado, justifica as ações e os excessos cometidos pelo Estado e pelas polícias dentro deste cenário de “guerra”. Infrações contra o direito dos habitantes das favelas, chacinas, aumento da taxa de letalidade policial e políticas de segurança militarizadas fazem parte dessa guinada ao Estado de Exceção.
Apesar dessas chacinas possuírem semelhanças em termos de território e direção da violência aplicada, podemos observar uma mudança no modo de operação do Estado e das polícias a partir do ano de 2018 com a intervenção federal ocorrida na cidade do Rio e da eleição de Wilson Witzel (2019-2021) como governador do Estado. A política de morte intensificada no governo de Witzel abriu caminhos para operações cada vez mais violentas e a ocupação dos territórios periféricos cada vez mais militarizados. As declarações públicas realizadas pelo governador como “A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo!" promovem uma mudança importante para a gestão de segurança na cidade, a guerra deixou de ser um artefato retórico para se transformar em algo real e concreto, um modelo de ação equipado por tecnologias cada vez mais modernas de extermínio e combate ao “inimigo”.
Lançado no dia 19 de janeiro de 2022, o programa de segurança do governo Cláudio Castro chamado “Cidade Integrada” parece dar continuidade à ideia de que o Rio de Janeiro é uma cidade partida. Não apenas fazendo um grotesco trocadilho entre a semântica adotada para dar contorno à retórica da guerra que mobilizou o termo “cidade partida” para separar cidadãos e inimigos, mas sim como forma de analisar as falhas do programa. Desde o lançamento do Cidade Integrada , a ocupação da favela do Jacarezinho nos mostra que a integração proposta por Claudio Castro para o Rio de Janeiro é a mesma adotada por diferentes programas de segurança que já foram vigentes na história da cidade: a eliminação de corpos periféricos considerados inimigos, como a do jovem Jonathan Ribeiro de Almeida, de 18 anos no dia 26 de abril de 2022.
Do ponto de vista político, em um ano que serão realizadas as eleições para o governo do Estado, a elaboração de políticas públicas de segurança para uma cidade como a do Rio de Janeiro passa a ser crucial. Nesse sentido, as propostas apresentadas como soluções para o problema de segurança devem ser pensadas na chave da corrida eleitoral. Se a narrativa da cidade partida permanecer como política pública de segurança, as ações violentas contra as populações habitantes das favelas e periferias do Rio de Janeiro continuarão sendo intercorrentes e cada vez mais corpos favelados sendo executados.
Referências[editar | editar código-fonte]
FILOCRE, D'Aquino. Classificação de Políticas de Segurança Pública. Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, 2009.