Unifavela - A educação na Maré e o empoderamento da favela
Desde o seu surgimento, a favela vive uma constante luta por pertencimento urbano e por melhores condições de vida através do saneamento básico, da educação, dos direitos civis, dentre outros. Contudo, apesar de alguns pequenos avanços, a favela permanece como um ambiente de resistência, principalmente diante das precariedades e dos estereótipos a ela associados. Nesse contexto, surge a Unifavela, um projeto social idealizado por universitários residentes no Complexo da Maré, com o objetivo de desenvolver projetos sociais dentro da Comunidade como o pré-vestibular social como preparatório para o Enem dentre outras iniciativas como a UniLetrinhas, responsável pelo auxílio à alfabetização de crianças do Ensino Fundamental I e II. O presente verbete visa, assim, discutir sobre a relação entre empoderamento das favelas e projetos educacionais como o UniFavela no Complexo da Maré.
Autoria: Gabriela Espinheira da Silva, Vitória Marchon Bohrer Castelo Branco.
Contexto histórico[editar | editar código-fonte]
Em meados do século XX, a estética do Rio de Janeiro apresentou-se como uma das principais medidas do governo. Se caracterizando como a capital do Brasil, se fazia interessante para as políticas públicas o embelezamento da cidade através da urbanização, do saneamento básico, assim como da ampliação das avenidas, a fim de assemelhar a cidade às referências urbanas europeias como Paris, por exemplo. Nesse contexto, os cortiços se apresentavam na direção oposta, compreendidos como espaços marginalizados com aglomerados de diversas famílias em um mesmo espaço extremamente reduzido; além disso, as condições de moradia insalubres e aspectos como a circulação restrita do ar, por exemplo, os caracterizava como um local com fácil proliferação de epidemias.
“No Rio de Janeiro, assim como na Europa, os primeiros interessados em detalhar minuciosamente a cena urbana e seus personagens populares voltaram seus olhos para o cortiço. Considerado o locus da pobreza, no século XIX era local de moradia tanto para trabalhadores quanto para vagabundos e malandros, todos pertencentes à chamada “classe perigosa”. Definido como um verdadeiro “inferno social”, o cortiço carioca era visto como antro da vagabundagem e do crime (...), constituindo ameaça à ordem social e moral.” - (VALLADARES, 2005).
A imprensa, em conjunto com os demais setores privilegiados da sociedade, viria a compreender esses espaços como germe da precariedade e da criminalidade atuante na cidade. Sendo assim, construíram-se representações dos cortiços através de mecanismos como charges em jornais e discursos políticos que permearam o imaginário popular por décadas à frente estendendo-se às favelas. Dessa maneira, o combate e a erradicação de espaços irregulares como os cortiços foram constituídos como uma das principais metas das políticas públicas no período, utilizando-se como argumento a higienização e o saneamento da cidade.
Ao longo do tempo – ainda no século XX -, com a desapropriação dos cortiços, as populações anteriormente residentes nesses espaços viriam a deslocar-se para os morros como alternativa de moradia por se caracterizarem como um espaço desocupado pelas autoridades públicas. Segundo Valladares, surgiria assim o Morro da Favella, já antes denominado como Morro da Providência, como a primeira favela da cidade do Rio de Janeiro.
Além disso, a ocupação irregular desses espaços atrairia novamente críticas públicas e de setores privados, visando a sua desocupação. Não levaram em conta, contudo, a inviabilização da movimentação daqueles moradores para uma nova localidade e, principalmente, ignorando a possibilidade de aprimoramento urbano e sanitário desses espaços. Nesse período, distancia-se o olhar dos antigos cortiços, e as políticas públicas voltam-se para as favelas, que se tornam “um problema a ser resolvido”, sendo alvo de campanhas de higienização como àquelas desenvolvidas por Oswaldo Cruz, a fim de eliminar a “doença” da cidade do Rio de Janeiro.
Todavia, através da inviabilidade de remoção total desses espaços, os quais viriam a progressivamente se ampliar por outros locais ao longo da cidade, as favelas se tornaram alvo da negligência do Estado. Atualmente, diversas medidas continuam a ser aplicadas como mecanismo de controle e estruturação, como obras urbanísticas básicas - porém sem a devida manutenção por décadas seguintes – e formas de retenção, a fim de evitar a sua crescente ampliação. Nesse aspecto, as tentativas de remoção de algumas dessas localidades continuaram a ocorrer e algumas favelas acabaram crescendo devido ao deslocamento dos moradores para as suas respectivas regiões.
Nesse contexto, encontra-se a favela da Maré, bairro localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, possuindo um vasto conglomerado de favelas, bairros e microbairros, sendo um dos maiores complexos do Rio de Janeiro. Essa característica acarreta na complexidade das suas organizações sociais e das demandas políticas, econômicas e sociais da região. Uma das demandas mais recorrentes no complexo da Maré trata-se da educação. Diante do abandono estatal, a realidade de violência cotidianamente presente na rotina dos moradores, assim como da precariedade da educação, a evasão escolar faz-se marcante e a Universidade, consequentemente, um sonho distante, quase inalcançável.
Numa tentativa de minimizar essa disparidade de ensino, surge a chamada educação popular. Segundo Victor Vicent Valla, este fenômeno caracteriza-se como como “formas de educação que se desenvolvem no meio das populações trabalhadoras, seja um programa de desenvolvimento comunitário numa favela, seja até mesmo o ensino formal numa precária escola pública de primeiro grau num bairro operário na periferia de uma cidade grande”. Nesse movimento surgem vários projetos como por exemplo de ensino fundamental, médio, pré-vestibular, entre outros, numa tentativa de proporcionar mais oportunidades para os jovens e adultos, como resposta de resistência perante às realidades sociais dentro da favela.
Criação do UniFavela[editar | editar código-fonte]
A partir desta prerrogativa foi criado - por universitários da favela da Maré - o projeto UniFavela[1], que se caracteriza como uma instituição socioeducativa localizada no Complexo da Maré, tendo por objetivo oferecer formação escolar e sociocultural para os moradores dessa região. O projeto conta com um pré-vestibular social objetivando fomentar a aproximação da Universidade da favela através da preparação dos seus estudantes para o vestibular e a construção de conhecimento acadêmico e não acadêmico. Além disso, o UniFavela conta com o UniLetrinhas, visando o auxílio à alfabetização e o incentivo à leitura de estudantes do Ensino Fundamental I e II.
Um aspecto a se levar em consideração a respeito da educação dentro das instituições de ensino na favela, caracteriza-se pela maneira com a qual o ensino é transmitido, comumente negligenciando os aspectos da cultura e da realidade local, homogeneizando um ensino que precisa ser individualizado a partir do coletivo. A consequência de um ensino precário que raramente conta com as estruturas necessárias para desenvolver uma educação a partir da realidade sociocultural de cada estudante é a inviabilização da permanência do aluno e a ineficácia da educação.
A presença do UniFavela na Maré, se faz nesse contexto, como uma educação a partir do social, fora do âmbito de “domesticação” da favela; os estudantes são estudantes a partir da Favela, sem excluir a sua identidade como favelizados e promovendo através da compreensão do seu meio, uma educação libertária. O Unifavela, ao longo de cinco anos, já havia contemplado diretamente mais de 115 estudantes, tendo todos os estudantes aprovados para o ensino superior em 2018. Além do projeto educacional, a instituição também oferece bolsas para a permanência dos estudantes nos estudos e cesta básica para as famílias que se encontram abaixo da linha da pobreza.
Ver também[editar | editar código-fonte]
Avenida Brasil - Instituto de Criatividade Social
B.A.S.E. - Buscando Ajuda (para) Sonhos Executáveis
CEDAC - Centro de Ação Comunitária
Centro Educacional Criança Futuro e Adolescência Rede Emancipa de Educação Popular
Notas e referências
VALLA, Victor Vicent. Educação e Favela. Políticas para as favelas do Rio de Janeiro (1940-1985). Petrópolis: Editora Vozes, 1986.
VALLADARES, Licia do Prado. A invenção da favela - Do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 2005.