Vila Autódromo: remoção e resistência
Autoria: Giselle Tanaka[1].
Introdução[editar | editar código-fonte]
A comunidade Vila Autódromo se tornou referência no Rio de Janeiro por ser símbolo de resistência contra a política de remoções em curso na cidade, associada aos megaeventos esportivos.
A prefeitura do Rio de Janeiro vem deslocando a população de baixa renda de áreas valorizadas, de interesse turístico e imobiliário, para áreas distantes e sem infraestrutura, através de uma combinação entre uma política violenta de remoções e o programa habitacional do governo federal, Minha Casa, Minha Vida, implantado principalmente na periferia da cidade.
Situada ao lado do Parque Olímpico, coração dos jogos de 2016, a Vila Autódromo é um dos principais alvos dessa política. Em 2014, parte dos moradores começou a ceder às pressões, e as demolições na comunidade começaram.
O Plano Popular da Vila Autódromo[editar | editar código-fonte]
A luta da Vila Autódromo começou nos anos 1990, quando iniciam a construção, na região, de grandes condomínios para população de alta renda, favorecidos por grandes investimentos públicos. Organizados na Associação de Moradores, Pescadores e Amigos da Vila Autódromo(AMPAVA ), os moradores conseguiram resistir à sucessivas tentativas de remoçãoe conquistaram, ainda nos anos 1990, o título de Concessão de Direito Real de Uso, do Governo do Estado, o que lhes deu direito a morar no local.
As ameaças, porém não cessaram e com as Olimpíadas, a prefeitura voltou à comunidade. O cenário não era nada favorável, a prefeitura vinha removendo comunidades próximas, como Vila Harmonia, Recreio I e II, Restinga, entre outras no caminho das obras olímpicas.
Os moradores então buscaram o apoio técnico de duas universidades federais, o Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual (NEPLAC/IPPUR/UFRJ) e o Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU/UFF), parademonstrar ao Estado a possibilidade de uma urbanização, em harmonia com as instalações dos jogos. O Plano Popular – Plano de Desenvolvimento Urbano, Econômico, Social e Cultural, finalizado em 2012,se tornou um importante instrumento da luta.O plano aproximou os moradores, com a esperança da permanência, e fortaleceu a luta política. Abriutambém espaço na mídia para a voz dos moradores, e um novo acesso ao prefeito Eduardo Paes.
O Plano Popular foi também reconhecido internacionalmente ao receber o prêmio Urban Age, conferido pela London School of Economics e Deutsche Bank. O plano ficou em primeiro lugar, concorrendo com outros 170 projetos sociais do Rio de Janeiro. O valor recebido em dinheiro (USD $80mil), foi destinado pelos moradores para a construção de uma creche comunitária e reforma da associação de moradores, que no momento está suspensa, aguardando o desfecho dessa luta.
Primeiras demolições: assédios e divisão da comunidade[editar | editar código-fonte]
A Vila Autódromo apresentou seu plano ao prefeito Eduardo Paes em agosto de 2012. O plano demonstrou que urbanizar a comunidade seriamenos custoso e social e ambientalmente melhor para todos. Além disso, permitiria à prefeitura utilizar o programa habitacionalMinha Casa, Minha Vida para pessoas que realmente precisam de uma nova moradia, atendendoao déficit habitacional, e não para tirá-las de suas casas.O prefeito, porém, não reconheceu o Plano Popular, e se manteve firme em seu propósito de remover a comunidade.
Em setembro de 2013, pressionado pelas manifestações de junho que contribuíram para a saída do governador do Estado, o prefeito Eduardo Paes disse aos moradores da Vila Autódromo que estaria disposto a negociar. Foram realizadas reuniões com secretários e técnicos municipais de um lado, e de outro as lideranças da Vila Autódromo, com assessoria da Defensoria Pública e do Plano Popular. As reuniões, que deveriam ser de negociação, foram encerradas sem que nenhuma proposta do Plano Popular fosse acatada, mas a prefeitura fez uma nova proposta.
As condições para a remoção podem ser consideradas umavanço. A prefeitura ofereceu apartamentos no conjunto habitacional Parque Carioca, em condições diferenciadas: localização próxima (cerca de 2km), parte dos apartamentos com três quartos, piscina e área comercial adjacente. Ofereceu a desapropriação pagando valor de mercado, também condição inédita para comunidades pobres. E ainda afirmou que aqueles que quisessem poderiam permanecer na pequena área que restaria da Vila Autódromo, com a urbanização.
A maioria dos moradores não aceitou. A remoção continuava sem justificativa legal e um grupo forte de moradores firme lutando pelo direito à sua casa e à comunidade que ajudaram a construir.
Para pressionar os moradores a aceitar o apartamento, a prefeitura mobilizou diversas estratégias, envolvendo sedução, ameaças, pressão e mentiras. Segundo relatos dos moradores, a prefeitura levou as famílias de van para conhecer o stand com um apartamento decorado (caso único desse programa habitacional), contratou moradores da comunidade para atuar no convencimento dos vizinhos, colocou um exército de assistentes sociais para ir diariamente de casa em casa, fazendo promessas e ameaças. As ameaças incluíam dizer que os últimos ficariam com os apartamentos menores e piores, e que até setembro não restaria nada da comunidade.
As estratégias da prefeitura começaram a surtir efeito. Moradores das áreas mais precárias, com casas menores, começaram a ceder. Moradores ameaçados, ou mesmo cansados dos problemas de infraestrutura da comunidade, causados pelo descaso da própria prefeitura, começaram a avaliar que a segurança do novo apartamento seria melhor.
A mudança foi marcada ainda por confrontos entre os grupos da comunidade. Enquanto a prefeitura agendava a inauguração do novo conjunto e as primeiras mudanças, os moradores em luta pela permanência cobravam o plano de urbanização. A Defensoria Pública do Estado, com apoio técnico da assessoria do Plano Popular, entrou com liminar condicionando a demolição de casas à apresentação do projeto que atingiria parte da comunidade, e a listagem das casas atingidas. Em mais mentiras, a prefeitura afirmou que a Associação de Moradores havia entrado com ação para impedir as mudançaspara o novo apartamento (veja nota publicada pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas). O clima de desconfiança dentro da comunidade, motivado pelos boatos feitos pela prefeitura foram o estopim de uma manifestação dentro da comunidade, de um grupo dos que queriam a mudança para o apartamento, contra o outro, que lutava pela permanência. O confronto só foi controlado quando defensores públicos e o Padre Fábio Guimarães, da paróquia local, conseguiram acalmar os ânimos e ler os termos da liminar.
Com a negociação em curso, o Defensor Geral do Estado, Nilson Bruno, agiu em favor da prefeitura derrubando a liminar e contra a orientação dos defensores que atendiam a comunidade (ver / denúncia à ONU sobre a interferência na atuação do Núcleo de Terras e Habitação). Assim,as primeiras mudançasaconteceram em 26 de março de 2014, sem que a prefeitura apresentasse sequer o projeto previsto para o local. Foram 200 famílias que saíram para o Parque Carioca.
Mudanças, demolições e violência[editar | editar código-fonte]
As demoliçõesque marcaram o início da remoção abalaram aqueles que lutavam para ficar, que passaram a buscar novas estratégias de resistência. O prefeito vinha afirmando à imprensa que até havia aceitado manter parte da Vila Autódromo, mas que ninguém mais queria ficar lá. A resistência tinha como desafio mostrar que existia o desejo desses moradores.
Em mutirão, junto com apoiadores, os moradores passaram de casa em casa para levantar quantos desejavam ficar, e esclarecer seus direitos. Passaram também a se reunir semanalmente, para trocar informações, desmentir boatos e se apoiar mutuamente. Nesse momento era importante tentar identificar quem realmente queria ficar, para cobrar do prefeito sua promessa de urbanização, e construir ações para conseguir visibilidade na mídia.
O Mapa da Resistência mostrava que muitas famílias ainda tinham intenção de ficar na comunidade:
A prefeitura passou a encontrar resistência em convencer novas famílias a se mudarem para o Parque Carioca, então começou a negociar indenizações individualmente. As informações oficiais nunca chegavam, mantendo o clima de medo sobre o que aconteceria com os que não negociassem.
As primeiras indenizações foram bastante altas. Não se tem registro dos valores realmente pagos, sabe-se que algumas famílias, com casas e comércio maiores receberam valores significativos, chegando a mais de R$2 milhões, mas outras recebiam valores mais modestos, ouvindo frases como “o dinheiro das empreiteiras está acabando”, “se não aceitar esse valor, vai para a desapropriação judicial e vai ser bem menos”.
Há relatos de moradores que conseguiram comprar casas em boas condições, nas proximidades, com o recurso da indenização, mas também de outras que mudaram para casas em outras comunidades irregulares em bairros menos valorizados. A cada dia mais famílias aceitavam sair.
Com o aumento das demolições, aumentou o caos e degradação das condições de vida dos que ficaram. As primeiras demolições aconteceram com todo cuidado exigido por lei. Mas logo a prefeitura começou a deixar entulhos no local, comprometer o abastecimento de água, a circulação interna, a rede elétrica. Os serviços públicos também começaram a ser cortados, diminuindo a coleta de lixo e a manutenção da iluminação pública. Essas condições foram denunciadas à justiça, mas sem resultado. A prefeitura aumentou também a presença da Guarda Municipal na comunidade.
Em março de 2015, a prefeitura publicou os decretos n° 39.851, 39.852 e 39.853 definindo como de utilidade pública para desapropriação 48 casas, forçando a negociação sob risco de desapropriação judicial. Em junho de 2015, oficiais de justiça, escoltados pela guarda municipal, chegaram para a remoção forçada, sem aviso prévio de uma casa. Os moradores cercaram a casa, em apoio à família ameaçada, e a guarda municipal avançou com violência. Vários moradores ficaram feridos, mas a demolição foi impedida.
Renovação da resistência[editar | editar código-fonte]
O ano Olímpico de 2016 começa na Vila Autódromo com cerca de 50 casas em pé, para uma comunidade que já teve mais de 500 casas. O prefeito Eduardo Paes continuava afirmando que quem quiser poderá ficar na Vila Autódromo (veja nas entrevistas com o prefeito: http://bbc.in/1MocJ73; http://www.rioonwatch.org/?p=26453), mas sem apresentar o plano de urbanização e sem oferecer, nas negociações, essa opção.
A guarda municipal tem agido, no desvio de suas funções, intimidando e agredindo moradores da resistência organizada (Ver Manifesto: Violência e Direito à Moradia no Rio Olímpico, Apoio à Resistência da Vila Autódromo). Recentemente sitiou áreas da comunidade, impedindo moradores, apoiadores e imprensa de chegar, para acompanhar demolições e descaracterização de imóveis.
As famílias que resistiram até agora mantém uma esperança nas condições mais adversas. As demolições não param, com novas famílias que cedem, que não resistiram à violência que vinha sofrendo.
As famílias que lutam para ficar, lançaram no dia 27 de fevereiro uma nova versão do Plano Popular considerando a situação atual da comunidade, e junto com ela a campanha Urbaniza Já, com o desafio de que cada um grave um vídeo perguntado ao Eduardo Paes quando ele cumprirá sua promessa de urbanizar a Vila Autódromo. A Vila tem sido ocupada em todos os finais de semana por atividades culturais e ações de apoio aos moradores (#OcupaVilaAutódromo – ver abaixo). São cerca de 30 famílias que impressionam pela sua força.
No início de fevereiro começou também uma vigília na Associação de Moradores e na casa da Maria da Penha, pois seriam as próximas demolições previstas. A demolição da associação aconteceu em 24/02, com ordem judicial.
O Dia Internacional da Mulher, 08 de maio, começou com um chamado dos moradores pois a guarda havia sitiado a casa da Maria da Penha, com a ordem para demolição. Antes das 10h da manhã, a casa estava no chão. Maria da Penha e sua família lutam para ficar na Vila Autódromo, e a prefeitura não apresentou a ela uma alternativa de permanência, como prometido. Ofereceu o apartamento ou a indenização. A família optou por ficar na comunidade dividida, entre a Igreja e a casa de amigos. Sabem que se saírem, mesmo que temporariamente, as chances de conseguir voltar são mínimas. No mesmo dia o Prefeito Eduardo Paes anunciou à imprensa, sem chamar os moradores, seu plano para a Vila Autódromo; e Maria da Penha recebeu uma homenagem na Assembleia Legislativa do Estado.
O plano apresentado pelo prefeito prevê 30 casas, de 55m2 em lotes de 125m2, escondidos entre duas escolas. Os moradores acreditam que o anúncio da prefeitura é uma resposta à campanha “Urbaniza Já”, que ganhou destaque internacional com vídeos gravados por atores famosos como Camilla Pitanga, Gregório Duvivier e Bruno Gagliasso, e personalidades internacionais que lutam pelo direito à moradia, como o geógrafo David Harvey. Mas desconfiam de mais esse anúncio do prefeito: “Estamos chegando a conclusão que já que ele diz que esta contra o tempo, e que precisa resolver logo isso, que essa declaração para a imprensa foi mais uma mentira para desarticular a campanha que está acontecendo nos meios sociais do Urbaniza já! A Vila vai ficar!”.
As poucas famílias que restam na Vila Autódromo entregaram ao prefeito em 15 de março um abaixo-assinado pedindo para conhecer o plano, e querendo saber quando começam as obras de urbanização.
O futuro da Vila Autódromo é incerto, mas há ainda famílias que não abrem mão dos seus direitos, contra as arbitrariedades em curso na Cidade Olímpica.
Ações de resistência[editar | editar código-fonte]
#OcupaVilaAutódromo[editar | editar código-fonte]
Festival Cultural que já contou com duas edições, e reuniu artistas, músicos, coletivos culturais, em ações programadas junto com os moradores.
Reforma do Parquinho[editar | editar código-fonte]
Mutirão com moradores, organizado com apoio da arquiteta e professora universitária Diana Bogado, de reforma do Parquinho. Situado logo na entrada da comunidade, esteve diversas vezes ameaçado de demolição e corte das árvores, mas foi impedida pelos moradores.
Demarcação do terreno da nova associação de moradores e creche[editar | editar código-fonte]
Como a área da Associação de Moradores está também marcada para remoção, os moradores escolheram uma nova área para a associação e a creche da comunidade, e realizaram ação para demarcar o terreno.Em retaliação, a prefeitura entrou para demolir a área do Ocupa Vila Autódromo, e retirar a demarcação feita. Mas os moradores não se intimidaram, e já planejam novas mobilizações e ações culturais.
Nova versão do Plano Popular[editar | editar código-fonte]
Uma nova versão do Plano Popular da Vila Autódromo considerando a nova realidade, com menos famílias, condicionado pelas vias de acesso ao Parque Olímpico, e limites da Área Especial de Interesse Social, foi lançada no dia 27 de fevereiro.
Como apoiar a Vila Autódromo[editar | editar código-fonte]
Acompanhe e divulgue. O apoio externo, na divulgação da situação dos moradores, e a cobertura da mídia, tem se mostrado fundamental, até para inibir ações violentas por parte da prefeitura. Ajude a divulgar o que está acontecendo na Vila Autódromo.
Visite a comunidade. Você poderá conhecer a triste realidade da Vila Autódromo da Vila Autódromo hoje, mas também ser bem recebido por moradores, sempre dispostos a contar sua história. Estando lá, poderá se somar à vigília da entrada da comunidade, participar de mutirões e atividades culturais, e transmitir online as demandas dos moradores e impedir novos cercos da Guarda-Municipal.
Traga uma atividade solidária à Vila Autódromo. Organize uma aula aberta, uma ação cultural, artística, ambiental, recreativa na Vila Autódromo com os moradores.
Contato: inbox para Nidivaldo Macário Oliveira (Vila Autódromo Parte II), clique aqui!
Ver também[editar | editar código-fonte]
- ↑ Informações reproduzidas pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco. Fonte: blog da Fundação Heinrich Böll Stiftung.