Morro da Providência: A Primeira Favela do Brasil: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Sem resumo de edição
Sem resumo de edição
Linha 2: Linha 2:
[[Arquivo:Escadaria do Cruzeiro - Morro da Providência.jpg|alt=|miniaturadaimagem|Escadaria do Cruzeiro - Morro da Providência Foto: Melissa Cannabrava_ Voz das Comunidades]]
[[Arquivo:Escadaria do Cruzeiro - Morro da Providência.jpg|alt=|miniaturadaimagem|Escadaria do Cruzeiro - Morro da Providência Foto: Melissa Cannabrava_ Voz das Comunidades]]
Com acesso a serviços públicos como a água e gás, uma situação jurídica regularizada e uma salubridade que afastava suas casas do esforço de controle e repressão da Higiene Pública, o Morro da Providência se constituía, em meados da década de 1860, como opção legítima e acessível de moradia.
Com acesso a serviços públicos como a água e gás, uma situação jurídica regularizada e uma salubridade que afastava suas casas do esforço de controle e repressão da Higiene Pública, o Morro da Providência se constituía, em meados da década de 1860, como opção legítima e acessível de moradia.
 
Autoria: Equipe do Dicionário do Marielle Franco a partir das redes oficiais<ref>https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/201510</ref>
Autoria: Equipe do Dicionário do Marielle Franco a partir das redes oficiais<ref>https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/201510</ref>


==Sobre==
==Sobre==

Edição das 03h11min de 12 de julho de 2024

Escadaria do Cruzeiro - Morro da Providência Foto: Melissa Cannabrava_ Voz das Comunidades

Com acesso a serviços públicos como a água e gás, uma situação jurídica regularizada e uma salubridade que afastava suas casas do esforço de controle e repressão da Higiene Pública, o Morro da Providência se constituía, em meados da década de 1860, como opção legítima e acessível de moradia.

Autoria: Equipe do Dicionário do Marielle Franco a partir das redes oficiais[1]

Sobre

No dia 9 de maio de 1901, uma nota do jornal A Notícia sobre um assassinato ocorrido no Morro da Providência assinalava a existência, na localidade, de “um grupo de casinhas cobertas de telha de zinco, conhecido pelo Arraial da Favela”. Se tal definição descrevia a realidade local por meio de um termo então usado para designar um “alojamento do exército em campanha” (MORAES SILVA, 1890, p. 234), ela adotava, como seu nome próprio, o que reconhecia ser uma denominação “moderna”, criada poucos meses “depois da chegada (…) dos corpos do exército que estiveram em Canudos”:

É que os moradores de tais casinhas são todos soldados casados, que estiveram combatendo no Alto da Favela, em Canudos, os quais encontraram pontos de semelhança entre os dois morros.3

O jornalista não chegava a explicar quais seriam estes pontos de semelhança. Definia, no entanto, um ponto de origem para a localidade: a chegada ao Rio de Janeiro, em 1897, dos combatentes de Canudos, um dos mais violentos massacres patrocinados pelo exército brasileiro nos primeiros tempos da República (GALVÃO, 2001). O texto deixava claro que originalmente tal designação servia apenas para a pequena comunidade instalada no alto do morro, “na face que dá para a ladeira dos Melões, junto ao túnel da estrada de ferro que leva à estação marítima”. Em pouco tempo, no entanto, outras notícias passariam a tratar como “Morro da Favela” todo o “antigo da Providência”, como fez no final daquele mesmo ano um repórter do Jornal do Brasil.4 Iniciava-se, desse modo, o reconhecimento daquele local pelo termo favela.

Àquela altura, a existência de uma variedade de designações para aquele morro estava longe de constituir uma novidade. Localizado na região portuária da Gamboa, ele recebeu diferentes denominações ao longo do tempo. Embora fosse mais conhecido como Morro da Providência, diversos dos espaços por ele englobados chegaram a assumir, em vários momentos, designações próprias – como a de Morro do Livramento, designação que contemplava a parte do maciço voltada para a região da Saúde; a de Morro do Mirante, para definir sua parte mais alta; ou a de Morro da Formiga, que designava parte do morro voltado para a Cidade Nova.5 Ficava claro, no caráter variável de tais denominações, o sentido contextual da definição daquele território, do qual se valiam alguns dos moradores da região ao designar seu espaço de moradia como Morro da Favela.

Ao entender aquela nova definição como um ponto de origem da comunidade instalada na localidade, relatos como aquele publicado em 1901 pelo jornal A Notícia acabaram por servir de base para a definição de uma memória unívoca sobre o processo de ocupação daquele morro. Desconhecido pelos leitores habituais das grandes folhas do Rio de Janeiro, o arraial ali situado começava a aparecer com mais frequência no noticiário à medida em que se tornava palco de algumas ocorrências policiais. Aos poucos estas ocorrências passaram a se articular à definição geral do “Morro da Favela”.6 Como resultado, esse termo passou a ser progressivamente utilizado pela imprensa e autoridades públicas para nomear toda a comunidade instaurada na localidade – acabando também por definir para ela um ponto de origem, representado pela chegada ao Rio de Janeiro dos soldados de Canudos. Por mais que se tratasse de uma definição decorrente da ignorância dos jornalistas e autoridades sobre a diversidade de espaços de habitação constituídos no morro, o nome Favela acabou por prevalecer na cobertura da imprensa nos primeiros anos do século XX.

Começava a se definir, a partir disso, uma memória para aquele morro que passou a ver nele um espaço simbolicamente central para o processo de formação de um tipo de comunidade de baixa renda que rapidamente se espalharia pela cidade, dando origem ao fenômeno mais amplo das favelas. Em um importante artigo escrito em 1994, o geógrafo Maurício Abreu foi dos primeiros a avaliar a importância daquele marco. Embora se mostrasse atento para o caráter mais amplo do processo de constituição das favelas, indicando que o Morro da Providência não era, no final do século XIX, o único ocupado por uma população de baixa renda, ele liga o surgimento do fenômeno a “dois focos de tensão que afetaram o Rio de Janeiro no final do século XIX”: a “crise habitacional” – decorrente do aumento populacional da cidade – e as “crises políticas advindas com a República”. Embora reconhecesse a possibilidade de ocupação anterior dos morros da cidade, demarcava com isso os primeiros anos da República como momento de consolidação daquele tipo de comunidade – vendo eventos como a Revolta da Armada e a Guerra de Canudos como fatores de incentivo ao surgimento deste tipo de ocupação, frente à necessidade de resolver “o problema do alojamento dos soldados no Rio de Janeiro”. Como resultado, embora se afastasse da ideia de senso comum de que “foram esses soldados que deram origem à favela na cidade”, defendia que “foi realmente a partir do Morro da Providência que o termo favela incorporou-se ao quotidiano da cidade” (ABREU, 2014, p. 428-429).

A importância deste marco é reafirmada pela urbanista Lilian Vessler Vaz, de maneira igualmente cuidadosa. Mesmo reconhecendo a existência anterior de casebres precários em alguns dos morros da cidade, ela reforça que “a versão mais difundida sobre o início da favela remete à Guerra de Canudos”, com a ocupação do Morro da Providência pelos soldados retornados. Ao citar outros acontecimentos que poderiam ter estimulado aquela ocupação, como a derrubada em 1894 do cortiço Cabeça de Porco, Vaz define que somente ao longo da década de 1890 o Morro da Providência teria se constituído como uma favela (VAZ, 1998, p. 48-49). Em linha semelhante, a antropóloga Lícia Valladares retomaria a questão em um livro publicado em 2005, no qual se propõe a analisar as “representações sociais” fomentadas pelo fenômeno da favela ao longo do século XX. Além de reconhecer também na guerra aos cortiços “o germe da favela”, ela retoma aquele que define como um “mito de origem” sobre aquele tipo de comunidade: “a imagem do povoado de Canudos descrita por Euclides da Cunha em Os Sertões”. Embora ressalte que isso aconteceu também em outros morros, define que “foi o Morro da favela que entrou para a história”, sendo descrito pela imprensa do começo do século XX como foco exemplo principal do novo fenômeno (VALLADARES, 2005, p. 22-27).

Apesar das nuances e diferenças de perspectiva entre estas análises, constituídas a partir de campos disciplinares distintos, todas convergem não apenas no reconhecimento do papel simbólico central do Morro da Providência no início do fenômeno das favelas, mas também na definição de que ele somente teria se afirmado ao longo das primeiras décadas da República. Embora muitos autores mostrem que a formação daquele núcleo de moradias era um dos resultados da “escassez e a carestia das casas populares” que vinha se afirmando ao longo da segunda metade do século XIX (MATTOS 2020, p. 34), o surgimento da favela acabou assim associado aos primeiros governos republicanos, que colocaram em pauta a questão das habitações populares. Por se voltarem para a tentativa de compreensão mais ampla do problema das favelas ao longo do século XX, tais trabalhos acabaram assim por demarcar uma periodização que parte do momento em que aquele espaço passava a ser reconhecido como um problema pelo poder público republicano, em perspectiva que acaba por deixar de lado a tentativa de entender a formação daquela comunidade e de seus problemas ao longo das décadas anteriores.

Como apontado por Knauss e Brum em artigo de 2012, isso se devia, em grande medida, ao fato de que os primeiros estudos dedicados à história da favela tinham como ponto em comum o uso de fontes oficiais. Entendendo o Estado como um “instrumento das classes dominantes”, tais análises se preocuparam em investigar “as políticas do Estado para as classes pobres”, dando menos atenção aos interesses e experiências das próprias “classes pobres, atingidas pelas reformas urbanas”. Desse modo, a ocupação do Morro da Providência é vista como uma “mera consequência da postura do Estado de enfrentamento dos cortiços”, em um tipo de análise que “não afirmou os moradores das favelas como sujeitos sociais da história” (KNAUSS; BRUM, 2012, p. 127-130). O surgimento da favela é assim tratado como o fruto direto da desatenção dos governos republicanos em relação à demanda por moradia popular – em uma leitura que ignora a perspectiva de outros dos sujeitos envolvidos no processo, como os proprietários dos terrenos e casebres da localidade ou os próprios trabalhadores que a habitavam, aos quais só restaria resistir às investidas das sucessivas administrações municipais.

Na contramão da periodização proposta por estas análises, trabalhos mais recentes apontam para a necessidade de refletir sobre os limites desta interpretação. Em livro publicado em 2013, Rafael Gonçalves mostra que a própria preocupação do Estado republicano com a questão não chegava a constituir uma novidade, pois já existiria “um discurso político criticando a expansão de construções precárias nos morros, pelo menos desde a metade do século XIX” (GONÇALVES, 2013, p. 46). Em sentido semelhante, Rafael Almeida defende que “a existência de casebres, de construções rústicas, sem saneamento ou arruamento, ocupando terras sem título de propriedade, mesmo em áreas urbanas, não data do início do século XX”, constituindo uma prática já disseminada na segunda metade do século anterior. Ao ignorarem tais práticas, as análises habituais sobre o fenômeno da favela as teriam estudado “como objetos já plenamente constituídos, cuja existência independe dos discursos e instituições que são formados em relação às mesmas” (ALMEIDA, 2016, p. 4 e 15). Trata-se de um problema reconhecido também por Andrelino Campos – que, ao defender que “a favela não pode ser apreendida como um efeito de acontecimentos exteriores a ela”, aponta para a necessidade de compreender também a experiência de seus moradores, muitos deles descendentes dos trabalhadores escravizados (CAMPOS, 2012, p. 19). Por caminhos diversos, esses trabalhos evidenciam os limites das análises que se restringem à perspectiva do poder público republicano, apontando para a possibilidade de compreender a formação daquele o fenômeno em uma mirada mais ampla.

É seguindo esta trilha que deve ser analisada a ocupação do Morro da Providência, assim como o processo que levou à criação de certas imagens para a localidade registradas pela imprensa a partir de 1901. Se a bibliografia demonstra de forma convincente que foi nos primeiros anos da República, em meio ao acirramento da crise habitacional da cidade, que aquele espaço se tornou um problema reconhecido pelo poder público, cabe tentar compreender, a partir do caso específico deste morro, como este problema ganhou forma ao longo das décadas anteriores, analisando a perspectiva dos sujeitos que participaram desse processo. Para isso é necessário acompanhar, por meio da imprensa do período, os diferentes tipos de testemunhos daqueles que viveram no morro ao longo da segunda metade do século XIX, que iam das pequenas notícias policiais aos anúncios classificados publicados diariamente pelos grandes jornais (PEREIRA, 2016). Ainda que de forma indireta, tais registros permitem compreender as experiências, expectativas e estratégias dos muitos trabalhadores que, ao longo daquelas décadas, acabaram por fazer do morro seu novo espaço de moradia, assim como os interesses e lógicas daqueles que trataram de explorar estas carências habitacionais. Por meio do caso específico dos moradores da Providência, podemos assim trazer novos elementos para a compreensão do processo mais amplo de constituição das favelas que levem em conta a lógica de seus habitantes.

Morro da Providência

O Morro da Providência é uma favela situada no bairro da Gamboa, na Zona Central da cidade do Rio de Janeiro. Em suas encostas localiza-se uma favela com o mesmo nome, destacada por ser uma das favelas mais antigas do Brasil. O povoamento do morro iniciou-se efetivamente na década de 1890 por moradores despejados de um cortiço e por soldados que participaram da Guerra de Canudos.

Pocinho - Morro da Providência

No alto da primeira favela do Brasil em meados dos anos 90, a população favelada local sofria com a falta estrutural de saneamento básico que lhes poderia conferir água limpa em suas casas. Por vezes a falta deste bem era generalizada e obrigava dezenas de pessoas, moradoras das partes mais altas da comunidade a procurar maneiras de sobreviver em meio à secura da vida, locomovendo-se por grandes distâncias em busca de uma garrafa pet de dois litros cheia de água.

Museu a céu aberto do Morro da Providência

Em janeiro de 2007, o Prefeito César Maia, em um ato político, incluiu na lista “Prioridades de 2007” a promoção de visitas turísticas sistemáticas ao Museu a Céu aberto do Morro da Providência. O objetivo do Prefeito com isso, era tentar implementar outras idéias para viabilizar a visitação do Museu, já que até meados de 2006, o projeto enfrentou seríssimas dificuldades, com as visitações comprometidas pelos constantes conflitos entre policiais e narcotraficantes.

Teleférico do Morro da Providência

Em fevereiro de 2012 iniciou as obras do transporte aéreo por cabo, o teleférico do Morro da Providência, como parte do programa de revitalização do Porto Maravilha. que ligava da Central do Brasil a Praça Américo Brum e a estação Barão da Gamboa a Praça Américo Brum (destino) totalizando 3 estações e com capacidade de mil pessoas por hora.

Casas Marcadas (documentário)

Ver também

Notas e Referências