Luiz Alberto da Silva - Dj Caniball - (entrevista)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Revisão de 18h24min de 15 de julho de 2024 por Nsmiranda (discussão | contribs)

Luiz Alberto da Silva é músico, produtor fonográfico e DJ. Além disso compõe o núcleo da coordenação de uma das maiores organizações de promoção de festas funk atualmente no estado do Rio de Janeiro: A Gestão duas vezes inteligente (G2D). Esta entrevista é parte do quadro do Projeto Identidade.

Autoria: Entrevistado: Dj Caniball - Entrevistadora: Norma Miranda

Apresentação

Este verbete compõe o quadro do Projeto Identidade que consiste em um trabalho de campo, desenvolvido pela Pesquisadora Norma Miranda, que escolheu a comunidade do Boaçú, localizada na cidade de São Gonçalo situada no estado do Rio de Janeiro, para dar visibilidade e atenção para a diversidade cultural que ali se encontra presente. A terra de Vinícius Júnior (Jogador de Futebol) possui inúmeras sementes valiosas e este verbete busca revelar algumas.

No lugar mais alto da favela, enquanto se deu a entrevista, contemplamos uma linda vista e foi dessa vista que de maneira informal conversamos. Abaixo da sorte de um céu azul separado para este dia, ampliamos o olhar: seja pelos ricos assuntos tratados ou pela beleza da natureza quando observada daquele ponto mais alto.

Quem é o Dj Caniball?

Em entrevista com Dj Caniball, diretamente no Monte da 40 - Complexo do Boaçú / SG. Conversamos para saber um pouco da sua infância e sobre o profissional que se tornou ao longo de muita luta e desafios que se apresentaram a partir dos anos 1980 (ano de seu nascimento).

Luiz Alberto da Silva, tem 42 anos de idade e aos 11 anos precisou buscar alternativas para sobreviver em meio a muitas dificuldades. Em entrevista ele nos revela como foi na escola e relata as dificuldades que precisou lidar para ali permanecer. Além disso, fala sobre os incentivos que teve da sua família para dar continuidade aos estudos e não desacreditar da vida.

História de vida entrelaçada: a favela e o funk

Nas palavras do entrevistado

Bom, a minha história começa lá pra 93, 94, eu gostava muito de música, porém, o meu foco era ser goleiro de futebol e eu demorei um pouco a crescer, estatura física, má alimentação né, então eu não tinha uma estrutura legal, médico nem pensar. Minha mãe só queria trabalhar e deixava os filhos com a minha avó né, então eu desisti do meu sonho de ser goleiro e embarquei na música.

94, 95 a minha primeira dupla de funk foi com o Formigão, hoje todo mundo chama ele de Formiga, DJ Mc Formiga. Comecei a atuar, como todo jovem, tentando o meu lugarzinho no pôr-do-sol, porque o sol era muito quente né, então a gente queria sempre um lugarzinho no pôr-do-sol para relaxar e ficar tranquilo, mas como a história de todo iniciante é difícil, a minha não foi diferente. Comecei como Mc né e depois eu fui aprendendo a ser DJ.

Com certeza já dependi do funk como geração de renda para o meu sustento, por muitos anos, inclusive hoje se eu não trabalho de carteira assinada, se eu não tenho patrão, se eu não preciso acordar cedo, eu agradeço muito ao funk. A importância do funk na minha vida é... o funk é tudo para mim, tipo assim, eu sou aquele cara que não fico preso ao funk da antiga, eu acho que funk é funk, desde os primórdios até os dias de hoje, eu não consigo generalizar e separar o joio do trigo, tudo é funk, inclusive o que a gente consumia de fora né, os Miami bass, os freestyles, os melodies né, os rasteiros que vinham de fora da Europa e a gente consumia mesmo sem entender o que estava consumindo, pra você ver a força que o funk tem né, que ele coloca na nossa cabeça algo que a gente não entende.

E dali a gente começou a surgir as melodias para que pudéssemos transformar o funk em português, isso aí o precursor foi o Dj Marlboro. E é isso, funk é tudo na minha vida, se me tirarem do funk é como se estivessem me tirando a minha liberdade, o direito de ir e vir, liberdade de expressão, enfim, é tudo na minha vida o funk.

A particularidade do funk, na minha visão, juntando o significado na minha percepção, é um movimento que muda a vida das pessoas, é um movimento muito perseguido por que? Os outros gêneros musicais gastam muito dinheiro pra você fazer sucesso, às vezes você compra mídia e não acontece, o funk não, ele tem esse poder, de você falar uma palavra e ela se tornar a música, o funk tem esse poder, você fala uma frase e ele te deixa milionário, ele te deixa bem de vida, ele ajuda a tua família, ele te leva para outros países, coisas que só jogadores de futebol né, só pessoas com muita influência conseguem conhecer.

Eu tiro até no meu caso pô, o funk me levou pra 4 países, o funk me deu um pouquinho de coisas que eu tenho, o funk me apresentou pessoas que eu não imaginava conhecer né, pela dificuldade financeira da época, pelo grau de escolaridade, por não falar outras línguas fluente e por você ser um simples produtor, um simples compositor, você conseguir mover isso tudo a seu favor, entrar num avião, chegar num lugar e as pessoas estarem te esperando, pegar um ônibus de viagem, pegar um carro e ir para um lugar, você ver aquele lugar cheio, as pessoas “Caramba, eu estou aqui por causa do Caniball, eu estou aqui por causa do artista que o Canibal ajudou, da letra que o Canibal escreveu”, então isso é muito gratificante.

O funk ele agrega, soma, traz pessoas, liberta também muitos jovens né, porque se o jovem for fazer sucesso no funk, exemplo aí o do momento é o Mc Pose, era traficante de droga da favela do Rodo, teve uma oportunidade e hoje é o número 1 do trap funk do estado do Rio de Janeiro, acumulando milhões em outros, mansões, bens, e aí é o funk. E a mídia cai matando, por que? O funk consegue transformar a vida da pessoa. Às vezes o cara investe 1 milhão no sertanejo e o cara bota 1000 reais no funk e estoura, e o cara que investiu 1 milhão no sertanejo fica aí falando sozinho, com os olhinhos cheio d’água, isso é o funk, é o movimento.

Eu costumo dizer, dentro aqui do meu jargão popular e particular, que o funk é igual à Exú e Pomba Gira, é o movimento, é a rua, é a encruzilhada, é a estrada, é o vento. O funk é igual a Exú, ele tem o poder de mudar tudo em segundos.

Exemplo aí a plataforma de tiktok, quem diria que o funk dominaria duas plataformas de música assim de uma maneira extraordinária como são essas duas hoje pô. Você abre o tiktok 90% é funk, aí depois vem outros gêneros, vem outras dancinhas, outras coisas, mas não, o funkeiro hoje já sabe que você vai lá no tiktok bota um funk de 15 segundos e amanhã você pode amanhecer milionário, dependendo do viral né da internet.

O funk "da antiga"

Nas palavras do entrevistado

O funk ele assim... igual o funk da antiga, quem diria que uma música de 20, 30 anos atrás iria tocar hoje, eu chego até a me emocionar quando eu falo do funk né, quem diria que iria tocar hoje e os jovens iriam aderir pô, nem nos meus melhores sonhos eu imaginava isso pô, que eu tocaria hoje uma música de 30 anos atrás e iria ouvir o meu filho de 12 anos cantando algo que ele não era nem nascido pô. Eu toco músicas hoje que são mais velhas do que eu, estou com 39 né, tem aquele [4:14... cambalhota], me fugiu da memória agora, o [...], e outros né, Ademir Lemos, entendeu? Então, são músicas às vezes que tem até a minha idade ou mais velhas do que eu, que eu toco hoje no baile e as pessoas falam “Que isso?”, Copacabana beach pô, entendeu?

Então, o funk é isso, às vezes ele consegue se renovar com algo que já existe há 20, 30 anos pô, e ao mesmo tempo ele engole tudo com uma música que começou hoje, com uma frase sem sentido, com uma música sem pé, sem cabeça, sem qualidade nenhuma na produção, sem teor nenhum de conteúdo na letra, mas isso é o funk pô. Tem pessoas que escrevem início, meio e fim, tem pessoas que escrevem só o início vai lá e boom, some daqui à 1 ano, 2 anos, mas já comprou a casa, comprou a moto, comprou um carro. E outra coisa que o funk tem muito poder, a música passa num estado, numa cidade, daqui à pouco ela domina outro país, outro país, outro país e viram países, exemplo, Tati Quebra Barraco viaja para vários lugares do país, para outros países, outro exemplo, Carol de Niterói foi dar uma palestra lá nos Estados Unidos, dentro de um consulado lá né, muito famoso, então... ah mas a Carol só canta putaria, fala que o homem tem que bater nela, xingar... mas isso é o funk, ele quebra paradigmas, ele te leva a lugares que você não imagina.

O poder do funk

Nas palavras do entrevistado

Quem acredita no funk consegue viver dele, mas aí vem o lado da honestidade, do momento, de Deus, o seu momento espiritual, o teu preparo né, porque a gente vive uma guerra espiritual, até entrando em outro campo aqui rápido pra você ver se tira algum proveito né, você tem que estar preparado espiritualmente, você tem que estar preparado pro sucesso. E a gente tem que tomar muito cuidado quando a gente pega o sucesso, porque ele vem cercado de muitas coisas, inveja, olho grande, destruição, dinheiro cheira sangue.

Então, você tem que estar muito estruturado, com uma assessoria boa pra poder te aconselhar, porque pobre nunca ganhou dinheiro, ele vai lá e ganha, daqui a pouco ele gasta tudo, porque ele nunca teve, então ele acha que aquilo ali veio a calhar, é uma renda extra pô. Então, eu respondo até por mim também, porque eu já fui jovem, fazia 7, 8, 9 bailes por noite pô, como o bonde dos gorilas, 2004 foi o meu auge pô, eu fiz 13 anos de rádio, então pô jovem, namorando todo mundo.

O funk tem esse poder, ele te deixa rico, mas te deixa pobre, mas daqui à pouco do nada você vai lá, faz outra coisa e te bota na moda de novo. Pô, são vários exemplos, Mc Serginho aí, vai lacraia, viaja o Brasil todo, se eu for ficar falando aqui o áudio vai se estender pra 10 minutos, talvez nem acrescente muito no trabalho.

Bom, eu acho que eu expliquei tudo aí né, o significado do funk é isso, ele se renova a todo momento, às vezes ele se renova até no que já existe, porque vão surgindo novos personagens, aquelas pessoas que curtiam lá atrás também já morreram e as outras pessoas vão começando a aderir.

Clique aqui, assista partes da entrevista!

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Fotos

(Em construção)

Ver também

Subgêneros do funk

Funk das antigas - episódio 19 (programa)

Comunidade, território e bailes funk de corredor: Rio de Janeiro, década de 1990