Memória e resistência: memoriais produzidos pela Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Um memorial é um objeto ou lugar que serve de foco para a memória ou a comemoração de algo, geralmente uma pessoa influente, falecida ou um evento histórico e/ou trágico. Formas populares de memoriais incluem objetos de referência, como casas ou outros locais, ou obras de arte, como esculturas, estátuas, fontes ou parques. Memoriais maiores podem ser conhecidos como monumentos. Este verbete tem o objetivo de apresentar alguns dos memoriais produzidos pela Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR).

Autoria: Informações do verbete reproduzidas pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco a partir de redes de comunicação oficiais da organização.

Sobre[editar | editar código-fonte]

A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial é uma organização que atua com ações de enfrentamento à violência de Estado. Dentre as pautas da organização, como debater Segurança Pública na Baixada Fluminense a partir da centralidade do racismo, as ações do grupo também são centradas pela memória. Confira abaixo alguns dos memoriais produzidos pela organização.

Segundo a IDMJR, "os memoriais existem de forma constante para quebrar a naturalização do genocídio e a violência de Estado que retira filhos das suas mães e jovens de seus sonhos de forma tão precoce e traumática". A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial acredita que essa forma de expressão produz denúncia ao mesmo tempo em que possibilita o fortalecimento de redes de acolhimentos que caminham ao lado dessas mulheres.

O valor da memória não é medido de maneira objetiva, ele se perpetua na identidade de um povo, sendo capaz de promover grandes revoluções, sobretudo quando essas memórias motivam as classes trabalhadoras nos levantes coletivos pelos direitos sociais.[1]

Memorial Carlos Henrique[editar | editar código-fonte]

Memorial Carlos Henrique

O memorial Carlos Henrique faz parte de uma série de memoriais que a Iniciativa vem produzindo junto com familiares vítimas de violência de Estado fazendo, através da arte do grafite, uma forma de justiça afetiva contra a política de morte organizada por uma série de ausências sistemáticas que faz parte da história da Baixada Fluminense.

Dia 21.08.2021 foi um dia especial  para rememorar a vida do jovem Carlos Henrique que foi homenageado por sua mãe, Elizabeth Santos, a IDMJR e o grafiteiro Rodrigo Mais Alto. Morador de Belford Roxo, Carlos Henrique foi sequestrado e desaparecido em 2020, quando saiu para encontrar os amigos e não foi mais visto, tendo o corpo encontrado dias depois por sua mãe Elizabeth. As mães e familiares travam uma luta incansável contra a naturalização do genocídio.

Memorial nossos passos vêm de longe[editar | editar código-fonte]

Memorial Nossos passos vêm de longe

A história da Baixada Fluminense é narrada por mulheres negras, mães, irmãs, vizinhas, tias, avós, trabalhadoras, chefes de família, professoras, artistas, feirantes, enfim, as mais diversas personalidades que formam um corpo histórico de enfrentamento às violações do Estado.  Porém, o que conhecemos sobre essas mulheres? Como elas estão representadas dentro dos territórios de atuação? Quantas têm suas lutas reconhecidas?

Partindo dessas reflexões a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial produziu, junto com os artistas baixadenses Rodrigo Mais Alto e Kleber Black, o memorial “Nossos Passos Vêm de Longe”, lançado dia 19.06,.2021 no município de Duque de Caxias.

Rose Cipriano, Mãe Beata de Yemanjá, Silvia Mendonça, Ana Leone, Maria Conga, Dona Leonor, Nivia Raposo, Fátima Monteiro e Marielle Franco são as imagens ilustradas no mural que fica na Avenida Leonel de Moura Brizola, representando a trajetória atemporal das lutas que as mulheres negras escrevem com seus corpos, inteligência e cuidados, no enfrentamento ao genocídio, ao apagamento cultural e pela garantia de serviços básicos para as populações na baixada.

A inauguração do memorial que mostra o rosto de mulheres negras trouxe à tona uma fala fundamental e coletiva: Precisamos de referências positivas sobre o cotidiano da Baixada Fluminense para que as pessoas se sintam pertencentes a esse lugar.

A arte do grafite, que também educa pela estética, mostra o quanto a Baixada Fluminense é um terreno fértil para a produção de imagens que proporcionam outros olhares sobre as narrativas de enfrentamento. Como disse Kleber : “teve pessoas aqui que eu não conheci, que já partiram, mas eu sinto que retratá-las, de alguma forma eu faço com que elas se perpetuem.” Já para o Maisalto: “Ainda mais aqui na nossa cidade, em Duque de Caxias, é sempre bom registrar e poder reviver as lutas através do grafite e da arte.”

Memorial mulheres negras e faveladas na luta contra a militarização[editar | editar código-fonte]

Memorial mulheres negras.jpg

No dia 29 de Julho de 2022, na semana em que se comemorou o Dia da Mulher Negra, Latinoamericana e Caribenha, a IDMJR em parceria com o Julho Negro lançou o Memorial Mulheres Negras e Faveladas na Luta Contra a Militarização, situado na Rua Visconde de Niterói, em frente ao Museu do Samba, na subida do Morro da Mangueira.

Muro da Emily & Rebeca[editar | editar código-fonte]

No dia 30.01.2021, familiares, amigos e integrantes dos movimentos sociais no Rio de Janeiro estiveram em Duque de Caxias para a inauguração do memorial em homenagem a Emily e a Rebecca, as duas meninas que brincavam na frente de casa, foram assassinadas pela polícia em mais uma incursão sem explicação como as que acontecem cotidianamente na baixada fluminense. Emily tinha 4 anos e Rebecca 7 anos.

Muro da Emily & Rebeca

O direito à infância não existe para crianças negras e moradoras desses territórios. Isso fica muito nítido quando observamos os familiares das crianças relatarem essa tragédia que se repete historicamente. Dona Lígia, avó da Rebecca e tia da Emily trouxe reflexões fundamentais sobre a maneira como o Estado trata essa população.

O memorial chamado Muro da Emily e da Rebecca chama atenção para a negligência com que o caso das meninas vem sendo tratado, reacendeu o debate sobre a violência do Estado e a denúncia sobre a paralisação das investigações.

Renata, mãe da Rebecca, falou sobre a dolorosa espera de justiça. Ana, mãe da Emily, nos contou que a revolta é tão grande que falta força para falar o que ela vêm passando desde o assassinato das duas meninas.

Amigos das famílias também estavam presentes, assim como as crianças, primos, irmãos, coleguinhas da escola e das brincadeiras que toda criança deveria poder vivenciar. Embora emocionados e gratos, é inegável a dor silenciosa que atravessa o olhar dessas pessoas.

O memorial surge como um alento para essa comunidade no bairro do Pantanal em Duque de Caxias. Ter o rosto das meninas em uma via pública, de amplo movimento é um constante grito de denúncia e uma forma de identificar que a vida da Emily e da Rebecca foi violentamente retirada pelo Estado, na execução da ação policial, e que essa tragédia não pode ser tratada apenas como mais um caso.

Memorial Hidra do Iguassú[editar | editar código-fonte]

Hidra do Iguassú foi o complexo de quilombos liderado por mulheres que fundam a região da Baixada Fluminense. O memórial está localizado no Parque Centenario em Duque de Caxias - RJ

Memorial Hidra Iguassú

A história da Baixada Fluminense é atravessada pela ideia de que esses municípios são abandonados e negligenciados, tendo uma população sem identidade coletiva, porém quando analisamos os processos de apagamento que a baixada sofreu percebemos que essa narrativa foi estruturada para o não pertencimento, sendo essas características pejorativas parte de uma produção sistematizada pelo Estado.

Uma das resistências mais fortes que se tem notícia, vem pela formação quilombola da Hidra de Iguassú, sendo uma analogia à mitologia da Hidra de Lerna, a serpente de muitas cabeças, esse quilombo foi uma sociabilidade fundamental para as terras deste lado de cá da Guanabara, instaurando o enfrentamento ao Estado escravagista e definindo a autonomia de uma geração de negros fugidos e indígenas destribalizados.

As áreas comandadas pela Hidra de Iguassu fundaram a região da baixada fluminense, que desde sua origem é um território marcado pela resistência e por lutas contra as violações do Estado, durante seus quase 100 anos de existência a Hidra foi configurada como o principal problema de segurança pública para o governo brasileiro devido a dificuldade de captura e subjugação deste aquilombamento.

Por isso, torna-se muito importante recontar a história da resistência por meio dos quilombos, sobretudo a resistência das mulheres negras que defendem cotidianamente a vida dentro dos seus territórios periféricos. Ressalta-se que a fundação do território da Baixada Fluminense foi protagonizada pela intensa luta de resistência dos quilombos que cotidianamente enfrentam o braço armado do Estado e conquistaram sucessivas vitórias.

Por memória e justiça: Joana e Marcos Paulo[editar | editar código-fonte]

Marcos Paulo e Joana Bonifácio

Marcos Paulo e Joana Bonifácio tiveram a coincidência de serem mortos em estações de trem da Supervia, e a coincidência para por aí, pois o motivo que resultou em suas mortes, é algo histórico e que estrutura todas as relações e formas de controle de corpos e metodologias de genocídio no Brasil e na Baixada Fluminense nessa sociedade capitalista, o racismo.

Marcos Paulo, foi morto por um agente prisional na Supervia com o argumento que ele estaria roubando na linha férrea no dia 3 de julho de 2019.

Joana Bonifácio foi morta no dia 24 de abril de 2017 pelo projeto político histórico da ausência de estrutura da política de transporte público, ou seja, o espaço inadequado entre a plataforma e o vagão do trem foi o que a matou, descaso? não, o nome disso é racismo institucional.

A morte de Marcos Paulo e de Joana Bonifácio não são casos isolados, cotidianamente os trabalhadores ambulantes, popularmente conhecidos como camelôs, são perseguidos por seguranças privados e policiais militares, com casos de mortes também. A partir da morte de Joana , Rafaela Albergaria sua prima e família junto a Casa Fluminense acessaram a Lei de Acesso à Informação e solicitaram ao Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão ligado ao governo do Estado, os dados sobre mortes e acidentes na supervia e apenas observando os casos de atropelamento ferroviário que ocorreram em municípios cortados pelos trens da SuperVia, percebe-se que em 2017, ano em que Joana morreu, foram 66 casos, 30 a mais do que em 2016 e 41 a mais do que em 2015. No total, de 2008 a 2017, foram 285 casos de homicídio culposo provocado por atropelamento ferroviário e 138 casos de lesão corporal culposa provocada por atropelamento ferroviário nos municípios que são cortados por trens da SuperVia. Esses números mostram o racismo institucional.

Todo esse processo gerou uma mobilização por parte de familiares com apoio de organizações e movimentos sociais para a garantia da memória e justiça racial.

Memorial Baixada Resiste[editar | editar código-fonte]

Memorial Baixada Resiste


Resistir diante às opressões e violências que as estruturas sociais organizam como relações cotidianas nos territórios periféricos é uma ação que só tem sentido quando refletimos coletivamente. O dia 09.10.2021 foi um data para construir mais uma possibilidade de reflexão – ação sobre esses enfrentamentos. A IDMJR lançou o memorial Baixada Resiste, na Via Light em Nova Iguaçu, ilustrando a luta combativa de personalidades que resistem cotidianamente em diversos campos de atuação contra a violência de Estado, sobretudo as que são imputadas à população negra e pobre.

Na resistência da Baixada Fluminense a diversidade de ações marca uma característica muito específica desses territórios: a resistência está sendo constantemente construída de várias formas. Os homenageados e as homenageadas neste memorial formam um panorama sobre as condições sempre controversas de uma população que foi definida como não cidadãos. Na religiosidade de matriz africana, na educação pública, na cultura de periferia e na constante violência naturalizada, a população da Baixada segue reivindicando o não apagamento dessas narrativas produzidas dentro dos territórios.

Memória: nossos mortos têm voz[editar | editar código-fonte]

A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial – IDMJR, busca promover um sentimento coletivo de reprovação a qualquer tipo de violação, principalmente as distintas faces da violência de Estado. Por isso, entendemos a Justiça Racial como instrumento de reparação histórica.

O primado do não esquecimento volta-se para uma perspectiva intergeracional, de um futuro diferente e para que os atos traumáticos não mais se repitam.

Além disso, objetiva-se combater os resquícios do sistema escravista que ainda resistem, nas dimensões materiais e simbólicas, por isso sempre estaremos aqui para gritar: NOSSOS MORTOS TÊM VOZ!

Pelo Direito à Memória e o não esquecimento do legado do nosso povo!

Memória: Nossos mortos têm voz

Ver também[editar | editar código-fonte]