Gírias: mudanças entre as edições
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As gírias, como forma de comunicação, vão muito além dos signos (significante+significado), pois elas traduzem diferentes valores e conteúdos de acordo com o contexto (ou grupo onde está sendo utilizada), o tom de voz (xingamento ou afetuoso), e a própria expressão corporal. Ou seja, elas fazem parte da riqueza e dinâmica da linguagem falada, que vai muito além da linguagem formal escrita. </div></div> | As gírias, como forma de comunicação, vão muito além dos signos (significante+significado), pois elas traduzem diferentes valores e conteúdos de acordo com o contexto (ou grupo onde está sendo utilizada), o tom de voz (xingamento ou afetuoso), e a própria expressão corporal. Ou seja, elas fazem parte da riqueza e dinâmica da linguagem falada, que vai muito além da linguagem formal escrita. </div></div> | ||
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'''Autor: '''Rodolfo Viana. | '''Autor: '''Rodolfo Viana. | ||
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O termo “coió” – que, simplificadamente, pode ser entendido como sinônimo de homofobia – tem origem na linguagem conhecida como “pajubá”, uma fusão da língua portuguesa provenientes de diversos idiomas africanos. Trata-se de um linguajar informal, negro, ligado a religiões de matriz africana, como o candomblé – que, curiosamente, foi apropriado por parte da comunidade LGBT como um linguajar próprio. Contudo, se o “coió” guarda alguma relação com a cultura oral negra, é possível que a violência que o termo sinaliza também mantenha laços estreitos com a vivência negra.<br>Diz-se “não vá por aí que você pode tomar coió”, alertando para casos de agressões físicas; ou “corre, viado, que é coió!”, um grito de alarme quando se avista uma agressão física já em curso. Ou apenas se faz algum tipo de observação pejorativa sobre uma vestimenta, por exemplo, “todo mundo me olhava, tomei muito coió”. | O termo “coió” – que, simplificadamente, pode ser entendido como sinônimo de homofobia – tem origem na linguagem conhecida como “pajubá”, uma fusão da língua portuguesa provenientes de diversos idiomas africanos. Trata-se de um linguajar informal, negro, ligado a religiões de matriz africana, como o candomblé – que, curiosamente, foi apropriado por parte da comunidade LGBT como um linguajar próprio. Contudo, se o “coió” guarda alguma relação com a cultura oral negra, é possível que a violência que o termo sinaliza também mantenha laços estreitos com a vivência negra.<br>Diz-se “não vá por aí que você pode tomar coió”, alertando para casos de agressões físicas; ou “corre, viado, que é coió!”, um grito de alarme quando se avista uma agressão física já em curso. Ou apenas se faz algum tipo de observação pejorativa sobre uma vestimenta, por exemplo, “todo mundo me olhava, tomei muito coió”. | ||
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Autoria: Léu + Coletivo Cine&Rock | Autoria: Léu + Coletivo Cine&Rock | ||
<br>Adjetivo<br>ar·rom·ba·do<br>(particípio de arrombar)<br>1. Que se arrombou.<br>2. Que têm rombos.<br>3. Pessoas que cometeu um erro muito grande, que vacilou entre os amigos,<br>3. [Brasil: Rio de Janeiro, Informal] Que tem muita sorte. Um sortudo ou que tenha<br>conquistado algo ,muito bom.<br>Substantivo masculino<br>5. [Brasil: Rio de Janeiro,Tabuísmo]<br>Homem que, numa relação sexual homossexual, é penetrado no sexo anal. | |||
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Autoria: [[Teia de Solidariedade da Zona Oeste|Teia de Solidariedade Zona Oeste]] | Autoria: [[Teia de Solidariedade da Zona Oeste|Teia de Solidariedade Zona Oeste]] | ||
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# Aquela que está nos mesmos rolés; | # Aquela que está nos mesmos rolés; | ||
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Autoria: Só Cria - Pré-vestibular / Mateus Sousa | Autoria: [[Só Cria - Pré-vestibular]] / Mateus Sousa | ||
Edição das 20h15min de 28 de março de 2022
O presente verbete reúne gírias a partir da contribuição de diferentes autores, de diferentes favelas. Colabore contando também as gírias que você usa no seu dia a dia.
Introdução
Autora: Sonia Fleury
As gírias são parte do processo de comunicação e se se caracterizam por serem rápidas, ágeis, pouco duradouras e cujo significado, na maioria das vezes, não se corresponde com o sentido literal da palavra. Ou seja, trata-se da atribuição de um novo significado a um significante já existente. Uma palavra, ou signo se compõe de significante e significado. O significante corresponde à imagem acústica e o significado ao conteúdo ou conceito atribuído. Enquanto o significante é formal e estático o significado é dinâmico. As gírias fazem parte desse movimento de inovação da língua falada. Anteriormente vistas com preconceito e associadas a grupos de marginais, as gírias passaram a ser objeto de estudo da sociolinguística, o ramo da linguística que estuda as relações entre a linguagem e a sociedade, a partir do trabalho pioneiro de Labov [1] sobre as variantes linguísticas. No Brasil, o estudo da língua falada foi bastante desenvolvido pelo linguista Ataliba T. Castilho [2] .
Assim foi possível identificar a dinâmica da língua falada, que varia com os territórios, faixa etária, grupos específicos e gênero etc. Em geral, as gírias têm origem em grupos mais fechados, servindo como parte da construção e afirmação de sua identidade, podendo ou não serem expandidas para outros grupos sociais com o passar do tempo, perdendo assim a sua marca de origem. Antes se atribuía a origem das gírias apenas aos grupo sociais de classes populares, mas, constatou-se que as elites também utilizam gírias e outros símbolos identitários. Por exemplo, os supremacistas brancos aparecem em vídeos tomando leite como marca de sua visão supremacista [3] .
As gírias, como forma de comunicação, vão muito além dos signos (significante+significado), pois elas traduzem diferentes valores e conteúdos de acordo com o contexto (ou grupo onde está sendo utilizada), o tom de voz (xingamento ou afetuoso), e a própria expressão corporal. Ou seja, elas fazem parte da riqueza e dinâmica da linguagem falada, que vai muito além da linguagem formal escrita.Coió
Autor: Rodolfo Viana.
O termo “coió” – que, simplificadamente, pode ser entendido como sinônimo de homofobia – tem origem na linguagem conhecida como “pajubá”, uma fusão da língua portuguesa provenientes de diversos idiomas africanos. Trata-se de um linguajar informal, negro, ligado a religiões de matriz africana, como o candomblé – que, curiosamente, foi apropriado por parte da comunidade LGBT como um linguajar próprio. Contudo, se o “coió” guarda alguma relação com a cultura oral negra, é possível que a violência que o termo sinaliza também mantenha laços estreitos com a vivência negra.
Diz-se “não vá por aí que você pode tomar coió”, alertando para casos de agressões físicas; ou “corre, viado, que é coió!”, um grito de alarme quando se avista uma agressão física já em curso. Ou apenas se faz algum tipo de observação pejorativa sobre uma vestimenta, por exemplo, “todo mundo me olhava, tomei muito coió”.
Brabo
Autoria: Brota na Laje
Geralmente usado de forma positiva para indicar que alguém foi bom ou que aquela coisa é boa, bem feita, bem solucionada, bem sucedida. O adjetivo, brabo, é usado pelos adolescentes e jovens, dentro de suas conversas internas, com o intuito de diminuir a necessidade de explicação extensiva e descritiva do sujeito indicado. Portanto, o brabo aparece na linguagem de forma corriqueira no Borel, a fim de concentrar toda a explicação e uso de palavras e frases maiores relacionadas à coisa ou alguém.
Situações do adj. brabo:
“O corte tá brabo!”
“O moleque é brabo jogando."
“Ontem na festa foi brabo.”
Mó paz
Autoria: Brota na Laje
Termo utilizado para indicar um estado de calma, sem agitações, tranquilo com a vida, agraciado por Deus. A expressão comunica o bem estar, e sinaliza saúde em equilíbrio, sem confusão ou brigas. Usada frequentemente pelos jovens, também funciona como um sinal positivo, de concordar com algo.
Exemplos de uso:
“Mó paz"
“Mó paz irmão, pode crer”
“Ah, mó paz! Como é que nóis tá? Tranquilão com a vida, graças a Deus. Vou dar até um mergulho”.
Suave
Autoria: Marginal
SUAVE
Adjetivo.
Significado: Leveza, sossegado, delicado, calmo, pouco intenso.
Aplicação: Suaves prestações.
SUAVE
Gíria.
Na favela: Ok, tudo certo, de acordo, combinado, sem estresse.
Aplicação: Suave, pô.
Mandado
Autoria: Instituto Entre o Céu e a Favela
Usado de forma pejorativa, fazendo referência a pessoas com personalidades ou ações negativas ou duvidosas.
Adjetivo usado comumente entre jovens e adultos dentro das comunicações e diálogos internos da favela.
Exemplo do uso da palavra:
“...essa mulher chegou falando demais aqui, ela está mandada...”
“...ele veio mandado, só ficou aqui p ouvir a conversar..."
“...chegou aqui mandadão falando outra coisa...”
Qual foi?
Autoria: Jhon Vital + Coletivo Piracema Santa Cruz/RJ
Expressão interrogativa utilizada na cidade do Rio quando:
1.Se quer saber como ocorreu determinado evento.
Exemplo: "Qual foi daquela resenha, lá?
2.Quando se quer expressar descontentamento com determinada postura ou ação.
Exemplo: "Qual foi comédia? Tá me tirando?"
Arrombado
Autoria: Léu + Coletivo Cine&Rock
Adjetivo
ar·rom·ba·do
(particípio de arrombar)
1. Que se arrombou.
2. Que têm rombos.
3. Pessoas que cometeu um erro muito grande, que vacilou entre os amigos,
3. [Brasil: Rio de Janeiro, Informal] Que tem muita sorte. Um sortudo ou que tenha
conquistado algo ,muito bom.
Substantivo masculino
5. [Brasil: Rio de Janeiro,Tabuísmo]
Homem que, numa relação sexual homossexual, é penetrado no sexo anal.
Mana
Autoria: Teia de Solidariedade Zona Oeste
- Expressão que usada por mulheres negras mais jovens, jovens feministas, mulheres feministas, comunidade LGBTQIA+ , como diminutivo da palavra irmã. Assim como nos EUA, mulheres negras se chamam de "sista".
- Parceira; amiga; cúmplice; irmã de luta; companheira,
- Aquela que está nos mesmos rolés;
Cria
Autoria: Só Cria - Pré-vestibular / Mateus Sousa
Ser cria é respeito
é ter Fé e ter raça
Ser cria é ter amor
no peito
Ser criar é respeitar
sua casa,
aqui é mulher
e criança primeiro
Vontade de vencer
nos tem
e se o mundo não ajuda nos dá nosso jeito!
Favelado mesmo!
Mas sabe como é, nem tudo é perfeito .
Todo dia o estado confunde meu jeito, com o jeito de algum suspeito.
O bagulho é desse jeito mesmo
Eu sou o verbo, eu sou o sujeito
a mãe leva os filhos pra escola
No meio da tarde
o telefone toca
Sem tempo pra um último beijo
Só corpos largados no chão, não!
São crianças com a bala no peito
E o estado segue lavando as mãos, e a cor da bandeira se mantém a mesma
por aqui...
apenas camisas ficaram vermelhas.
Dia após dia eu vejo a pista dizendo que quer isso mesmo
Não importa quantos inocentes morrem
Amanhã tá tudo de novo ao avesso
Não entendem que o gueto é um projeto
O medo é um projeto
Seu voto é um projeto
Meu.. ódio é um protesto
Não entendem só queremos paz, um pouco de terra e a família por perto.
Sentir segurança, planejar o futuro
Com espaço pra ser o que eu quero
Ser cria é saber disso tudo
É viver isso tudo
Ser cria, é ter coragem!
Pra bater de frente com o mundo, não importa a velocidade.
- ↑ LABOV, W. Sociolinguistics patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1963
- ↑ https://revistapesquisa.fapesp.br/ataliba-teixeira-de-castilho-o-linguista-libertario/
- ↑ https://noticiapreta.com.br/durante-live-bolsonaro-toma-copo-de-leite-simbolo-nazista-de-supremacia-racial/