Seu Olívio (entrevista): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Sem resumo de edição

Edição das 14h16min de 18 de junho de 2021

Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao Dicionário de Favelas Marielle Franco.

Sobre o projeto

A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Nesse episódio, o entrevistado é seu Olívio.

Entrevista

Transcrição

Eu sou Olívio Bonna, nasci em 1942. No Espirito Santo e vim pro Rio de Janeiro em 1965- vim direto para Jacarepaguá. Estou aqui até hoje, a minha ideia era vim, conseguir dinheiro, voltar para comprar um terreno e eu sou apaixonado pelo interior, e vim da lavoura. Mas eu não consegui. Estou tentando até hoje para conseguir o dinheiro para voltar. Mas estou feliz aqui, porque hoje com 71 anos, me sinto – não realizado, mas eu sei que contribui com Jacarepaguá, que eu adotei com minha terra mãe.

Eu vivo mais aqui, do que na minha terra natal.

Eu cheguei no Rio de Janeiro, e não sabia fazer nada, eu só sabia trabalhar na agricultura. Então o primeiro lugar que eu procurei trabalho foi no Porto Agrícola para trabalhar com agricultura. Então eu comecei fazer biscate. Tinha muitas chácaras.

Naquela época Jacarepaguá era uma área rural, 1965- A única coisa que descaracterizava a área rural era o bonde. Quando cheguei eu me sento em casa.

Eu trabalhei numa chácara de um alemão, na Rua Baipendí. Ele era dono de uma metalúrgica- e ele me levou para fábrica- trabalhei com ajudante geral e 2 anos depois eu já era serralheiro.

Ele me perguntou o que eu sabia- eu sabia faz balaio, peneira, armadilha pra peixes, cortar cabelo, tocar viola. Nada disso servia pra ele.

Ele me botou como ajudante, 2 anos depois eu já era serralheiro.

E é por isso que estou aqui dando este depoimento.

Na prática eu aprendia nas oficinas, mas e fui procurar algo mais teórico. Então eu fui pro sindicato dos metalúrgicos tinha uns cursos, que naquela época já estava sob intervenção militar e eles só faziam cursos profissionais.

Fui fazer o curso de serralheiro, e não tinha no momento. Então fiz de soldador. E lá comecei a encontrar alguns camaradas, que mesmo sob intervenção, falavam sobre politica. Eu achava interessante- naquele momento, paralelamente, eu estava estudando na Igreja Católica, a ecologia da Libertação, as Conferências dos Bispos – Puebla e Medellin- nos anos 70- eu estudava com o grupo MFC. Movimento Familiar Cristão e estudava e vinha de encontro a tudo que eu pensava da vida.l

Então eu achei que ia mudar a sociedade através da Igreja. Eu peguei a 1ª bandeira de luta. A Teologia da Libertação levarão a gente ao povo, a procurar as comunidades carentes para trabalhos. E nós criamos grupos- o Pe. Alexandre bem de idade- muito conservador, mas ele deixava a gente fazer e dizia cuidado porque se vocês forem presos eu não vou lá soltar vocês não.

A gente ia pra porta da Igreja para formar o movimento dos Circulos Bíblicos- 1º passo e fazer formação para depois CEBS. Comunidades Eclesiais de Base.

Aí criamos a CEB de Shangrilá. Com Pe. Jozino, e outra na Boiuna.  E no Lote Mil- que não virou CEB.

Em menos de 1 mês, criamos 25 grupos. Nós trabalhávamos e no tempo vago só fazia isto. A ideia era fazer uma Igreja em cada casa, uma igreja domestica- popular- era tudo leigo.

O pensamento do João XXIII, depois Paulo VI- e diziam que estavam virando comunistas na Igreja, aí veio João Paulo II e acabou com a Teologia. Frei Leonardo Boff foi perseguido, foi pro tribunal da inquisição.

O Papa Bento é que colocou a Teologia da Libertação. Ele sofreu com o próprio veneno.

Bom entrei nos movimentos populares, partido político, Associação de Moradores.

Na igreja, na missa era só um lugar para recarregar a bateria, mas na rua, era  o lugar de agir.

Em tão o grupo pensou- tinha um grupo jovem muito bom, muito grande- e então resolvemos reativar a AMOATA. A associação de moradores da Taquara (1980/1981).

Nós resolvemos assumir. E eu tinha pouca experiência. Eu acreditava em tudo. Era fácil me enganar. Então ia pra FAERJ e eu dava os informes- e os caras desciam o cacete em mim e eu percebi depois que era por questões politicas- eu vi que não era isso que eu queria- eu queria mudar a sociedade- eu voltava dava informes- falava que quase me bateram e eles riam- porque sabiam o por que.

Daí percebemos que nós precisávamos muito para encaminhar nossos projetos, as coisas, muitos problemas, questão de luz, transporte- (se agora é ruim- antes era muito pior).

Então a gente organizava, comissões pra ir às secretarias. Aí percebemos que era preciso entrar aí resolvemos ajudar e colher assinaturas para organizar o PT na política.

Por isso me doe o coração com as mazelas que está aí hoje a corrupção e tudo que aconteceu- porque eu ajudei a criar este partido com o maior boa fé, tenho certeza disto.

E aí nós nos envolvemos o máximo com a politica.

Eu acredito- partido politico é uma parte da sociedade- que pensa igual.

No PT- a coisa vinha de baixo pra cima, as propostas vinham de base, mas quando chegou ao poder começa a vir de cima pra baixo.

E hoje está difícil uma alternativa- se não houve uma reforma politica muito forte mesmo- não tem PSOL- não tem partido nenhum – porque são 3 poderes. Eu estava muito desanimado- mas parece que o povo começa a enxergar e vir pra rua. Mas não basta isto. Eu acho que até para um governo de boa fé- o povo na rua é muito importante- vai servir muito.

Agora não vai servir pros calhordas que estão pra seguir. Mas para o governo que tem boa fé, é muito importante esse pessoal na rua. Vai ajudar porque são 3 poderes e um travando o outro. O judiciário travando o executivo, os parlamentares travando o executivo. É uma loucura essa politica. Só que tá lá dentro é um balaio de gato.

E a reforma politica que vem do povo- as decisões- na constituição diz do povo, mas nas eleições- se submete a pagar pessoas para fazer campanha- a politica moderna está profissional.

Antigamente era a gente que fazia os panfletos.

O que eu penso, que é difícil fazer hoje uma reforma politica- porque os deputados que estão lá muitas pessoas acabam encantando – quando conseguem uma viagem de avião.

A Igreja ajudou muito- a gente colocar a pessoa humana na frente de tudo.

Na associação de moradores, eu fui presidente, nisso sem muita experiência, mas com bastante boa vontade.

Nesta época pipocou as ocupações e os conflitos.

Como presidente da Associação eu participei de muitas ocupações.

Eu sai no jornal toda semana, em entrave.

Tais perigosas- jogando uns com os outros.

Me lembro de uma entrevista- quando falei do curso do rio limpo até certa altura- depois ficava poluído- depois publicaram que eu acusei certa comunidade (do Tancredo) e depois eu recebi ligação me questionando.

O passado não volta, mas é importante olhar o passado, para aprender algumas estratégias- dentro dos movimentos comunitários- nós fomos obrigados a fazer parcerias. Também os partidos políticos tem que fazer parceria.

Na Cebe Pe. Jozimo - com nossos recursos- não conseguíamos fazer as casas e então fizemos parcerias com ONGS- para apoio financeiro- O projeto técnico foi feito pela comunidade- com ajuda de engenheiros e arquiteto. Mas o financiamento?

Fizemos parceria. Mas perdemos o    apoio  politico.

Eles têm um preço é muito caro as vezes.

A divergência surge, quando os parceiros queriam usar o projeto como sua bandeira, e nos atrapalhando.

Eles conseguem captar os moradores- e tivemos que sair.

Outras experiências, outros conflitos.

Nós tivemos duas ocupações muito complicadas.

Na Meringuava e na Amaú perdemos para militar

Na véspera do natal- Amaú- o telefone tocou- eram gritos- pedindo ajuda. Tinham pessoas acampadas. Parecia um campo de guerra- barracos queimados- encapuzados, eram milicianos- que tinha a ver com o Eduardo Paes.

Dois meses depois ele derrubou os barracos. Fizemos acampamento morando na rua.

Novamente- as 6 horas da manhã- Eduardo Paes- estava lá, com tratores derrubando os barracos. A imprensa chegou.

Ele foi embora, mas esta tudo registrado nos jornais da época.

Na Meringuava- nós tentamos ocupar 3 vezes aquele terreno- quando chegava lá- a policia já estava lá- vazava do próprio grupo.

Eu tenho muita esperança se 5 ou 6 pessoas se entendessem de verdade. O gente difícil de se entender- dos movimentos sociais.

Então formamos um grupo de total confiança- eu (Taquara)João Marco( Boiuna),     Isabel( pastora da Igreja Batista) e o Tião sem medo eram 5 pessoas de total confiança.

E as definições da ocupação só esses sabiam.

Aí as reuniões continuaram na Igreja Batista. Toda semana tinha.

Meia noite- ocupamos o terreno. Em meia hora fizemos 1 barraco de 5 metros. As crianças e as mulheres todas lá dentro. A policia chegou e passou a noite do lado de fora. E nós cantando os hinos da Igreja. Passou a noite assim. De manhã chegaram os parlamentares. Edson Santos. Marcelo dias e Eliomar Coelho.

Aí começa o cadastramento e os conflitos.

São tantos conflitos.

Aí surge um desentendimento. Certo momento da proposta do Tião e Isabel- do Tião fica no terreno. Eu discordei. Achava que ele até deveria ocupar depois, mas não naquele momento. Apenas quando ganharmos o terreno. Mas houve votação e o Tião ficou. Neste momento eu decidir sair.

Houve um dialogo entre nós, para que ele saísse. E ele perdeu a vida por isso. Porque era a milícia que estava por trás. Ele perdeu a vida por causa disto. Aí a milícia tomou conta do terreno.

A falta de união é muito ruim. Por isso eu faloque todo esse movimento que está aí pode ser muito positivo, se a gente conseguir aproveitar isso de verdade, mas também pode sair um desastre total, pode acontecer tudo.

Eu tenho que vai ser uma boa.

Tem que ter muito cuidado. Por isso é que temos que conversar pequenos grupos.

Eu sou de um principio que a gente vai ou não vai- não existe meio termo. Na bíblia está escrito que Jesus vomitava o morno.

A Fiocruz quando se instalou aqui- ela já começou a ajudar.

Uma vez fui no Parque do Pau da fome. Um dia um homem me chamou e me ofereceu um terreno, com o preço. Eu fiquei preocupado e assustado. Parecia terra de ninguém.

Minha esperança é que isto não aconteça aqui, por causa da Fiocruz, dá uma garantia- até por quem é a Fiocruz. Se isto acontecer- eu falo com alguém.

A Fiocruz tem tudo para ajudar mais. O caminho é a conscientização.

Porque tudo passa pela consciência. Eu tenho acompanhado os projetos da Fiocruz. Acho tudo bom, é democrático, chama o povo para participar. Mas poderia um esforço maior. Mas eu estou com 71- e a idade é um limitador. Como vamos atingir a juventude. E tem bolsas. Eu até tenho resistência a bolsa. Sabe que eu faço, eu mando para uma moça lá no Ceara com câncer.

Mas na politica moderna. Eu vejo que as pessoas não têm como para a vida para fazer uma panfletagem. Então isto ajuda- mas já tem aproveitadores- que faz disto salário- ajunta aqui e ali.

E que nem a bolsa família- ela é positiva, mas passa ser negativa dependendo do como.

Se não traz essas pessoas. Como vamos contribuir com a conscientização.

A viola é meu suporte. Quando estou com depressão. Eu aguento por causa da musica.

Sr. Olívio Canto