Maternidade Negra como ação política: mudanças entre as edições
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Aula aberta com participação de Luciane Rocha e Márcia Jacintho na luta pela memória do seu filho. | Aula aberta com participação de Luciane Rocha e Márcia Jacintho na luta pela memória do seu filho. | ||
=== Sobre Luciane Rocha === | |||
No dia 6 de junho de 2024, o Coletivo de pesquisa sobre violências, sociabilidades e mobilidades urbanas (BONDE), em parceria com o Dicionário de Favelas Marielle Franco, promoveu a aula aberta "Maternidade negra como ação política", ministrada pela docente convidada Luciane Rocha (Kennesaw State University - EUA). | |||
Oferecida na Sala Olavo Brasil, na sede do Instituto, atividade fez parte do programa da disciplina "Clássicos e contemporâneos sobre favelas", lecionada pela Prof. Palloma Valle Menezes no Programa de Pós-Graduação em Sociologia do IESP-UERJ. Doutora em Antropologia Social pela Universidade do Texas em Austin (UT-Austin - EUA), com especialização em Antropologia da Diáspora Africana e certificação em Estudos de Gênero e da Mulher, Luciane de Oliveira Rocha é professora adjunta de Estudos Negros no Departamento de Estudos Interdisciplinares (ISD) na Universidade Estadual de Kennesaw. | |||
Realizou estágio de Pós-Doutorado no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida (Nepp-DH/UFRJ), e é pesquisadora associada à Rede Transnacional de pesquisas sobre Maternidades destituídas, violadas e violentadas (REMA). Sua pesquisa se dedica aos seguintes tema: Teoria e Práxis dos Estudos Negros, Maternidade Negra, Violência do Estado e Antropologia das Emoções. | |||
=== Sobre Marcia Jacintho === | |||
(Trecho transcrito) | |||
Pelas palavras de Marcia Jacintho (...) | |||
Márcia Jacinto é uma mãe negra, moradora de uma favela, que teve um filho em 2002, aos 16 anos, executado — não apenas pela polícia, mas pelo estado. | |||
A partir desse momento, me tornei militante. Foi extremamente difícil descer da favela e dizer que não foi como disseram, desmantelando todo um álibi de um sistema que já está estruturado a nível nacional. Só mudam as comunidades, os nomes e os estados, porque os álibis são sempre os mesmos.<blockquote>Hoje, mais do que nunca, participando de encontros nacionais e visitando vários estados, como fiz neste ano, posso afirmar que esse álibi de extermínio da nossa população negra no Brasil é uma realidade. E não falo apenas do Rio de Janeiro ou de São Paulo — é o Brasil inteiro. O racismo existe, assim como o extermínio dos pobres, especialmente os da favela.</blockquote>Nós, mães, somos obrigadas a descer do morro e lutar. Eu voltei a estudar justamente para poder quebrar esses álibis e, assim, buscar justiça. Mas, para mim, justiça hoje tem um significado muito mais profundo. Ao estudar um pouco de direito, percebi que o direito do meu filho também estava em jogo. Ele estaria aqui hoje, ao lado da família, se a Constituição realmente valesse para nós, pobres, negros e moradores de favelas. Se nossas leis fossem aplicadas igualmente, muitos de nossos filhos estariam vivos. Por isso, não posso dizer que houve justiça, mas ao menos o caso não ficou completamente impune. Meu filho não foi simplesmente tachado como traficante, jogado à margem para garantir a impunidade dos responsáveis. Eles continuam matando, mas hoje nós, mulheres negras, estamos descendo e dizendo: "Não foi assim." Estamos mostrando à justiça, que afirma ser cega, que ela escolhe ser cega para os nossos casos, para nos fazer acreditar que a impunidade é a única realidade possível.<blockquote>Eles tentam nos matar também emocionalmente. Muitas mães já morreram, outras desistiram, e algumas não conseguiram vir para a luta. Por isso, agradeço muito, Lu, pelo convite. Será uma oportunidade maravilhosa para compartilhar um pouco da dor que carregamos e da nossa luta constante para provar que a história não aconteceu do jeito que tentaram nos fazer acreditar.</blockquote>Hoje, minha luta não é apenas por um filho inocente ou não. O que importa é: como essa morte aconteceu? Não importa de quem se trata. A verdade precisa ser revelada. Porque, se eu insisto em dizer que meu filho era inocente, acabo concordando que alguém envolvido merecia morrer. Para isso, existem a perícia, a polícia civil e a investigação. Mas sabemos que basta ser um negro da favela, morto ou "socorrido" envolto em um lençol, para que tudo seja arquivado sem questionamentos. | |||
Eu, junto com outras mães, estamos aqui para dizer que lutamos pela vida. E a vida negra importa. | |||
====Clique aqui e assista a aula na íntegra!==== | |||
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== Marcia Jacintho e o livro: Marcha do Silêncio == | == Marcia Jacintho e o livro: Marcha do Silêncio == | ||
Márcia Jacintho, mãe vítima de violência do velho Estado, realizou um bate papo no lançamento do livro sobre sua luta por punição dos policiais envolvidos no assassinato de seu filho Hanry. O bate-papo ocorreu em 1° de março, na Livraria da Travessa, R. Voluntários da Pátria, 97, bairro Botafogo, às 18h30.[[Arquivo:Márcia Jacintho ainda luta pela memória do seu filho.png|miniaturadaimagem|Márcia Jacintho ainda luta pela memória do seu filho|esquerda]]Seu filho, Hanry Silva Gomes da Siqueira, de 16 anos, foi executado por policiais no Complexo do Lins no Rio de Janeiro, em 2002. Desde então, foram 21 anos de luta incansável, retratados no livro Marcha do silêncio, de autoria do jornalista Itamar Cardin. | Márcia Jacintho, mãe vítima de violência do velho Estado, realizou um bate papo no lançamento do livro sobre sua luta por punição dos policiais envolvidos no assassinato de seu filho Hanry. O bate-papo ocorreu em 1° de março, na Livraria da Travessa, R. Voluntários da Pátria, 97, bairro Botafogo, às 18h30.[[Arquivo:Márcia Jacintho ainda luta pela memória do seu filho.png|miniaturadaimagem|Márcia Jacintho ainda luta pela memória do seu filho|esquerda]]Seu filho, Hanry Silva Gomes da Siqueira, de 16 anos, foi executado por policiais no Complexo do Lins no Rio de Janeiro, em 2002. Desde então, foram 21 anos de luta incansável, retratados no livro Marcha do silêncio, de autoria do jornalista Itamar Cardin. |
Edição das 18h02min de 19 de setembro de 2024
Estudo relacionado ao curso Clássicos e contemporâneos sobre favelas, realizado no âmbito do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O curso teve objetivo de debater o lugar das favelas no Rio de Janeiro, estabelecendo diálogos entre estudos clássicos e contemporâneos.
Autoria: Victor, Beatriz, Rebeka
Sobre a aula
Aula aberta com participação de Luciane Rocha e Márcia Jacintho na luta pela memória do seu filho.
Sobre Luciane Rocha
No dia 6 de junho de 2024, o Coletivo de pesquisa sobre violências, sociabilidades e mobilidades urbanas (BONDE), em parceria com o Dicionário de Favelas Marielle Franco, promoveu a aula aberta "Maternidade negra como ação política", ministrada pela docente convidada Luciane Rocha (Kennesaw State University - EUA).
Oferecida na Sala Olavo Brasil, na sede do Instituto, atividade fez parte do programa da disciplina "Clássicos e contemporâneos sobre favelas", lecionada pela Prof. Palloma Valle Menezes no Programa de Pós-Graduação em Sociologia do IESP-UERJ. Doutora em Antropologia Social pela Universidade do Texas em Austin (UT-Austin - EUA), com especialização em Antropologia da Diáspora Africana e certificação em Estudos de Gênero e da Mulher, Luciane de Oliveira Rocha é professora adjunta de Estudos Negros no Departamento de Estudos Interdisciplinares (ISD) na Universidade Estadual de Kennesaw.
Realizou estágio de Pós-Doutorado no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida (Nepp-DH/UFRJ), e é pesquisadora associada à Rede Transnacional de pesquisas sobre Maternidades destituídas, violadas e violentadas (REMA). Sua pesquisa se dedica aos seguintes tema: Teoria e Práxis dos Estudos Negros, Maternidade Negra, Violência do Estado e Antropologia das Emoções.
Sobre Marcia Jacintho
(Trecho transcrito)
Pelas palavras de Marcia Jacintho (...)
Márcia Jacinto é uma mãe negra, moradora de uma favela, que teve um filho em 2002, aos 16 anos, executado — não apenas pela polícia, mas pelo estado.
A partir desse momento, me tornei militante. Foi extremamente difícil descer da favela e dizer que não foi como disseram, desmantelando todo um álibi de um sistema que já está estruturado a nível nacional. Só mudam as comunidades, os nomes e os estados, porque os álibis são sempre os mesmos.
Hoje, mais do que nunca, participando de encontros nacionais e visitando vários estados, como fiz neste ano, posso afirmar que esse álibi de extermínio da nossa população negra no Brasil é uma realidade. E não falo apenas do Rio de Janeiro ou de São Paulo — é o Brasil inteiro. O racismo existe, assim como o extermínio dos pobres, especialmente os da favela.
Nós, mães, somos obrigadas a descer do morro e lutar. Eu voltei a estudar justamente para poder quebrar esses álibis e, assim, buscar justiça. Mas, para mim, justiça hoje tem um significado muito mais profundo. Ao estudar um pouco de direito, percebi que o direito do meu filho também estava em jogo. Ele estaria aqui hoje, ao lado da família, se a Constituição realmente valesse para nós, pobres, negros e moradores de favelas. Se nossas leis fossem aplicadas igualmente, muitos de nossos filhos estariam vivos. Por isso, não posso dizer que houve justiça, mas ao menos o caso não ficou completamente impune. Meu filho não foi simplesmente tachado como traficante, jogado à margem para garantir a impunidade dos responsáveis. Eles continuam matando, mas hoje nós, mulheres negras, estamos descendo e dizendo: "Não foi assim." Estamos mostrando à justiça, que afirma ser cega, que ela escolhe ser cega para os nossos casos, para nos fazer acreditar que a impunidade é a única realidade possível.
Eles tentam nos matar também emocionalmente. Muitas mães já morreram, outras desistiram, e algumas não conseguiram vir para a luta. Por isso, agradeço muito, Lu, pelo convite. Será uma oportunidade maravilhosa para compartilhar um pouco da dor que carregamos e da nossa luta constante para provar que a história não aconteceu do jeito que tentaram nos fazer acreditar.
Hoje, minha luta não é apenas por um filho inocente ou não. O que importa é: como essa morte aconteceu? Não importa de quem se trata. A verdade precisa ser revelada. Porque, se eu insisto em dizer que meu filho era inocente, acabo concordando que alguém envolvido merecia morrer. Para isso, existem a perícia, a polícia civil e a investigação. Mas sabemos que basta ser um negro da favela, morto ou "socorrido" envolto em um lençol, para que tudo seja arquivado sem questionamentos.
Eu, junto com outras mães, estamos aqui para dizer que lutamos pela vida. E a vida negra importa.
Clique aqui e assista a aula na íntegra!
Marcia Jacintho e o livro: Marcha do Silêncio
Márcia Jacintho, mãe vítima de violência do velho Estado, realizou um bate papo no lançamento do livro sobre sua luta por punição dos policiais envolvidos no assassinato de seu filho Hanry. O bate-papo ocorreu em 1° de março, na Livraria da Travessa, R. Voluntários da Pátria, 97, bairro Botafogo, às 18h30.
Seu filho, Hanry Silva Gomes da Siqueira, de 16 anos, foi executado por policiais no Complexo do Lins no Rio de Janeiro, em 2002. Desde então, foram 21 anos de luta incansável, retratados no livro Marcha do silêncio, de autoria do jornalista Itamar Cardin.
Veja, aqui, o release do livro[1]
Hanry não voltou para casa em 21 de novembro de 2002. No dia seguinte, após procurá-lo por toda a comunidade onde moravam, Márcia, sua mãe, descobriu que o filho de 16 anos havia sido morto em uma troca de tiros com a polícia. Era mais um auto de resistência nas periferias brasileiras. Era?
Alertada pelos próprios moradores de que Hanry fora morto injustamente, Márcia iniciou uma busca improvável: investigar como o próprio filho morreu. Foram anos descobrindo testemunhas, vasculhando vielas e revisitando cada minuto daquele 21 de novembro. Até que finalmente a verdade (ou parte dela) viesse à tona e escancarasse as marcas da violência policial contra o negro brasileiro.
Partindo dessa história ocorrida no Morro do Gambá, uma comunidade pertencente ao Complexo do Lins, no Rio de Janeiro, o jornalista Itamar Cardin refez ao longo de quase dez anos os passos da investigação de Márcia. A pesquisa resulta agora em seu primeiro livro, Marcha do Silêncio, um romance de não ficção que está sendo lançando pela Temporada, um selo da Editora Letramento.
Genocídio Negro
Além de trazer à tona o passo-a-passo da investigação, a obra revisita o passado da mãe, de Hanry e de seus familiares, buscando entender o tamanho da perda para cada indivíduo. Aborda, ainda, o contexto social e político que envolve a violência policial nas periferias brasileiras. E relata a jornada pessoal de Márcia, uma mulher negra de uma favela que, após a morte do filho, ganharia prêmios e se aproximaria de lideranças políticas nacionais, como Marcelo Freixo e Marielle Franco. Marcha do Silêncio tem prefácio assinado por Bianca Santana, uma das mais importantes intelectuais brasileiras na luta contra o racismo. “Saber de Hanry, conhecer Márcia, sua mãe, e o caminho tortuoso para compreender o que aconteceu com seu filho na busca por justiça é nossa possibilidade de compreender o genocídio negro em curso no Brasil para enfrentá-lo”, escreve Bianca. Com um extenso trabalho de pesquisa que se debruçou sobre o inquérito policial, o processo jurídico e contou com dezenas de entrevistas com Márcia, além de testemunhas, familiares e amigos de Hanry, autoridades e outras mães em condição semelhante, Marcha do Silêncio narra a luta trágica de uma mãe para provar a inocência do filho morto – e como, em meio a essa busca, o trauma deixa marcas irreparáveis na constituição dos sujeitos.
Sobre o autor do livro
Itamar Cardin é jornalista formado pela Cásper Líbero. Trabalhou em grandes veículos da imprensa brasileira, como Grupo Estado e Abril, e passou boa parte dos últimos anos dedicado ao projeto que resultou na criação de seu primeiro livro. Durante esse período, foi selecionado para uma bolsa de criação literária da Biblioteca Nacional/Funarte.
Referências bibliográficas
Bibliografia complementar
Ligações externas
Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).