Efeitos da Medida Cautelar na ADPF 635 sobre as Operações Policiais na Região Metropolitana do RJ (resenha)
Resenha sobre o artigo de Hirata, Grillo e Dirk[1], no qual é um relatório produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF), analisando os impactos da medida cautelar contida na Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 635, a qual suspendia as operações policiais em favelas do estado do Rio de Janeiro durante a pandemia de Covid-19. Os autores possuem formações distintas, porém todos se encontravam atuando como pesquisadores do Geni -UFF.
Autoria: Thiago Falheiros
Sobre
O texto apresentado trata-se de um relatório produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF), analisando os impactos da medida cautelar contida na Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 635, a qual suspendia as operações policiais em favelas do estado do Rio de Janeiro durante a pandemia de Covid-19. Os autores possuem formações distintas, porém todos se encontravam atuando como pesquisadores do Geni -UFF.
A ADPF 635 foi requerida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) sob o argumento da “excessiva e crescente letalidade da atuação policial, voltada sobretudo contra a população pobre e negra de comunidades”. Foi tido o entendimento que a suspensão das operações policiais em favelas garantiria que os serviços de saúde e ajuda humanitária alcançassem esses espaços, tendo em vista o contexto de isolamento social provocado pela pandemia. Cabe ainda ressaltar que a ADPF 635 não suspendeu as operações policiais de forma integral, mas permitia intervenções em casos absolutamente excepcionais.
No que se refere à metodologia adotada para as análises contidas nesse relatório, foram utilizados os dados produzidos pelo Geni-UFF, com informações referentes à data e local da operação, os órgãos realizadores e o número de mortos. Também foram operacionalizados os dados do Datalab Fogo Cruzado - RJ, selecionando variáveis como data, local, duração, número de mortos e feridos e distinguindo a participação de agentes policiais ou não. O recorte estabelecido foi a região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, durante os dias 5 a 19 de junho de 2020, 15 primeiros dias de vigência da Medida Cautelar deferida pelo Ministro Fachin (STF), considerando a série temporal de 2007 a 2020.
Principais argumentos
Trata-se de um relatório breve e bastante objetivo, onde os autores isolaram os dados de operações policiais realizadas nos 15 primeiros dias de vigência da ADPF e compararam com o mesmo período em anos anteriores, levando em consideração aspectos como valores totais, média, contraste e cálculo de tendência.
Apresentando inicialmente os dados do Geni-UFF, os resultados demonstraram que o período de 5 a 19 de junho de 2020 teve o menor número de operações em toda a série histórica, mesmo em comparação ao período de melhor resultado das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) no anos de 2011-2012. Além disso, houve uma redução de 75,5% dos óbitos decorrentes de operações policiais em relação à média de mortes no mesmo período entre 2007 e 2019 e redução de 85,8% de mortos em relação à estimativa para 2020, seguindo o cálculo de tendência. Com relação aos feridos, houve, no mesmo período, uma redução de 49,0% em relação à média de mortes no período entre 2007 e 2019 e redução de 49,6% em relação à estimativa para 2020, seguindo o cálculo de tendência. Em suma, os autores projetaram que a ADPF 635 teria preservado 18 vidas somente nesse período de 15 dias, mais de uma vida por dia, ou mesmo, menos nove mortos por semana.
Os resultados obtidos pelos dados do Fogo Cruzado em muito convergem com os do Geni-UFF, de modo que a suspensão das operações policiais surtiu o efeito de reduzir de modo significativo as trocas de tiro que tão frequentemente comprometem a condução das rotinas dos habitantes da região metropolitana do estado. A ocorrência de tiroteios caiu 54,1% no período entre 5 e 19 de junho em comparação com a média observada no mesmo período nos anos de 2017 a 2019, redução que é ainda maior, de 70,5%, quando considerados apenas os tiroteios em que foi notificada a presença policial. Apesar de os dados acima constatarem a eficácia da ADPF 635, observou-se que as operações policiais continuaram, ainda que com menor frequência. Olhando de forma específica para as operações ocorridas entre o período analisado, os pesquisadores constataram que a principal motivação dessas ações foi a retaliação por morte de policial e/ou ataque a unidade de polícia. Eles ainda ressaltam que essas operações se configuram como verdadeiras vinganças institucionais, marcadas pelo pouco planejamento, baixa transparência e extrema violência. Tais operações não costumam resultar em investigações e tendem a ser conduzidas a partir da discricionariedade policial e sem planejamento ou formalização jurídica e/ou administrativa.
Apreciação crítica
O relatório apresentado pelos autores, ainda que breve, apresenta resultados bastante interessantes, fazendo de dados empíricos e modelos analíticos para demonstrar como a violência empregada nas operações policiais realizadas nas favelas do Rio de Janeiro não são eventos sazonais. Pelo contrário, é um cenário que tem se mantido por anos, rompido somente por intervenção institucional, em um momento tão atípico para toda a sociedade brasileira e mundial. Cabe aqui alguns apontamentos de ordem metodológica a respeito do relatório, de modo que o leitor não foi informado como os dados do Geni-UFF e do Fogo Cruzado são coletados, nem como foram estabelecidas as categorias de motivação das operações policiais. De todo modo, os resultados expostos demonstram não apenas a magnitude do número de vidas preservadas com a suspensão das operações policiais violentas, como também denuncia as ações arbitrárias e com fortes indícios de ilegalidade por parte dos aparelhos de segurança pública.