Sétima edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Nesta 7ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, refletimos e apresentamos dados sobre a violência armada e os seus efeitos na vida cotidiana de moradores das 16 favelas da Maré. São informações relativas às operações policiais e aos confrontos entre grupos armados ocorridos ao longo do ano de 2022.

Clique aqui, para ver mais sobre a Redes da Maré.

Boletim de segurança pública
Boletim de segurança pública
Autoria: Informações reproduzidas, pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco, a partir de canais de comunicação da Redes da Maré (ver Referências).

Apresentação[editar | editar código-fonte]

Descumprimentos de Preceito Fundamental (ADPF) das favelas

Desde 2016, a Redes da Maré monitora, a partir do projeto “De Olho na Maré!”, os impactos da violência armada no conjunto de favelas da Maré. Para isso, consolidamos uma metodologia rigorosa de recolhimento e análise de dados, com base no que ocorre no território. Esse trabalho vem gerando um importante banco de dados sobre os efeitos devastadores e persistentes da falta de uma política de segurança pública que tenha como princípio a garantia da vida, sendo fundamental, ainda, para nos ajudar a compreender o que ocorre no Rio de Janeiro.

Deste modo, traçamos análises comparativas entre o ano de 2022 e os cinco anos anteriores, o que permite uma visão mais ampla e de longo prazo sobre o que demonstradamente intensifica ou atenua o cenário crítico de violações e violências que atingem os moradores nas 16 favelas da Maré. É estarrecedor constatar a falta de possíveis avanços anunciados pelo governo no campo da segurança pública e que anunciamos em edições passadas do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré.

Após três anos de diminuição das operações policiais no conjunto de favelas da Maré, em função, especialmente, das ações judiciais provocadas pela sociedade civil, como a “ADPF das Favelas” e a Ação Civil Pública (ACP) da Maré, voltamos a identificar, em 2022, um aumento significativo no número de intervenções policiais e, por consequência, de homicídios.

Para ler o material na íntegra, clique aqui.

Efeitos das operações[editar | editar código-fonte]

Efeitos das operações - Maré

Como o trabalho acontece[editar | editar código-fonte]

  • Atuação direta de profissionais da Redes da Maré, normalmente atuantes no eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, que acompanham os confrontos armados in loco.
  • É organizado um plantão para registros dos casos de violações trazidos pelos moradores.
  • Articulação de uma rede de colaboradores que já chegou, em 2022, a 197 moradores e 21 organizações atuantes nas favelas da Maré, que contribui reportando e validando evidências sobre as violências ocorridas.
  • Coleta de informações oficiais ou validadas junto a órgãos dos governos municipal e estadual, tais como a Polícia Civil e a Polícia Militar, através de suas assessorias de comunicação, o Instituto de Segurança Pública (ISP), a Secretaria Municipal de Educação, a Secretaria Municipal de Saúde, dentre outros.
  • Levantamento em meios de comunicação e redes sociais a respeito dos eventos que ocorreram na região no momento dos confrontos armados.
  • Ida da equipe do “De Olho na Maré!” ao campo em até 48 horas após as situações de confronto armado, a fim de confirmar a veracidade das informações recebidas.
  • Sistematização de todas as informações sobre violações de direitos ocorridas nas favelas da Maré, que servem de base para a elaboração do Boletim anual sobre o Direito à Segurança Pública na Maré.
  • Análise e gestão das informações que compõem o banco de dados para a criação de indicadores sobre violações de direitos.

É preciso estar vivo para viver[editar | editar código-fonte]

Perfil das vítimas
Perfil das vítimas

É preciso estar vivo para viver na pandemia, todos vivenciamos um sentimento de perigo e de morte iminente. Esse fato universalizou uma pauta básica que é o direito à vida. Com a melhora nos índices de letalidade da pandemia, esse sentimento focado num possível contágio pelo coronavírus deixou de ser algo que amedronta a maioria das pessoas. No caso dos moradores de favelas e periferias, esse medo persiste, não pelo vírus somente, mas em função dos dias de confrontos armados que causam uma situação de total falta de respeito aos direitos mais básicos dessa população.

Segundo dados da Anistia Internacional, o Brasil é o país onde mais se mata no mundo, superando, inclusive, países em situação de guerra. A maioria dos homicídios é praticada por armas de fogo e menos de 8% dos casos chegam a ser julgados.

O Instituto “Sou da Paz”, em relatório lançado no ano passado, mostrou que a taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes foi 3,5 vezes maior para os homens negros do que para os não negros, ao longo do ano de 2020.

Perfil das vítimas 2
Perfil das vítimas 2


Quando olhamos para os dados de homicídios ocorridos no conjunto de favelas da Maré, percebemos que o quadro não destoa do cenário do país em relação às mortes por arma de fogo. Em 2022, o projeto “De Olho na Maré!” contabilizou 39 mortes em decorrência da violência armada: 27 delas aconteceram em operações policiais e 12 em ações de grupos armados. Das vítimas, 97% eram homens, 81% foram identificados como pretos ou pardos e 61% tinham até 29 anos.

Perfil das vítimas 3
Perfil das vítimas 3

As mortes em decorrência da violência armada nas favelas da Maré caracterizam-se pelas evidências de execuções, tanto no que se refere às ações de grupos armados, como nas operações policiais. Como é sabido, as execuções são uma prática de determinadas redes ilícitas e criminosas. No entanto, há execuções produzidas por agentes do Estado no momento das operações policiais.

O ano de 2022 e o maior número de mortes em operações policiais dos últimos três anos[editar | editar código-fonte]

NÚMERO DE MORTES EM OPERAÇÕES POLICIAIS NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS


1. Execuções sumárias se configuram como um crime de direitos humanos. Esse termo refere-se a ações arbitrárias ou” extrajudiciais’’ que se materializam na perda da vida de alguém, a partir do momento que envolve agentes do aparato do Estado e possui algumas características, como:

Entendendo as mortes
  1. Relação entre vítima e autor
  2. Contexto em que o homicídio acontece
  3. Exclusão de legítima defesa
  4. Descumprimento do dever legal por parte das autoridades responsáveis
  5. Dificuldade de investigação e responsabilização pelo ocorrido, por exemplo.
Entendendo as mortes 2


2. “Sumária” é um termo que se refere à redução da capacidade de defesa da vítima, de forma arbitrária, quando há ausência de critérios para o uso de força, de armas ou, mesmo, de sentenças de morte.

Algo bem comum de ações identificadas como discriminatórias e racistas.

O termo “extrajudicial” é usado para se referir às hipóteses de uso legal da força ou pena de morte.

Plano eficiente de redução da letalidade policial é urgente[editar | editar código-fonte]

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, popularmente conhecida como “ADPF das Favelas”, é um marco histórico na luta pela diminuição da letalidade em ações das polícias que acontecem nas favelas. O mais importante efeito da restrição das operações policiais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da ADPF foi a preservação da vida. Segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI), “a letalidade policial no ano de 2020 apresentou um decréscimo de 34% com relação ao ano anterior.

Pelo contraste entre a projeção tendencial e o número efetivo de ocorrências desse tipo (1375 e 1087, respectivamente), pode-se afirmar que a restrição das operações policiais salvou, ao menos, 288 vidas em 2020.”

Nas favelas da Maré, entre 2019 e 2020, as mortes em operações policiais reduziram 82% após a decisão do STF. A criação de um Plano de Redução da Letalidade Policial está no escopo da ADPF das Favelas e, desde fevereiro de 2022, o STF vem exigindo que o Estado do Rio de Janeiro apresente uma proposta.

O plano que foi apresentado pelo governo do estado em março foi invalidado, pois o mesmo não teve participação da sociedade. O STF exigiu que acontecesse uma audiência pública para a construção do documento, que foi reapresentado em dezembro, mas sem mudanças significativas. No dia 21 de dezembro de 2022, o Conselho Nacional de Justiça instituiu um grupo de trabalho, com a participação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, para estudar e formular programas e ações que reduzam a letalidade em ações policiais.

As propostas da Defensoria Pública incluem a adoção de perícia independente, o controle de armas e munições, o fortalecimento dos programas de proteção e a participação das vítimas nas investigações. A proposta afirma que tais medidas são fundamentais para uma resposta adequada e abrangente no enfrentamento do problema e essenciais para uma governança democrática.

Série histórica de 2017 a 2022[editar | editar código-fonte]

De olho na Maré

Os dados do “De Olho na Maré!” vêm propiciando análises comparativas e prolongadas. Anualmente, sistematizamos os dados coletados e elencamos os fatores que os afetam direta ou indiretamente. Isso viabiliza uma leitura prolongada sobre alterações na frequência dos impactos letais da violência armada, especialmente das operações policiais – as quais, por sua vez, tendem a ser proporcionalmente acompanhadas pela frequência de incidentes de confrontos armados, conforme demonstrado em edições anteriores deste Boletim. Ao longo dos anos, um fator principal tem se mostrado significativo ao verificarmos reduções na incidência de operações policiais e nos seus

efeitos letais: o controle exercido pelo Poder Judiciário. Os gráficos abaixo apontam para fases de redução do número de operações policiais anuais e seus impactos destrutivos nas favelas da Maré que, conforme demonstrado em edições anteriores, coincidem com intervenções significativas do Judiciário na condução da política de segurança pública do Rio de Janeiro.

Nos referimos especificamente à ACP da Maré perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e à ADPF das Favelas perante o Supremo Tribunal Federal. Esta última, ainda em curso, foi fundamental para o controle das operações

2022 apresentou o maior número de mortes dos últimos três anos, com aumento de 145% em comparação ao ano anterior. Entramos em 2023 com apreensão sobre os novos rumos da ADPF das Favelas, diante do gradual declínio da atenção do Judiciário sobre a pandemia.

Considerações Finais[editar | editar código-fonte]

É um preceito elementar da boa gestão que decisões sobre políticas públicas sejam baseadas em dados e evidências, mesmo que empíricas. Por isso, metodologias de monitoramento prolongado são essenciais para demonstrar o percurso de uma realidade no tempo, assim como para identificar fatores conjunturais que a intensificam ou atenuam. Com isso, criam-se dados confiáveis que podem orientar as tomadas de decisão e gerar desenhos de políticas mais eficazes.

Apesar de já somarmos sete anos de monitoramento da violência armada no âmbito do projeto “De Olho na Maré!”, ainda enfrentamos muitos desafios. O principal deles tem sido fazer com que estes dados sejam recepcionados por tomadores de decisão sobre a política de segurança pública do Rio de Janeiro e pelas instituições do sistema de justiça que, ano após ano, seguem sendo acionadas com demandas por reparação de vítimas e famílias afetadas. A eficiência e produtividade da atual política de segurança pública do Rio de Janeiro precisa ser questionada de uma vez por todas.

O Estado deve não apenas cessar a insegurança que causa à população, como deve adotar medidas eficazes para promover a segurança física e patrimonial de todos. É inadmissível que o orçamento público destinado a investimentos bélico-militarizados seja anualmente inflado sem que se exija proporcionalidade de resultados. Ao contrário, vemos a violência armada aumentar consistentemente, salvo nos períodos de intervenções judiciais.

Os dados produzidos pela Redes da Maré e outras organizações da sociedade civil confirmam a ineficiência da política de segurança pública do Rio de Janeiro. Neste Boletim, evidenciamos problemas inerentes a esta falta de suporte em dados concretos e destacamos como a ausência de perícia e a falta de fluxo de informações institucionais ainda contribuem para a geração de novos tipos de violações de direitos, como é o caso do desaparecimento temporário.

Em 2023, com as mudanças do quadro político em nível federal, esperamos que novos mecanismos possam ser acionados e estejam transparentes no sentido do monitoramento da atuação policial. Nos preocupa, entretanto, o contexto político em nível estadual. Com muita dedicação, seguimos o trabalho de monitoramento que precisaremos sustentar a partir da sociedade civil.

Referências[editar | editar código-fonte]

Redes da Maré

Projeto De Olho na Maré

Boletim Direito à Segurança na Maré