Maré e Manguinhos - uma experiência de inovação e mobilização em saúde durante a pandemia (relatório)
Relatório produzido pela Redes da Maré sobre a experiência de combate ao coronavírus nos territórios da Maré e de Manguinhos.
Autoria: Redes da Maré
Apresentação[editar | editar código-fonte]
Quando o Conexão Saúde – De olho na Covid foi criado, em junho de 2020, a expectativa era de que o projeto durasse quatro, cinco meses, no máximo. Um prognóstico que se mostrou demasiado otimista: a pandemia não só durou muito mais tempo, como desafios, crises e demandas urgentes foram uma constante durante os seus quase dois anos de duração.
Estruturado em dois territórios de favela situados na Zona Norte do Rio de Janeiro, Maré e Manguinhos, o projeto foi marcado pela necessidade de respostas rápidas a problemas que não paravam de aparecer. E assim, de desafio em desafio, repleto de dúvidas, erros, acertos e aprendizados, o projeto foi construído no dia a dia, em um processo coletivo e colaborativo entre pessoas e instituições.
Naquele momento, quando não havia vacina e o número de mortos por covid-19 aumentava, situações-limite exigiam soluções que ainda não existiam. Foi preciso criar respostas eficazes para problemas novos, sem modelos ou precedentes inspiradores e nem tempo a perder.
Esta dinâmica desafiadora, imposta pela realidade, tornou-se uma das principais marcas do projeto e pode ser resumida em uma palavra: INOVAÇÃO. O Conexão Saúde – De Olho na Covid tornou-se inovador por natureza por sua governança participativa, por sua capacidade de apresentar soluções rápidas e customizadas para cada território, a cada momento, e pela agilidade em detectar erros e mudar de rota.
Em todas as ações, o uso de tecnologias demonstrou o aspecto inovador em saúde para o combate à pandemia em territórios de favela e periferias. Testagem molecular, uso de aplicativos na produção e monitoramento de dados, utilização da telessaúde, implantação das cabines de telemedicina, criação de diagnósticos territoriais, invenção do Programa de Isolamento Domiciliar Seguro, introdução de modelo de gestão inovador - reunindo ONGs, academia, setor público e privado - e aplicação de ações inventivas de mobilização e comunicação em um contexto de crise são alguns dos exemplos de tecnologias – digitais e sociais – aplicadas durante o processo.
O projeto, contudo, não pôde dar conta de toda a complexidade do momento. Muitos morreram por covid-19 na Maré e em Manguinhos, escancarando os limites de atuação de uma iniciativa capitaneada pela sociedade civil em um momento de crise sanitária global agravado pela ausência de políticas públicas eficazes – sobretudo para as favelas.
Mas os resultados alcançados, a diminuição drástica no índice de mortes de moradores, as palavras de agradecimento das pessoas atendidas, os pacientes recuperados, o envolvimento e dedicação da equipe e o reconhecimento público do projeto mostram que uma experiência única foi construída e que pode inspirar novas iniciativas em momentos de crise e emergência em saúde nos territórios periféricos.
Sociedade civil e o combate à pandemia[editar | editar código-fonte]
Com a rápida propagação do novo coronavírus, não tardou para que a fome, a perda de renda, o adoecimento, a morte de entes queridos e a incerteza do futuro dominassem o cotidiano dos moradores dos territórios de favela e periferias. A expectativa era de que o Poder Público, em todas as esferas, atuasse para atender às demandas emergenciais que surgiam.
No entanto, sobretudo em territórios vulnerabilizados, o Poder Público tardou a chegar ou simplesmente se ausentou. No vácuo de políticas públicas rápidas e eficazes, projetos e iniciativas de organizações da sociedade civil e coletivos tiveram que dar conta do cenário caótico, suprir emergências e tapar os vazios deixados por governos e autoridades.
Na Maré, a campanha Maré Diz Não ao Coronavírus – mobilizada pela Redes da Maré - distribuía cestas básicas, máscaras caseiras e álcool em gel para moradores, refeições para pessoas em situação de rua e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para profissionais de saúde, além de ações como desinfecção das ruas da favela, em uma iniciativa que visava atender emergências que batiam à porta de todos.
O prolongamento e agravamento da pandemia fez com que o número de casos e óbitos na Maré saltasse a olhos vistos. Ficou claro que seria impossível fazer a longa travessia pelas incertezas que surgiam a cada dia sem articular uma ação mais ampla, focada na saúde da população.
Desta compreensão, aliada a uma relação histórica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - instituição referência em saúde pública no País - com os territórios da Maré e de Manguinhos, foi criado o projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid. A iniciativa, que surgiu de uma ideia ousada e mobilizou as lideranças das organizações para implementá-la em tempo recorde, reuniu diferentes parceiros em uma estratégia em comum: criar um modelo de vigilância em saúde que atendesse os moradores da Maré e de Manguinhos durante a pandemia, especialmente as pessoas diagnosticadas com covid-19.
Inicialmente com financiamento do Instituto Todos pela Saúde, as organizações Fiocruz, Redes da Maré, Dados do Bem, SAS Brasil, Conselho Comunitário de Manguinhos e União Rio se aliaram em uma parceria que rendeu muitos resultados e se tornou referência em atenção e vigilância em saúde e governança de projetos.
Àquela altura, em junho de 2020, os testes eram escassos e a subnotificação de casos em favelas e periferias dificultava a criação de estratégias de combate à doença. Longas filas se formavam nas unidades básicas de saúde e havia a ideia de criar grandes polos de isolamento para as pessoas infectadas.
Com este diagnóstico em mãos, o Conexão Saúde – De Olho na Covid foi concebido a partir do tripé Testagem em massa – Telessaúde – Isolamento Seguro, com o objetivo de dar suporte aos moradores em frentes consideradas fundamentais para o atendimento de pacientes com covid-19.
Não tardou para que outra frente de trabalho ganhasse protagonismo e se juntasse às ações principais: a mobilização e comunicação. Com a propagação de notícias falsas no território, tornou-se urgente esclarecer dúvidas e desmentir fake news que surgiam a cada dia. Era necessário ainda orientar os moradores sobre a gravidade da doença, os cuidados a serem tomados e os serviços oferecidos gratuitamente pelo projeto.
Foi formado um Comitê Gestor que, desde o início, foi desafiado a dar respostas rápidas e soluções eficazes aos muitos e cotidianos problemas e urgências que surgiam durante a implementação e execução do projeto. Reuniões periódicas eram realizadas e foi implementado um modelo inovador de gestão, baseado na autonomia de ação dos parceiros dentro de suas expertises, em decisões ágeis e capacidade de adaptação às muitas mudanças de realidade no curso da pandemia.
Em meio a uma onda negacionista, com movimentos antivacina, falta de dados confiáveis sobre número de casos e óbitos, sobretudo por parte do governo federal, e ausência de políticas públicas à altura da crise sanitária instalada no país, nascia – na Maré e em Manguinhos - uma experiência única de atendimento à saúde de moradores de favelas durante a pandemia.
Conexão Saúde em números[editar | editar código-fonte]
Mais de 600 voluntários em telessaúde, entre profissionais da saúde e estudantes, atuaram na Maré e em Manguinhos.
Premiações[editar | editar código-fonte]
- 2020 Prêmio Alceu Amoroso Lima de Direitos Humanos Universidade Candido Mendes e Centro Alceu Amoroso Lima pela Liberdade - Pessoas e organizações que se destacam na luta pela justiça, pela paz e pelos direitos humanos.
- 2020 Prêmio Tech Tudo - App do Ano pelo Voto Popular Site especializado em tecnologia Tech Tudo - O Dados do Bem foi eleito aplicativo destaque de 2020 pela inovação e relevância dos serviços prestados no combate ao coronavírus.
- 2021 Prêmio Convivs 1º Congresso Virtual de Vigilância em Saúde (Convivs), do Ministério da Saúde - Projetos que se destacaram nacionalmente pelas experiências bem-sucedidas em vigilância em saúde.
- 2022 Prêmio Empreendedor Social 2021 Jornal Folha de São Paulo - Empreendedores sociais de destaque. O projeto foi premiado pelo trabalho da SAS Brasil durante a pandemia, na categoria Inovação para a Retomada.
Testagem em massa e monitoramento nos territórios[editar | editar código-fonte]
O início do Conexão Saúde – De Olho na Covid se deu com uma ação de vigilância em saúde ancorada na tecnologia inovadora disponibilizada pelo aplicativo Dados do Bem. Por meio de um app baixado no celular, os moradores da Maré e de Manguinhos tiveram acesso a testes gratuitos de covid-19 com resultado online.
A tecnologia, desenvolvida no início da pandemia, possibilitou identificar os moradores infectados e pessoas próximas que também poderiam estar contaminadas, além de reunir dados geolocalizados para acompanhamento da evolução da doença nos dois territórios em tempo real.
Os insumos foram garantidos pela Fiocruz, que intensificou sua capacidade de produção de testes moleculares e ampliou o processamento de diagnósticos, por meio da Unidade de Apoio ao Diagnóstico da Covid-19 (Unadig), disponibilizando materiais e serviços necessários para a implementação da testagem em massa nos dois territórios.
Tudo isso em um momento em que, ao lado da escassez de testes, havia ainda a subnotificação de casos e óbitos – sobretudo na Maré, onde muitos registros de covid-19 eram feitos no bairro de Bonsucesso – o que impedia medir a real dimensão da pandemia entre os moradores do complexo.
No entanto, a realidade não tardou a se impor: muitas pessoas nem sequer tinham celular para baixar o aplicativo. E outras, mesmo possuindo um aparelho, não contavam com memória suficiente ou não acessavam pacotes de dados móveis. Havia ainda as pessoas, sobretudo entre os idosos, que não sabiam utilizar aplicativos.
A necessidade exigiu um trabalho focado no esclarecimento dos moradores sobre como baixar o aplicativo e utilizá-lo. Peças nas redes sociais e instruções no panfleto de apresentação do projeto foram criadas para este fim. O desafio, porém, era grande e garantir o acesso de todos os moradores à testagem exigiu mudança de planos. Na Maré, embora o incentivo ao agendamento prévio continuasse, foi necessário abrir espaço para o atendimento por ordem de chegada – gerando filas em frente à tenda de testagem, no Galpão Ritma, localizado no Parque Maré. Isso em um momento de incertezas e dúvidas sobre a doença e aumento de casos e mortes por covid-19.
A experiência com a testagem em Manguinhos foi muito boa. Eu precisei fazer o teste para voltar ao trabalho e os particulares são muito caros. Então, eu precisei ter essa facilidade, o resultado chegava no celular, eu nem precisava ir até o polo. E toda vez que sentia um sintoma diferente, eu podia realizar o exame.” Carine Lopes, Moradora de Manguinhos.
Mas testar e cuidar imediatamente das pessoas com resultado positivo, por meio de acompanhamento médico, - e, no caso da Maré, orientações para o ingresso no Programa de Isolamento Domiciliar Seguro durante a recuperação - eram as prioridades. Espaçamento entre as pessoas na fila para entrada no Galpão Ritma, uso de máscaras, higienização constante das mãos e superfícies com álcool 70% e evitar aglomerações foram as táticas utilizadas para garantir a testagem em massa.
Responsáveis pela organização das filas que aumentavam a cada dia, os articuladores de campo, em sua maioria moradores da Maré, aproveitavam estes momentos para ouvir necessidades, dúvidas e demandas da população, orientar sobre os demais serviços do Conexão Saúde e fornecer informações seguras sobre prevenção e cuidados. Em Manguinhos, o processo aconteceu de forma semelhante.
Aos poucos, o fluxo para a testagem foi sendo adaptado às necessidades dos moradores e à realidade de cada momento. Outras portas de entrada para o teste foram abertas, por meio de parceria com as unidades básicas de saúde, com encaminhamentos feitos pelos profissionais do SUS no território e pelos atendimentos em telessaúde feitos pela SAS Brasil. Os próprios articuladores também se encarregaram de agendar testes para os moradores por meio de celulares do projeto.
Superado este desafio e com dados inéditos e confiáveis em mãos, o projeto alimentou o banco de dados oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro, o Painel Rio Covid, com informações sobre a pandemia nos territórios da Maré e de Manguinhos, colaborando decisivamente para a diminuição de casos subnotificados nestes dois territórios.
Ao longo de todo o projeto, as informações geradas pelo monitoramento epidemiológico subsidiaram o planejamento de ações, logística e agenda de atividades orientaram a definição de prioridades e auxiliaram as estratégias de mobilização e comunicação com os moradores.
No início de 2021, um diagnóstico sobre o alcance dos serviços na Maré apontou que moradores de favelas mais distantes do Centro de Testagem tinham dificuldades em acessar o Galpão Ritma. Assim, no melhor estilo “se o morador não vai até a testagem, a testagem vai até o morador”, foram abertos novos pontos, em abril de 2021, em outras três favelas da Maré: Marcílio Dias, Vila do Pinheiro e Nova Maré. A testagem móvel funcionou durante três meses ininterruptos e não só facilitou o acesso de moradores a este serviço, como ajudou a desafogar o movimento intenso do Galpão Ritma neste período.
O fluxo e procura pelos serviços de testagem se mantiveram altos durante todo o período da pandemia, com picos em momentos críticos como pós férias e festas de final de ano e de surgimento de novas variantes.
O polo de testagem de Manguinhos foi desativado em dezembro de 2021, mas, já em janeiro de 2022, a alta contaminação pela variante Ômicron aliada a um surto de gripe impuseram a criação emergen - cial de novos polos de testagem – desta vez em parceria com a Prefeitura do Rio - nos dois territórios, com curta duração. Por dois meses, um novo polo de testa - gem funcionou na Maré, no Ciep Ministro Gustavo Capanema, além do Galpão Rit - ma. Em Manguinhos o polo funcionou em dois locais: no Centro Comunitário de De - fesa da Cidadania (CCDC) e na Clínica da Família Victor Valla.
O alto índice de vacinação - incentiva - da pela campanha Vacina Maré -, a queda no número de casos e a ausência de óbi - tos na Maré e em Manguinhos a partir de outubro de 2021 aliados ao arrefecimen - to – mas não final – da pandemia fizeram com que parte dos serviços de testagem fossem desativados em março de 2022, juntamente com os demais serviços do Conexão Saúde – De Olho na Covid.
Recuperação em casa, com apoio e orientação[editar | editar código-fonte]
Uma vez testadas e diagnosticadas com covid-19, as pessoas precisavam fazer pelo menos 14 dias de isolamento social, evitando o contágio de familiares, amigos e desconhecidos. Nos primeiros meses da pandemia, centros de acolhimento e isolamento de pacientes com a doença foram vistos como alternativa para o isolamento seguro e chegaram a ser implementados em várias cidades do país.
Equipamentos públicos – como escolas e centros esportivos - da favela de Paraisópolis, em São Paulo, e de bairros de Porto Alegre (RS), João Pessoa (PB), Fortaleza (CE), Maceió (AL), entre outros locais, foram adaptados para receber pacientes com covid-19. Embora este modelo fizesse parte do projeto inicial para o isolamento de pessoas doentes na Maré, a avaliação de que este dispositivo não estava tendo a adesão esperada fez com que outro modelo fosse desenvolvido e implantado no território.
Assim, sem exemplos ou modelos preexistentes, foi criado o Programa de Isola - mento Domiciliar Seguro – uma proposta inovadora e multidisciplinar de atenção à saúde e incentivo à recuperação de pacientes com covid-19 nas favelas, implementada de forma conjunta e cooperada pela Redes da Maré e SAS Brasil.
Após ser testado positivo para covid-19, o paciente era convidado a entrar no Programa. O passo seguinte era o contato com a família, feito por assistentes sociais, para levantamento de informações sobre as condições de moradia, número de moradores, existência de pessoas de grupos de risco, idosos, crianças, situação econômica, estado de saúde etc.
Durante todo o período de isolamento, o paciente e sua família eram acompanhados por uma equipe multidisciplinar, formada por profissionais de saúde e assistentes sociais. Além disso, recebiam alimentação diária (três refeições completas), produtos de higiene e limpeza para a casa, insumos de proteção pessoal (máscara e álcool em gel) e, quando necessário, oxímetro (aparelho para medir a oxigenação do sangue) – além de orientações para manter o distanciamento seguro dos familiares.
Para auxiliar nas orientações sobre cuidados durante o período, foi produzido, com orientação de especialistas da Fiocruz, o Guia do Isolamento Domiciliar Seguro. O material apresentou, de forma ilustrada e didática, dicas sobre como preparar e servir refeições, organizar os cômodos, limpar a casa e higienizar as roupas da pessoa acometida pela doença, entre outros cuidados e práticas de proteção aos demais membros da família.
A parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) garantiu que as clínicas da família do território também encaminhassem pessoas testadas positivas para o programa, otimizando e unificando esforços para assegurar o acesso dos moradores ao isolamento seguro. Ao final do programa, que atendeu mais de 1.400 pessoas entre agosto de 2020 e março de 2022, foi constatado - a partir de um questionário de avaliação aplicado aos participantes - que 98% dos pacientes conseguiram manter o isolamento por pelo menos 14 dias.
Os frequentes momentos de entrega das refeições e insumos para os moradores logo se mostraram preciosos para entender as dinâmicas, dúvidas e necessidades das famílias atendidas e também de seus vizinhos. Assim, com uma equipe de articuladores formada majoritariamente por moradores da Maré, o programa se consolidou como uma potente frente de escuta e coleta de impressões e necessidades do território em tempo real e é hoje apontado como uma inovadora tecnologia social em saúde para o isolamento de pacientes com doenças como a covid-19.
Médicos online[editar | editar código-fonte]
Uma cena marcou o imaginário de milhões de pessoas ao redor do mundo, durante a pandemia: a de hospitais e unidades de saúde lotadas, com longas filas, leitos esgotados e profissionais exaustos. Para quem, com suspeita ou não de covid-19, precisava de atendimento médico, o receio de frequentar estes locais e contrair a doença era grande.
A necessidade muitas vezes era de acompanhamento para doenças crônicas, como diabetes e pressão alta. Outras vezes, um atendimento para dores e mal-estares. Haviam ainda as consultas de rotina ou emergências pediátricas. E o que dizer das centenas de moradores que tiveram sua saúde mental afetada pelos desafios e lutos do período? A vida continuou apesar da pandemia e as pessoas seguiram precisando de apoio médico e psicológico.
No caso de Manguinhos, a situação foi ainda mais dura já que a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) que atende o terriMÉDICOS ONLINE: PRESENÇA E CUIDADOS COTIDIANOS PARA A RECUPERAÇÃO DOS PACIENTES tório e é responsável por 12 mil consultas por mês permaneceu fechada por mais de três meses em 2021, em plena pandemia, após o encerramento do contrato com a Organização Social (OS) que administrava a unidade. Ou seja, para muitos, adoecer não era permitido.
Antes uma tendência, as consultas online chegaram para valer durante a pandemia, sendo autorizadas pelo Ministério da Saúde e tornando-se uma alternativa segura e eficaz para o atendimento de pacientes, com ou sem covid-19. Na Maré e em Manguinhos, foram oferecidas 35 especialidades, entre elas Cardiologia, Dermatologia, Ginecologia, Ortopedia, Pediatria, Clínica Geral e Oncologia. Atendimentos psicológicos e psiquiátricos também fizeram parte do cardápio de especialidades.
Liderados pela SAS Brasil, os atendimentos de telessaúde do Conexão Saúde – De Olho na Covid foram ancorados na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e envolveram, além das consultas, o acompanhamento diário de pacientes - sobretudo os com covid-19 e outras doenças graves - por médicos, voluntários e enfermeiros. Assim como nas demais frentes, parte da equipe foi formada por moradores da Maré e de Manguinhos.
O contato inicial para agendamento, feito por WhatsApp, facilitou o acesso dos moradores às consultas, simplificando o processo. A partir daí, o paciente migrava para uma plataforma própria que permitia o gerenciamento dos prontuários e produção de dados primários sobre os atendimentos realizados.
Também foram feitas consultas presenciais em casos mais delicados, seguindo todos os protocolos de segurança contra a doença. Este processo permitiu o acompanhamento diário da evolução de pacientes com covid-19, evitando o agravamento da doença em muitos casos e garantindo atendimento adequado durante a recuperação.
Das 15.638 consultas em telessaúde durante o Conexão Saúde – De Olho na Covid, 3.775 foram psicológicas. Este alto percentual, quase 25% do total, mostrou que a atenção à saúde mental, em um contexto complexo e extremo como a pandemia, é absolutamente necessária.
Insegurança com o futuro, falta de perspectivas, perda de renda, intenso convívio familiar em espaços pequenos, violência doméstica, morte de parentes e amigos, além das operações policiais, que infelizmente não deixaram de ocorrer nestes territórios, estão entre os fatores que abalaram a saúde mental da população das favelas.
Assim como na testagem, desafios adicionais surgiram pela falta de internet de qualidade na favela e pelo fato de muitos moradores não possuírem computadores ou aparelhos de celular com capacidade de memória. Dificuldade que instigou uma solução inovadora: a criação de cabines de teleatendimento, em setembro de 2020.
Instaladas no Galpão Ritma e na sede da Redes da Maré no CIEP Gustavo Capanema, as cabines tornaram-se mais uma alternativa de atendimento médico e psicológico seguro durante a pandemia na Maré. Com a oferta de treze especialidades diferentes, além do atendimento psicológico, a cabine garantiu a privacidade dos pacientes durante a consulta e foi equipada com toda a tecnologia necessária para que o médico, mesmo à distância, obtivesse as informações necessárias para o tratamento.
Filtragem constante do ar, esterilização com feixe de luz ultravioleta, proteção acústica, porta fosca, oxímetro, medidor de pressão arterial e de temperatura, conexão à internet por fibra ótica, webcam e monitor. Com recursos de ponta, as cabines funcionaram na favela de setembro de 2020 até o início de 2022.
Por ser uma tecnologia reaplicável e de fácil manuseio pelos usuários, a cabine é uma ferramenta que pode ser utilizada em outras situações e territórios. A sua utilização no contexto do Conexão Saúde – De Olho na Covid na Maré foi uma das experiências que garantiram à SAS Brasil, na pessoa da CEO da organização, Adriana Mallet, o Prêmio Empreendedor Social, da Folha de São Paulo, na categoria Inovação para a Retomada em 2021.
O projeto teve como linha estratégica a aproximação e parceria com as unidades básicas de saúde do território. Ou seja, os serviços de telessaúde buscaram complementar, auxiliar, otimizar e desafogar o sistema público de saúde em um momento de crise, superlotação das clínicas da família e exaustão dos profissionais destas unidades.
Com esta proposta de parceria, casos de maior complexidade atendidos pelo projeto eram enviados para as unidades de saúde, exames e receitas prescritas por seus médicos eram encaminhados na rede pública e prontuários de pacientes atendidos pelo Conexão Saúde puderam ser compartilhados e utilizados pelos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS).
Para que esta experiência possa ser desdobrada após a pandemia – que promoveu o atraso de tratamentos de doenças crônicas, exames e outras vacinas -, foi publicado no Diário Oficial da União um protocolo de cooperação entre a Fiocruz e a SAS Brasil. O acordo regula ações futuras e alinha conceitos, diretrizes e métodos das duas instituições para o atendimento médico e psicológico online na Maré e em Manguinhos.
Mobilização e comunicação[editar | editar código-fonte]
Redes da Maré e Conselho Comunitário de Manguinhos ficaram diretamente responsáveis pela frente de comunicação em seus respectivos territórios. A escolha da equipe de articuladores de campo e comunicadores no território, formada em sua maioria por moradores das duas favelas, foi fundamental para o êxito das ações.
Além de trazer a sua própria vivência e percepção, estes profissionais tinham acesso mais estreito com outros moradores e eram porta-vozes das dúvidas, demandas, medos e posicionamentos de familiares e amigos em relação à pandemia. Esta proximidade assegurou lastro para as discussões, criação de narrativas e produção de materiais do projeto.
Todo o trabalho da comunicação foi ancorado institucionalmente em um Grupo de Trabalho (GT) formado por representantes das organizações parceiras. Um planejamento estratégico - atualizado em momentos-chave e de acordo com as necessidades impostas pela pandemia - orientou as ações da equipe, tanto nas peças e mensagens produzidas para o território quanto na comunicação institucional com parceiros, poder público, pesquisadores e imprensa.
Na Maré, a equipe, que teve uma coordenação geral, atuou durante todo o tempo lado a lado com a frente de mobilização e articulação no território, assegurando maior agilidade em respostas aos muitos desafios apresentados pela situação crítica da pandemia. A equipe teve autonomia na produção de materiais e nas decisões em questões cotidianas de comunicação do projeto.
Em Manguinhos, uma equipe específica também foi formada e diferentes materiais, como cartilhas educativas e jornais com informações voltadas para o território, foram publicados e disseminados com o apoio de coletivos, associações de moradores e escolas. Parcerias com artistas, como o rapper Xandy MC, que criou um jingle para o projeto, e com influenciadores do território para mensagens de prevenção e cuidados durante a pandemia fizeram parte da estratégia.
Tendo o morador como público prioritário, o principal objetivo de comunicação foi – em um primeiro momento - informar a existência dos serviços oferecidos. Faixas, cartazes, carros de som, megafones, panfletos, banners e lambes em muros foram divulgados em locais de grande circulação, como os pontos de mototáxi, motoristas particulares e de vans, feiras, comércios, igrejas e as principais ruas de entrada e saída da favela.
Na Maré, foi realizada uma parceria com o jornal comunitário Maré de Notícias – cuja versão impressa voltou a circular em setembro de 2020, sendo distribuído mensalmente porta-a-porta para os mais de 48 mil domicílios do território. Reportagens e anúncios foram veiculados no jornal e reforçaram as informações passadas pelos articuladores de campo e pelas redes sociais.
A comunicação digital foi fundamental no relacionamento com os moradores. Em Manguinhos, a disseminação das peças foi feita por organizações do território, tais como o Balé de Manguinhos e associações de moradores. Na Maré, as peças foram disseminadas nos perfis da Redes da Maré (Instagram, Twitter e Facebook) e em grupos de WhatsApp frequentados por moradores. Outros parceiros de dentro e de fora dos territórios também replicaram peças e informações produzidas pelo Conexão Saúde – De Olho na Covid.
Ação especial foi feita para o esclarecimento de boatos e notícias falsas que circularam durante a pandemia. Uma personagem foi criada especificamente para este fim: a simpática Dra. Ana, médica, negra, moradora da Maré e profissional do SUS, protagonizou mais de 20 edições de cards com respostas a dúvidas sobre a doença, momentos da pandemia, vacinação, sintomas, tratamentos, entre outros temas. As perguntas/dúvidas respondidas pela Dra. Ana foram, em sua maioria, colhidas pelos articuladores de campo na vivência com os moradores. A série recebeu o selo “Fiocruz Tá Junto”, de validação de conteúdos por pesquisadores da instituição.
Outra vertente deste trabalho foi a série de vídeos gravados com Henrique Gomes, influenciador e morador da Maré, abordando situações reais da favela com orientações objetivas sobre a pandemia. Profissionais das clínicas da família da Maré também protagonizaram vídeos com orientações sobre a doença e de serviços oferecidos pelo SUS, compondo a estratégia geral de fortalecer os serviços públicos de saúde durante a crise sanitária causada pelo novo coronavírus. Somadas, as peças veiculadas nas redes sociais tiveram mais de 500 mil visualizações durante o período.
Foram ainda produzidos vídeos sobre a vacina contra a covid-19 em parceria com Raphael Vicente, influenciador digital da Maré que conta com mais de 2 milhões de seguidores no Tik Tok. Os vídeos fizeram parte da campanha Vacina Maré, sendo que um deles atingiu a marca de 2,4 milhões de visualizações apenas no Twitter. A peça viralizou nacionalmente, ganhou reportagens na imprensa e se tornou referência em comunicação assertiva e bem-humorada sobre os benefícios da vacinação.
Na esteira da realização do estudo da Fiocruz sobre a vacinação na Maré, foi produzida uma série de vídeos com o médico e coordenador da pesquisa Vacina Maré, Fernando Bozza. Ao todo, mais de trinta vídeos foram produzidos durante o projeto, com orientações, esclarecimentos, avisos e dicas de proteção e prevenção.
A escuta atenta dos moradores foi um dos grandes pilares deste trabalho, aprimorando uma expertise já existente na Maré e inaugurando uma tecnologia social de mobilização e comunicação 360º que uniu diferentes pontas: comunicação e mobilização no território, comunicação com parceiros, comunicação institucional, comunicação científica e relacionamento com a imprensa.
Ciência de dados[editar | editar código-fonte]
Ainda no início da pandemia, com as entregas de cestas e atendimentos da campanha “Maré diz não ao coronavírus”, chegavam as informações de pessoas contaminadas, sem acesso a exames ou atendimento médico. Eram os invisíveis: casos subnotificados, não eram contados, nem vistos pela política pública. Logo foi compreendido que, sem estes dados básicos e relevantes, seria impossível entender a real situação da pandemia na Maré.
Era um cenário nacional de falta de transparência e até mesmo apagão de dados sobre a pandemia. Produzir e disponibilizar diagnósticos completos e com periodicidade sobre um recorte populacional relevante, como o das favelas da Maré e de Manguinhos, se tornou um imperativo e se consolidou como mais um diferencial do projeto.
Partindo de múltiplas e confiáveis fontes primárias de dados, como o número de casos e óbitos do Painel Rio Covid, da Prefeitura do Rio, os registros de testagem do aplicativo Dados do Bem, os atendimentos em telessaúde da SAS Brasil, os dados de vacinação da CAP 3.1 e as demandas de saúde e segurança alimentar registrados pelo Programa de Isolamento Domiciliar Seguro, a equipe de dados do projeto fez um trabalho constante de cruzamento e checagem de informações.
A produção e monitoramento de dados sobre a pandemia nos territórios permitiu não só o direcionamento de ações e estratégias do projeto – dando respostas rápidas aos problemas detectados - como a criação de uma série histórica sobre casos, óbitos, testagem, vacinação e acesso aos serviços de telessaúde e isolamento domiciliar seguro. Ou seja, o projeto não só preencheu uma lacuna deixada pelo Poder Público, mas colocou toda a produção de dados a serviço dos moradores de forma imediata.
Esta produção foi sistematizada primeiramente no boletim De Olho no Coro - na, produzido pela Redes da Maré, e - a partir de fevereiro de 2021 - incorporada ao boletim Conexão Saúde - De Olho no Corona, com reformulação editorial e gráfica e agregando dados de Manguinhos. O boletim foi publicado durante toda a pandemia, com periodicidade adaptada às urgências e necessidades de cada momento - chegando a 44 edições.
Entrevistas com especialistas foram produzidas em cada edição e repercutidas com exclusividade pelo Maré de Notícias Online. Além de ser disponibilizado no site da Redes da Maré e na página do projeto, o boletim foi enviado para diferentes públicos: tecedores da Redes da Maré, jornalistas, pesquisa - dores e organizações parceiras. Em diferentes ocasiões, a imprensa utilizou dados inéditos divulgados pelo boletim em suas matérias.
Rede de apoio e cuidados[editar | editar código-fonte]
A existência por quase dois anos do projeto Conexão Saúde - De Olho na Covid só foi possível graças a uma parceria sólida entre as instituições participantes. A expertise de cada uma fez toda a diferença durante o pro - cesso, já que elas eram complementa - res e a maior parte das organizações envolvidas tinham longa experiência em suas áreas. Assim, todas puderam contribuir de maneira decisiva para o sucesso do projeto, adaptando seus conhecimentos para o momento desafiador imposto pela crise sanitária do coronavírus.
A SAS Brasil tinha uma longa expertise em telessaúde, o Dados do Bem já vinha trabalhando dados em outros estados e municípios, a Redes da Mar é trouxe um conhecimento profundo do território, o Conselho Comunitário de Manguinhos apresentou sua bagagem de atuação em rede, a União Rio contribui com articulações institucionais e a Fiocruz se colocou como instituição de referência em saúde pública no País. E, criado para financiar ações de emergência durante a pandemia, o Instituto Todos pela Saúde viabilizou os recursos iniciais para a implantação do projeto.
A partir deste núcleo, várias outras parcerias foram formadas e firmadas durante o processo. Na Maré e em Manguinhos, associações de moradores, organizações não governamentais, coletivos de cultura e instituições dos territórios como escolas e clínicas da família fizeram parte de uma ampla rede de apoio e cuidado aos moradores.
Fortalecer e integrar os serviços do Conexão Saúde – De Olho na Covid ao fluxo do SUS foi uma das decisões estratégicas do projeto desde a sua origem. Foram feitos esclarecimentos das ações do projeto para este público, com a intenção de desafogar as unidades de saúde e dar suporte aos profissionais que se encontravam exaustos, sobrecarregados e, muitas vezes adoecidos, durante grande parte da pandemia.
Ao longo do processo, foi possível criar um fluxo de encaminhamento das unidades de saúde para os polos de testagem e para o Programa de Isolamento Domiciliar Seguro e implementar um programa de interconsulta, com o apoio dos médicos especialistas da SAS Brasil.
A aproximação e parceria com a CAP 3.1 permitiu ainda que diversas ações – que culminaram na campanha Vacina Maré – fossem desenvolvidas durante o período, como a disponibilização de dados atualizados sobre a vacinação na Maré semana a semana e a garantia, junto com o Espaço Normal, da Redes da Maré, de que a população de rua da Maré fosse vacinada com prioridade contra a covid-19.
O objetivo destas ações foi o fortalecimento e integração com o Sistema Único de Saúde (SUS), incorporando as estratégias e inovações experimentadas durante a pandemia nas políticas de saúde do território, como novas campanhas de vacinação e de prevenção a outras doenças, como DSTs e câncer de mama, e atendimento à saúde mental dos moradores.
Vacinação e engajamento[editar | editar código-fonte]
Realizada em julho de 2021 - momento em que a vacinação era baixa no País - , a campanha Vacina Maré teve como objetivo engajar, divulgar e informar a população adulta da Maré sobre a vacinação contra a covid-19 e dar lastro populacional para a pesquisa realizada pela Fiocruz no território. As expectativas foram amplamente superadas e mais de 36 mil moradores da Maré foram vacinados, em apenas quatro dias, com pelo menos uma dose do imunizante AstraZeneca, atingindo o percentual de 96% da população adulta do território vacinada.
Em outubro, uma nova fase da campanha incentivou a vacinação da segunda dose, com boa adesão da população. Após a vacinação em massa, casos graves e óbitos pela doença caíram ainda mais na Maré, sendo o registro da última morte por covid-19 no território em outubro de 2021. Desde o início da pandemia, com a implementação do projeto Conexão Saúde, a taxa de letalidade na Maré caiu 86%.
A campanha Vacina Maré foi uma iniciativa da Fiocruz, da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e da Redes da Maré – com a parceria do Conexão Saúde – De Olho na Covid. No entanto, a mobilização de outros parceiros, tanto de órgãos públicos quanto da sociedade civil, foi imprescindível para o sucesso da ação.
A Secretaria de Saúde alocou profissionais, mobilizou voluntários e estruturou as unidades de saúde para a vacinação, enquanto a Secretaria de Educação abriu as escolas com o apoio dos profissionais da área. A Redes da Maré demonstrou sua capacidade de articulação no território, envolvendo colaboradores, voluntários e moradores no pré-cadastro, na mobilização e na comunicação porta a porta. Associações de moradores se tornaram pontos de vacinação. Influenciadores digitais da Maré criaram conteúdos e mobilizaram jovens. Artistas produziram vídeos incentivando a adesão à campanha. A SAS Brasil fez acompanhamento médico dos moradores pós-vacinação.
A vacinação em massa de moradores da Maré faz parte do estudo liderado pela Fiocruz que acompanha a eficácia da vacina, englobando duas mil famílias da Maré (cerca de 6,5 mil pessoas), e monitora a circulação de variantes da covid-19 entre os moradores, a ocorrência de casos entre pessoas vacinadas e o nível de proteção de crianças e adolescentes não vacinados.
Pioneirismo e legado[editar | editar código-fonte]
Neste longo processo, repleto de urgências e situações jamais vividas, certezas se dissolveram e novas saídas tiveram que ser buscadas. Nos instantes de dúvida, novos olhares e soluções fora da caixa muitas vezes foram a única opção.
Foi assim, experimentando, errando e acertando, numa construção cotidiana e coletiva, que o projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid se estruturou, ao longo de quase dois anos, nos territórios da Maré e de Manguinhos. Uma experiência que, apesar de todos os percalços, se mostrou exitosa.
Os resultados positivos, atestados e mensurados, os prêmios recebidos, as declarações públicas de parceiros e autoridades, as centenas de reportagens na mídia nacional e estrangeira e, sobretudo, o reconhecimento cotidiano dos moradores, apontam o projeto como exemplo de atendimento integral à saúde a ser replicado em outros territórios do país, especialmente em favelas e periferias. Desta jornada, boas práticas podem ser utilizadas em novos contextos e em outros territórios.
Por certo que a experiência do Conexão Saúde – De Olho na Covid não deve ser vista como um pacote fechado, imutável. Ao contrário, a experiência mostrou que cada local tem uma realidade e que cada território tem suas especificidades, que precisam ser conhecidas e consideradas em profundidade. É preciso levar este fator fundamental em consideração em situações vindouras.
No entanto, inovações e tecnologias em saúde e comunicação criadas e adaptadas pelo projeto podem servir de inspiração e agregar expertises tanto em emergências, como no caso da pandemia, como em campanhas e ações planejadas e estruturadas em parceria entre o poder público e as organizações da sociedade civil.
A conexão e parceria entre diferentes entes locais e externos, com o fortalecimento institucional de organizações do território, é apontada como um dos principais legados do projeto em Manguinhos. Os resultados apresentados pelo Conexão Saúde mostram que é possível - por meio de articulações e parcerias - propor e executar ações em momentos críticos e construir projetos que atendam às necessidades dos moradores.
O projeto também é apontado como a pedra angular para a montagem da Sala de Comunicadores Populares em Manguinhos, a partir do fortalecimento do trabalho de comunicação no território, como promotora da saúde e de enfrentamento das fakes news em torno da covid-19.
Na Maré, o projeto se desdobra em novas ações, como o estudo sobre a eficácia da vacina capitaneado pela Fiocruz em parceria com a Redes da Maré e a Prefeitura, e a potencialização de iniciativas em saúde e cuidados em projetos da Redes da Maré, além de contribuir para a criação de um eixo da organização dedicado a projetos e iniciativas para promover o direito à saúde.
Dentro da parceria com o SUS, a disponibilização de tecnologias, dados e estatísticas colhidas pelo projeto vai permitir a criação e planejamento de ações futuras para o território. Um exemplo são os dados do pré-cadastro feito para a campanha Vacina Maré com moradores que não estavam vinculados às unidades de saúde. Foi possível mapear o perfil de quem ainda não utilizava os serviços públicos de saúde da Maré por gênero, raça e faixa etária.
Mulheres, por exemplo, utilizam mais os serviços de atenção primária à saúde, enquanto os homens foram maioria no pré-cadastro (59% do total). E 69% dos pré-cadastrados eram jovens entre 18 a 29 anos, enquanto 65% se declararam pretos ou pardos. Dados relevantes para compreender como se dá o acesso aos serviços de saúde e propor políticas para sua ampliação - sobretudo para moradores homens, jovens e negros, reconhecendo as unidades de saúde como um espaço seguro de acolhimento e cuidado.
Linha do tempo[editar | editar código-fonte]
2020
JUNHO
- Início do projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid na Maré
- Brasil chega a um milhão de casos de covid-19
- Sem acesso a testes, casos na Maré são subnotificados
JULHO
- Maré registra 83 mortes de moradores desde o início da pandemia
- Inauguração do Galpão Ritma – Centro de Testagem da Maré
- Brasil registra mais de 3,5 milhões de casos da doença
AGOSTO
- Brasil chega a 100 mil mortes por covid-19
- Início do Programa de Isolamento Domiciliar Seguro na Maré
SETEMBRO
- Instalação na Maré da primeira cabine de teleatendimento da SAS Brasil
OUTUBRO
- Eleições municipais no Brasil
NOVEMBRO
- Casos sobem exponencialmente e Maré chega a 132 óbitos
DEZEMBRO
- Inauguração do polo de testagem no CCDC Varginha, em Manguinhos
2021
JANEIRO
- Lançamento do Guia do Isolamento Domiciliar Seguro com dicas de cuidados durante a recuperação
- Por falta de oxigênio, pacientes com covid-19 morrem por asfixia em Manaus
- Enfermeira de São Paulo é a primeira pessoa a ser vacinada contra a covid-19 no Brasil
FEVEREIRO
- Campanha Se Liga no Corona tira dúvidas sobre a vacina
- Centro de Testagem da Maré chega à marca de 10 mil testes realizados
MARÇO
- Lançamento da personagem Dra. Ana, médica do SUS que combate desinformação sobre a pandemia
- Brasil se torna epicentro mundial da doença
- Mais um ministro da Saúde é trocado: sai Pazuello, entra Queiroga.
ABRIL
- Um ano da primeira morte por covid na Maré
- Início da Testagem Móvel na Maré
- CPI da covid-19 no Senado Federal apura omissões do governo federal na pandemia
MAIO
- Mortes de idosos com 80 anos ou mais caem pela metade no Brasil, após vacinação
- Moradores em situação de rua e com uso abusivo de drogas são vacinados com prioridade na Maré
- Anvisa aprova a produção do IFA AstraZeneca pela FioCruz
JUNHO
- Vacinação em massa e estudo sobre efetividade da vacina é realizado na Ilha de Paquetá
- Brasil chega a 500 mil mortos por covid-19 • Maré não registra nenhum óbito em 14 dias
JULHO
- Variante Delta se espalha rapidamente e alcançando 132 países em algumas semanas
- Início da campanha #VacinaMaré
- Centro de Testagem da Maré completa um ano com mais de 28 mil testes realizados
AGOSTO
- #VacinaMaré imuniza 36 mil moradores com pelo menos uma dose da vacina
- Início do estudo da Fiocruz sobre a efetividade da vacina na Maré
- Jogos Olímpicos e Paralímpicos ocorrem durante a pandemia
SETEMBRO
- Rio de Janeiro é epicentro da variante Delta no país
- Taxa de letalidade por covid-19 na Maré (4%) é quase metade da taxa do município do Rio (7%)
- 82% da população adulta vacinada com pelo menos uma dose na Maré
OUTUBRO
- #VacinaMaré convoca moradores para tomar a segunda dose contra a covid-19
- Último registro de morte por covid-19 na Maré e em Manguinhos
NOVEMBRO
- Ministério da Saúde recomenda dose de reforço a brasileiros maiores de 18 anos
- OMS identifica a variante Ômicron na África do Sul
DEZEMBRO
- Anvisa aprova uso de vacina contra covid-19 em crianças de 05 a 11 anos
- Brasil tem 80% da população acima de 12 anos vacinada com duas doses contra a covid-19
- Ano termina com 412.880 óbitos, mais do que o dobro de 2020 (194.949 mortes)
2022
JANEIRO
- Brasil vive surto simultâneo de influenza (gripe) e de covid-19
- Início da vacinação de crianças acima de 05 anos
- Boletim Conexão Saúde – De Olho no Corona publica sua última edição
FEVEREIRO
- Abertura de polos provisórios de testagem na Maré e em Manguinhos
MARÇO
- Finalização dos serviços do projeto Conexão Saúde na Maré e em Manguinhos
Alguns depoimentos[editar | editar código-fonte]
André Lima Articulador Local de Manguinhos:
A pandemia da covid-19 é um evento global, cuja experiência de dor e sofrimento são vivenciadas nos territórios. Não tínhamos escolha: precisamos arregaçar as mangas e enfrentar o cenário desfavorável! Foi isso que diversas organizações populares atuantes em Manguinhos fizeram! Muitas destas, atreladas ao Conselho Comunitário de Manguinhos, abraçaram o Conexão Saúde dentro de um leque de estratégias para sobreviver diante da covid-19! Entre os muitos desafios, atesto a dificuldade de construir parcerias duradouras no território. Construir junto significa também ceder espaços, dar ouvidos ao que o outro diz, reconhecer novos saberes... Superar uma certa tradição paternalista e de clientelismos que envolvem relações na esfera pública local. Quanto à relevância do projeto, muito já se apontou, mas destaco as ações contínuas de comunicação no território que enfrentaram as fake news. Notícias falaciosas que também matam!
Fernando Bozza, Pesquisador da Fiocruz, coordenador do Dados do Bem e do estudo Vacina Maré:
A pandemia acentuou iniquidades e desigualdades históricas no Brasil e no mundo, afetando sobretudo populações vulneráveis e sistemas de saúde frágeis. Mesmo neste cenário complexo, não houve uma política orquestrada para mitigar a transmissão do vírus e dar suporte e orientação médica às pessoas, visando diminuir a sobrecarga do sistema de saúde. Poucas intervenções comunitárias de sucesso foram realizadas e uma delas foi o Conexão Saúde - De Olho na Covid, que inovou ao criar um modelo integrado e participativo de vigilância em saúde durante a pandemia. Os resultados apresentados não deixam dúvidas de que se trata de uma iniciativa que tem tudo para inspirar outras ações em momentos críticos, sobretudo em favelas e periferias.
Luna Arouca, Coordenadora do Conexão Saúde na Maré:
O Conexão Saúde foi uma experiência única em vigilância em saúde em territórios de favelas durante a pandemia, com impacto concreto e real na vida das pessoas. Suas ações tiveram consequência não só de redução da mortalidade e no acompanhamento e controle dos casos de covid, mas na produção e circulação de informação segura, produzida localmente, para municiar ainda mais a população sobre a pandemia. Em termos institucionais, pela Redes da Maré, foi muito importante contar com tantos parceiros para enfrentar um desafio tão complexo de maneira mais preparada e assertiva.
Valcler Rangel, Médico sanitarista e assessor de Relações Institucionais da Fiocruz:
Para os territórios de favelas, a pandemia foi muito mais do que um vírus que adoeceu e matou pessoas. Ela escancarou desigualdades profundas no Brasil e no mundo. Uma sindemia!
No caso da Maré e de Manguinhos, somos vizinhos, há uma ligação histórica muito grande entre a Fiocruz e estes territórios.
Não dava pra virar as costas para esta realidade. Tivemos que articular parcerias e criar ações inovadoras de gestão, comunicação, vigilância e atendimento à saúde em tempo recorde.
Resolvemos enfrentar esses desafios. Uma aventura planejada que ainda traz desdobramentos para a pesquisa, para os afetos entre as pessoas e para as tecnologias instaladas.
O Conexão Saúde desmonta o estigma de que na favela só tem violência. Os resultados do projeto provam que a favela tem potência, tem inovação, tem mobilização, tem solução pra problemas complexos.
Sabine Zink, Co-fundadora e CEO da SAS Brasil:
Ser o braço saúde do projeto e parte dessa rede de apoio à população que estava mais vulnerável frente aos desafios impostos pelo avanço da doença foi desafiador mas igualmente gratificante.
Inovamos na maneira de conectar profissionais de saúde aos pacientes e construímos uma relação de confiança e proximidade em um momento onde as consultas com especialistas estavam suspensas na rede pública de saúde e que as unidades básicas sofriam com a lotação e atendimento focado na covid-19.
O resultado final só fortalece a importância e o impacto de organizações atuarem como aliadas para combater de frente problemas urgentes.
Relatório completo[editar | editar código-fonte]
Ver também[editar | editar código-fonte]
Covid-19 nas favelas e o apoio do WikiFavelas às ações comunitárias