Morro de Favela

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Atualmente, o Morro de Favela é conhecido como Morro da Providência. O recorte temporal do texto fica delimitado no início do século XX. Mesmo assim, a população preta e periférica ainda convive com as mazelas causadas pela longa duração da estrutura escravocrata do Estado brasileiro.

Autoria: Yasmin Iracema

Sobre[editar | editar código-fonte]

O Rio de Janeiro era a cidade de maior agitação sociocultural nos primeiros anos do século XX; as grandes modificações foram experimentadas aqui primeiramente. A República e o fim da escravidão impactaram diretamente a estrutura da cidade, tanto geograficamente, quanto no aspecto populacional. A chegada de imigrantes e o êxodo de libertos das fazendas cafeeiras aumentaram o número populacional e o número de desempregados ou não assalariados, acirrando a crise habitacional. As reformas urbanas e a política higienista dos primeiros anos da república, são fatores principais para entender a relação repressiva do Estado com a população preta, parda e pobre.

A cidade vivia problemas antigos no início da república como a falta de saneamento, abastecimento de água e higiene. Os surtos epidêmicos de varíola, febre amarela, tuberculose e malária, elevaram a taxa de mortalidade. A política de encilhamento afundou a economia, o aumento de impostos e a inflação levou ao aumento dos preços, e ao encarecimento do custo de vida. Os conflitos políticos, as combustões populares na derrubada dos cortiços, revolta da vacina e reforma urbanística. Constituíram o grande caldeirão de acontecimentos históricos que o Rio de Janeiro vivenciou como plano de fundo.

Na última década do século XIX, o maior cortiço do Rio de Janeiro foi demolido, o Cabeça de porco. A sua derrubada contou com um grande aparato policial e aclamação da imprensa. A queda desse cortiço famoso fez parte do processo de caçada a esse tipo de moradia, que abrigavam os mais pobres. Os cortiços tinham grande relevância na luta dos escravizados pela sua liberdade. Por fim, nos cortiços era uma decisão política, afastando a memória recente dos movimentos urbanos, expulsando pobres, pardos e pretos das áreas centrais da cidade. O número de cortiços aumentaram junto dos números de alforriados, eram conhecidos como habitações de escravos fugitivos e escravizados que viviam sobre si. A perseguição a esse tipo de moradia ganhou mais fôlego nos primeiros anos da república, ganhando justificativas higienistas e a grande reforma na avenida central.

O pensamento republicano almejava uma posição de destaque para o Brasil na economia mundial porque seguia modelos de sociedades europeias e o que era considerado o mais civilizado na época. Para se enquadrar como uma sociedade forte, burguesa e urbanizada, tomou medidas repressivas contra o seu próprio povo.

A publicação da regulamentação para aplicação obrigatória da vacina contra a varíola inflamou a revolta popular, dando origem à revolta da vacina em 1904. Conspirações políticas e da tentativa de um golpe militar, também pairavam no cenário de caos, juntando com a insatisfação popular. O desgosto pelo autoritarismo do governo inflamou as manifestações populares, transformando a parte central da cidade em uma zona de guerra. As forças militares foram convocadas, já que a polícia não dava conta de reprimir a multidão, sendo atacados com paus e pedras. Entre mortos e feridos, os presos pela revolta da vacina passaram pela Ilha das Cobras, até sua estadia definitiva no Acre. A região central da cidade virou um canteiro de obras, e o material daquela reforma servia de armamento para aquela população consternada e insatisfeita com a subjugação do governo. O projeto de obras da Avenida Central foi pensado também como a reforma de Paris. Abrir grandes avenidas eliminando becos e vielas onde a população poderia se esconder durante motins e revoltas populares. Pereira Passos esteve em Paris na época das obras, trazendo a estratégia política parisiense para o Rio de Janeiro. A reforma do prefeito estava além de trazer a modernidade para esse espaço urbano. Para a gestão administrativa da cidade e para a elite era necessário o afastamento definitivo do que eles consideravam escusos. A reforma comprimia diretamente aqueles que eram taxados como classes perigosas, trabalhadores pobres e desempregados. Que tiveram não só a sua habitação como os seus hábitos afetados, por uma moral civilizadora burguesa. A derrubada dos cortiços, a revolta da vacina e a reforma de Pereira Passos estão fundidas como uma única forma de repressão aos mais pobres.

A primeira favela carioca[editar | editar código-fonte]

A população que vivia nos cortiços e na área mais central da cidade que passou pela grande reforma foi empurrada para as zonas periféricas e para as primeiras favelas cariocas, ocupando lugares adversos com barracos de madeira e sem acesso às necessidades básicas. Causando um efeito adverso para aqueles que projetaram a cosmopolidade da Paris dos trópicos, o projeto foi atravessado pelo crescimento das favelas na área urbana.

Por meio de uma notícia no Jornal do Commercio em 1907 é possível compreender como os morros e seus moradores eram descritos de uma forma marginalizada. Os morros Santo Antônio e da Favela aparecem como numerosas habitações ilegais, sem higiene, levantados de uma hora para outra por sem tetos, sem profissão e sem escrúpulos. A mesma fama negativa que os cortiços carregavam, transpôs para a má fama dos morros.

A má fama não era dirigida somente pela moradia precária, e sim destinada principalmente para aqueles que residiam e seus hábitos. O processo histórico que o Rio de Janeiro passou na Primeira República tem caráter de continuidade com os tempos coloniais. O negro continuou em posição desvantasoja, mesmo sendo trabalhador livre. Na estrutura social da república os negros prosseguiram ocupando o mesmo lugar que no período imperial. Na busca por emprego havia uma certa rivalidade com os estrangeiros que migraram para a cidade. Trabalhadores pretos eram preteridos em relação aos outros trabalhadores e que por muitas vezes eram imigrantes europeus que eram empregados.

Atualmente, o Morro de Favela é conhecido como Morro da Providência. O recorte temporal do texto fica delimitado no início do século XX. Mesmo assim, a população preta e periférica ainda convive com as mazelas causadas pela longa duração da estrutura escravocrata do Estado brasileiro.

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

CARVALHO, José Murilo. (1987) Os bestializados. São Paulo: Companhia das Letras.

CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. 3ª Ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012.

_________. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina: mentes insanas em corpos rebeldes.São Paulo: Cosac Naify. Brasiliense, 1984.

Ver também[editar | editar código-fonte]