Dono do Morro
“Dono do morro” é a expressão que atualmente designa o chefe do tráfico de drogas em favelas do Rio de Janeiro. Os “donos de morro” reivindicam não apenas o controle armado dos pontos de venda de drogas – as chamadas “bocas de fumo” – mas também dos territórios que as circunscrevem, interferindo em outras dimensões da vida social local: impõem-se como árbitros de contendas, interferem nas associações de moradores, podem cobrar taxas sobre diferentes atividades econômicas, financiam eventos culturais e engajam-se em práticas assistenciais. Como enfatizou Zaluar (2004, p.400), eles não substituem o Estado, mas “atuam como patrões no velho estilo da patronagem brasileira” e, assim, “fazem sobreviver uma figura paradigmática de nossa formação social”. É importante ressaltar que personagens urbanos similares ao “dono do morro” antecedem esse personagem diretamente associado ao tráfico de drogas. Eles aparecem já nos primeiros relatos sobre as favelas cariocas, como o do jornalista Costallat (1995 [1924]), em que o “valente” Zé da Barra é descrito como o “chefe incontestável da favela”. No entanto, até o início da década de 1980, as lideranças locais estiveram muitas vezes relacionadas ao jogo do bicho, escolas de samba, partidos políticos, órgãos administrativos e associações. Foi somente quando a cocaína passou a ser comercializada nos já existentes pontos de venda de maconha, multiplicando os seus lucros, que o tráfico ganhou poder e seu chefe despontou como “dono do morro”. (Misse, 1999; Zaluar e Alvito, 2006; Machado da Silva, 2016) Nas “facções” ou “comandos” criminais do Rio de Janeiro não existem lideranças acima dos “donos de morro” (Barbosa, 1998), pois são elas redes horizontais de proteção mútua entre “donos de morro” (Misse, 2003). Se, localmente, as “firmas” do tráfico organizam-se em estruturas hierárquicas piramidais, no âmbito supralocal, as alianças de que se compõem os comandos são laterais. Essas alianças supralocais são mobilizadas principalmente a partir das prisões, onde formaram-se os “comandos” e onde atualmente se encontra a maior parte dos “donos de morro”. Para comandar o tráfico em favelas a partir da prisão, os “donos de morro” costumam nomear um “gerente-geral”, “frente” ou “responsável” de sua confiança. Este, por sua vez, nomeia outros “gerentes” ou “responsáveis” por pontos de venda ou cargas de drogas, que organizam o trabalho nas “bocas” e participam dos lucros obtidos. Através da distribuição desses cargos de confiança, o “dono do morro” amplia a sua base política local e mantém o fluxo de retorno dos proventos do tráfico. Seu poder sobre a favela é também respaldado pela “facção”, que apoia os “donos de morro” em casos de conflito armado pelo controle do tráfico local. (Grillo, 2013).
Autores: Carolina Christoph Grillo e Daniel Veloso Hirata.