Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Entrevista com Lucia Souto, idealizadora do Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde.
Entrevista com Lucia Souto, idealizadora do Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde.


Autora: Lucia Souto (texto extraído de entrevista).
Autoria: Lucia Souto (texto extraído de entrevista).


==Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais da Saúde==
==Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais da Saúde==

Edição das 10h47min de 19 de julho de 2023

Entrevista com Lucia Souto, idealizadora do Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde.

Autoria: Lucia Souto (texto extraído de entrevista).

Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais da Saúde

O mapa colaborativo dos movimentos sociais em Saúde é uma exigência dos desafios que estão colocados para esse contexto político que nós estamos vivendo hoje no Brasil. Qual é esse contexto político? Nós estamos saindo de uma verdadeira ditadura, que destruiu direitos, que decretou, na verdade uma necropolítica, um desapreço completo pela democracia. E isso teve um ônus muito grande. Essa é, na verdade, uma questão global. Não é uma questão só do Brasil. Hoje, o capitalismo na sua forma do capitalismo financeiro extremo, da concentração de renda, ele traz realmente essa afronta e essa luta contra a democracia. Ele não tem nenhum apreço pela democracia. Então, nesse momento que nós estamos, nesse contexto da reconstrução e transformação do Brasil, e com esse estímulo que o presidente Lula está dando para que a gente realmente inaugure um processo cada vez mais de democracia participativa, com a criação do sistema interministerial de participação social. E eu hoje estou numa função, digamos assim, que é da assessoria de Participação Social e Diversidade da ministra da Saúde, Nísia Trindade. Nessa tarefa que estamos, achamos que era fundamental, já nesse primeiro momento do governo na área da Saúde, a gente lançar esse Mapa colaborativo dos movimentos sociais em Saúde, em parceria com o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Saúde e a Fiocruz, que vai ser também a base da nossa plataforma do mapa colaborativo, o ICICT. Por que do mapa? É importantíssimo nesse contexto, a gente dar visibilidade, saber quem são e o que fazem os movimentos sociais em Saúde no Brasil inteiro. Nós sabemos que é um movimento fortíssimo. São inúmeras as iniciativas que existem espalhadas Brasil afora, mas é importante a gente trazer esses movimentos como sujeito político. E o mapa é uma oportunidade para isso. Que a gente possa estar com as informações de quem são e o que fazem, contribuindo. Nós vamos fazer um trabalho daqui pra frente. Ele foi lançado na 17ª Conferência Nacional de Saúde. A ideia é, a partir de agora, a gente fazer um amplo trabalho a nível nacional. Vamos nos dividir em cinco regiões do país com áreas de comunicação, com áreas de tecnologia, com pessoas que trabalhem com a comunicação, com a tecnologia, com a mobilização e também com a formação crítica da população. Quer dizer, então, simultaneamente, dar visibilidade e também aprofundar o processo de educação popular. Quer dizer, então é um instrumento de saber quem são e o que fazem, e, ao mesmo tempo, dar visibilidade a essa rede de movimentos sociais até facilitar a conexão de redes de movimentos. Um não conhece o outro e que pode ser um instrumento que favoreça essa articulação em rede dos movimentos. Eu acho que estamos aí fazendo algo inédito. Algo inédito e que vai trazer para a vida, de visível da sociedade brasileira, o povo brasileiro, que está aí na luta, na resistência Eu tenho dito sempre que é fundamental a gente compreender que no Brasil o povo brasileiro é um povo de luta. Não é verdade que o povo brasileiro não é um povo de luta. Então, as lutas são inúmeras, ancestrais, o próprio trabalho dos movimentos negros, dessa matriz da escravidão que estrutura a sociedade brasileira. Esse grupo de bilionários que quer, de alguma maneira, a concentração de renda, prejudica muito a distribuição não só de renda, mas também a democracia. Quer dizer, favorecer que a população seja de fato sujeito político das políticas públicas. E agora, com o lançamento do mapa da 17ª, nós percebemos com toda a força, com todo o vigor, com a realização de um processo de mobilização para a realização da 17ª, nós vimos que ela começou com conferências livres, algo inédito. Já haviam, em outros momentos, conferências livres, mas nunca no formato que aconteceu nesse processo da 17ª, que foi o formato de cada conferência livre, foram 99 que aconteceram, tirar delegados para participar com todos os direitos no espaço da conferência. E isso mostrou essa força das Conferências Livres para além de praticamente todos os municípios que realizaram conferências. E também todos os estados brasileiros fizeram as suas conferências. O que isso demonstra? Demonstra que o povo brasileiro está dando um recado. Ele quer ser sujeito político da construção desse novo Brasil. Então o mapa, ele vem ao encontro a esse vigor e a esse recado que o povo brasileiro está dando. Nós queremos ser sujeitos políticos e o mapa vai dar e vai dar a dimensão, vai mostrar a cara desse povo brasileiro organizado: quem são e o que fazem.

Movimentos Sociais em Saúde

O papel dos movimentos sociais em saúde é histórico. A própria história da construção da Saúde como direito universal de cidadania se deu lá atrás, na oitava Conferência Nacional de Saúde, com uma ampla participação da sociedade brasileira. Foi uma conferência que teve mais de 5 mil delegados e isso plasmou na construção dessa política pública exemplar, que é a construção da Saúde como direito universal no Brasil. Ela plasmou essa diretriz fundante que é a da participação social. Então, os movimentos sociais são como eu até assisti em várias conferências livres e até estaduais, as pessoas dizerem: “eu sou construtor do SUS”. É esse o sentimento que os movimentos sociais Brasil afora têm: “Nós construímos esse sistema”. Esse é o papel: construtores de uma política pública exemplar de direitos universais e que, por ser exemplar, por ter essa participação extraordinária da população na construção, o que é realmente algo inédito até mundo afora, o SUS consegue resistir. Resiste graças a essa presença cotidiana dos movimentos sociais na sua construção.

Resistência durante a Pandemia de Covid-19

O papel dos movimentos sociais foi, eu diria, definitivo. Por que definitivo? Primeiro, porque o Conselho Nacional de Saúde, ao contrário de todo o projeto do governo anterior que destruiu todos os instrumentos de participação social. Todos os conselhos de participação social foram simplesmente aniquilados no governo anterior. Só resistiram dois: o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Direitos Humanos, que estavam previstos em lei. Então era impossível destruir esse Conselho. No caso do Conselho Nacional de Saúde, que eu participava, naquele momento do governo anterior, na condição de presidenta do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES), e vi todo o processo de resistência monumental que o Conselho Nacional de Saúde exerceu no contexto da pandemia, a maior catástrofe sanitária da história do país. Um genocídio, na verdade, é o que aconteceu: 10% das mortes de Covid do mundo e 3% da população do mundo. E na verdade, as 700 mil mortes provavelmente estão subnotificadas, porque nós tivemos também, no governo anterior, um apagão de informações. Então foi uma coisa muito grave, um verdadeiro desastre. E esse desastre, que tem várias camadas que afetaram profundamente a população brasileira, essa memória precisa ser resgatada. Os movimentos sociais foram fundamentais, não só através do Conselho Nacional de Saúde, que foi uma coisa importantíssima, mas também com a criação naquele momento da Frente pela Vida, que entidades históricas da luta da Reforma Sanitária brasileira, como é o caso do Cebes, da Abrasco, da Rede Unida, da Sociedade Brasileira de Bioética e a própria presença de conselheiros nacionais de Saúde na Frente pela Vida. Nós dissemos o seguinte naquele momento: os movimentos sociais em saúde vão ter que se colocar. Nós não podemos faltar à população brasileira nesse momento de grave crise sanitária. E foi o que fizemos. Organizamos a Frente pela Vida, apresentamos um plano nacional de enfrentamento à COVID, fizemos marcha virtual a Brasília, um conjunto de iniciativas que acabou culminando no dia 5 de agosto de 2022 com uma primeira Conferência Livre Democrática Nacional Popular de Saúde. Essa conferência, ela teve a presença maravilhosa do presidente Lula, onde nós entregamos o nosso manifesto com as diretrizes da Frente pela Vida e naquele momento, colocamos que a saúde tem que ser 100% pública. Colocamos as diretrizes da carreira de Estado para os profissionais da área da Saúde. Colocamos a diretriz da construção de uma rede integral de atenção à Saúde da população que possa ter qualidade e dignidade. E colocamos também naquele momento a questão do financiamento, que era importante retomar o financiamento para consolidar o SUS como política universal de cidadania. E também, compreendendo naquele momento, e colocamos isso naquele documento, que a Saúde precisava ser encarada como um eixo estratégico de desenvolvimento, porque a pandemia, com o seu complexo econômico industrial, para que o país tivesse soberania e segurança sanitária, porque a pandemia trouxe um alerta. Nós estamos vivendo um mundo com uma crise climática extrema, as emergências sanitárias serão cada vez mais frequentes, infelizmente. Mas esse é um dado da realidade e nós não podemos ser surpreendidos nessas emergências sanitárias mais uma vez. Então, é bom lembrar que, naquele momento, instituições públicas centenárias, como é o caso da Fundação Oswaldo Cruz e do Instituto Butantan, foram vitais para prover a vacina para a população brasileira e também nós pudemos articular, tanto o Conselho, Frente pela Vida e todos esses movimentos sociais, um movimento fortíssimo que foi “vacina no braço e a comida no prato”. Então os movimentos sociais defenderam a vida, defenderam a Saúde e defenderam a democracia naquele momento catastrófico que nós atravessamos. Eu acho que nós temos um desafio enorme nesse momento. Eu acho que lá atrás, quando nós construímos a Saúde como direito nesse processo, esse movimento da Reforma Sanitária, nós também concebemos um campo de conhecimento chamado a Saúde Coletiva, originalmente brasileiro, com pessoas fundamentais como Arouca, Cecília Donnângelo e tantos outros, que colocaram a ideia inovadora no Brasil de que a saúde era fruto da determinação social desse processo Saúde-doença, portanto, ligada à questão de várias dimensões da vida, como moradia, educação, lazer, cultura, ambiente, emprego, trabalho digno. Então, todas essas dimensões da vida interferem numa sociedade e nos territórios, na produção da Saúde. Então, qual é o grande desafio deste momento de reconstrução e transformação do Brasil, que é também uma agenda do governo do presidente Lula? É você trabalhar cada vez mais com isso, que lá atrás propúnhamos à Saúde: a intersetorialidade. Nós precisamos avançar no que eu estou chamando de uma nova geração de políticas públicas que possa, a nível de cada território, trabalhar esse desenvolvimento territorial, colocando as metas de cada território, articulando todas as políticas públicas e os agentes públicos em cada território, para que a gente possa, até usando o lema da Conferência Nacional de Saúde, a 17ª, “o Brasil que temos e o queremos”, trazer isso pra cada lugar, para cada território, para cada região. Que região, que território, que comunidade é essa? O que nós temos e o que nós queremos? Quer dizer, quais são as metas daquela região, daquela localidade para o Brasil? Esse grupo que se apodera e concentra renda no Brasil, ele na verdade encalhou o Brasil. Nós precisamos desencalhar o nosso país e essa força social, porque algo que também vimos nesse processo todo, como a sociedade brasileira amadureceu. Hoje nós temos uma sociedade organizada, com uma pluralidade, uma diversidade extraordinária de organização: movimentos negros, LGBT, movimento quilombola, movimento dos povos indígenas, das mulheres. É uma diversidade tão impressionante que mostra que ninguém ficou parado. As pessoas já fizeram a sua luta para fazer mais do que sobreviver, criar espaços de novas vivências, de novas construções, mostrando os caminhos que a gente deve perseguir e que redes a gente deve fortalecer para que a gente mude essa correlação de forças para contribuir para a gente afirmar esse país da solidariedade, dos direitos, dos cuidados. Quer dizer, um país que possa ter a solidariedade, o cuidado como base e não essa universalização de mal estar, que foi a tônica desse processo catastrófico que a gente atravessou, felizmente.

Inspirações do Mapa

O mapa se inspira em algumas iniciativas. Por exemplo, uma delas é o Dicionário Marielle Franco, que foi uma inspiração para nós. Sonia Fleury, inclusive, está na coordenação desse Dicionário. Outra inspiração foi o VER-SUS, que é uma outra inspiração também. Agora, estamos a partir dessas inspirações, ampliando, digamos assim, a nossa ambição. O que nós queremos agora é realmente fazer esse mapeamento que é infinito. Nós estamos com o propósito de fazer a entrega pela nossa ministra do SUS, Nísia Trindade, no final do ano da primeira edição do mapa colaborativo dos Movimentos sociais em Saúde. Entregar para a sociedade brasileira o fruto desse trabalho que estamos empenhados para começar. E a primeira edição sairá ainda em 2023.

Papel da Juventude de periferia

A juventude traz por si só uma riqueza. Eu me lembro até que a Hannah Arendt dizia: “A cada nascimento é um mundo novo que nasce”. Então, essa juventude está com muita expectativa. Ela precisa e tem colocado o tempo inteiro: esperançar. Na verdade, essa juventude brasileira quer ter futuro. Ela quer ter presente e futuro. Então ela está muito atuante. E a juventude da periferia é hoje fruto dessa brutalidade, desse processo do capitalismo excludente que, na verdade, com a sua violência estrutural, coloca pra fora da humanidade todas essas pessoas. Não é à toa que nós temos a violência como um dos mais importantes problemas de Saúde Pública. A desigualdade no Brasil é indecente, ela é abissal, ela é ancestral. Essa juventude sofre as consequências dessa desigualdade, sofre as consequências da falta de direitos. Hoje em dia, a juventude preta brasileira é assassinada nessa política completamente hedionda da guerra às drogas. Então nós queremos, com esse mapa, entender, mostrar que a juventude está fazendo muita coisa, que ela tem presença, que ela está organizando muitas coisas, como é o caso das periferias. Nós temos um movimento de periferias livres, nós temos movimentos como foi a associação do MST com a Cozinha Solidária. Jovens do Movimento Sem Terra, como o MST. Nós temos uma juventude que está querendo ter moradia, que está querendo ter qualidade de vida, dignidade e ela vai aparecer. E esse mapa vai ser uma oportunidade para que cada um conheça o que o outro está fazendo e nesse conhecimento poderem se articular, criar oficinas, criarem. Aí a criatividade é infinita. O céu é o limite.

Visibilidade dos Movimentos Sociais

O mapeamento só fortalecerá os movimentos sociais como sujeitos políticos desse país. É isso que nunca aconteceu. Os movimentos sociais ficaram sempre invisibilizados, silenciados. É momento de dar voz, de tirar essa grande esmagadora maioria da população desse silêncio forçado. E essas pessoas querem isso. Elas estão o tempo inteiro se colocando. Elas estão dizendo: “Eu quero participar”, “esse país é meu”, “eu não quero ser excluído desse país”, “eu quero estar dentro”. E o mapa, ele vai mostrar isso. Então ele não tem nenhum risco, porque na verdade eu acho que o nosso grande desafio hoje é exatamente como afirmar a democracia participativa do Brasil. Que é essa é a única, digamos assim, vacina. É a única proteção que nós temos contra essa sequência, essa linha histórica de golpes. Toda vez que o nosso país tenta distribuir um fio de cabelo de renda, a brutalidade daqueles que concentram a renda se manifesta. São golpes sequenciais. Foi com Getúlio, que até provocou seu suicídio. Foi com Jango, foi com Juscelino, foi com o presidente Lula. Prenderam o presidente Lula! A população percebe, se identifica, porque ela sabe o que é uma prisão arbitrária no dia a dia. Ela está entrando na sua casa, no seu território, na sua favela, na sua moradia. E ela é simplesmente o tempo inteiro achacada, o tempo inteiro afrontada. Quer dizer, a população já está sob risco. Hoje a população brasileira está sob risco. É o momento de a gente virar essa chave e dizer: “o povo brasileiro voltou”. O povo brasileiro quer participar e ser construtor da democracia participativa do país.

Lucia Souto
Lucia Souto

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Saúde 33
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