Seu Olívio (entrevista): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Sem resumo de edição
Linha 11: Linha 11:


__FORCETOC__
__FORCETOC__
<blockquote><p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu sou Olívio Bonna, nasci em 1942. No Espirito Santo e vim pro Rio de Janeiro em 1965- vim direto para Jacarepaguá. Estou aqui até hoje, a minha ideia era vim, conseguir dinheiro, voltar para comprar um terreno e eu sou apaixonado pelo interior, e vim da lavoura. Mas eu não consegui. Estou tentando até hoje para conseguir o dinheiro para voltar. Mas estou feliz aqui, porque hoje com 71 anos, me sinto – não realizado, mas eu sei que contribui com Jacarepaguá, que eu adotei com minha terra mãe.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu vivo mais aqui, do que na minha terra natal.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu cheguei no Rio de Janeiro, e não sabia fazer nada, eu só sabia trabalhar na agricultura. Então o primeiro lugar que eu procurei trabalho foi no Porto Agrícola para trabalhar com agricultura. Então eu comecei fazer biscate. Tinha muitas chácaras.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Naquela época Jacarepaguá era uma área rural, 1965- A única coisa que descaracterizava a área rural era o bonde. Quando cheguei eu me sento em casa.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu trabalhei numa chácara de um alemão, na Rua Baipendí. Ele era dono de uma metalúrgica- e ele me levou para fábrica- trabalhei com ajudante geral e 2 anos depois eu já era serralheiro.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Ele me perguntou o que eu sabia- eu sabia faz balaio, peneira, armadilha pra peixes, cortar cabelo, tocar viola. Nada disso servia pra ele.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Ele me botou como ajudante, 2 anos depois eu já era serralheiro.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">E é por isso que estou aqui dando este depoimento.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Na prática eu aprendia nas oficinas, mas e fui procurar algo mais teórico. Então eu fui pro sindicato dos metalúrgicos tinha uns cursos, que naquela época já estava sob intervenção militar e eles só faziam cursos profissionais.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Fui fazer o curso de serralheiro, e não tinha no momento. Então fiz de soldador. E lá comecei a encontrar alguns camaradas, que mesmo sob intervenção, falavam sobre politica. Eu achava interessante- naquele momento, paralelamente, eu estava estudando na Igreja Católica, a ecologia da Libertação, as Conferências dos Bispos – Puebla e Medellin- nos anos 70- eu estudava com o grupo MFC. Movimento Familiar Cristão e estudava e vinha de encontro a tudo que eu pensava da vida.l</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Então eu achei que ia mudar a sociedade através da Igreja. Eu peguei a 1ª bandeira de luta. A Teologia da Libertação levarão a gente ao povo, a procurar as comunidades carentes para trabalhos. E nós criamos grupos- o Pe. Alexandre bem de idade- muito conservador, mas ele deixava a gente fazer e dizia cuidado porque se vocês forem presos eu não vou lá soltar vocês não.</span></span></p>
<blockquote><p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu sou Olívio Bonna. Eu nasci em 1942, no estado Espírito Santo, e vim para o Rio de Janeiro em 1965. Vim direto para Jacarepaguá, e estou aqui até hoje. A minha ideia era vir, conseguir dinheiro, voltar para comprar um terreno. Eu sou apaixonado pelo interior, vim da lavoura. Mas eu não consegui. Estou tentando até hoje para conseguir o dinheiro para voltar. Mas estou feliz aqui, porque hoje com 71 anos, me sinto... Não realizado, mas eu sei que contribuí com Jacarepaguá, que eu adotei como minha terra mãe. Eu vivo mais aqui do que na minha terra natal.</span></span></p><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu cheguei no Rio de Janeiro, e não sabia fazer nada, eu só sabia trabalhar na agricultura. Então o primeiro lugar que eu procurei trabalho foi no Porto Agrícola, para trabalhar com agricultura. Então eu comecei a fazer biscate. Tinha muitas chácaras. Naquela época Jacarepaguá era uma área rural, em 1965. A única coisa que descaracterizava a área rural era o bonde.</span></span>
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A gente ia pra porta da Igreja para formar o movimento dos Circulos Bíblicos- 1º passo e fazer formação para depois CEBS. Comunidades Eclesiais de Base.</span></span>
 
<p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Aí criamos a CEB de Shangrilá. Com Pe. Jozino, e outra na Boiuna.&nbsp; E no Lote Mil- que não virou CEB.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Em menos de 1 mês, criamos 25 grupos. Nós trabalhávamos e no tempo vago só fazia isto. A ideia era fazer uma Igreja em cada casa, uma igreja domestica- popular- era tudo leigo.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">O pensamento do João XXIII, depois Paulo VI- e diziam que estavam virando comunistas na Igreja, aí veio João Paulo II e acabou com a Teologia. Frei Leonardo Boff foi perseguido, foi pro tribunal da inquisição.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">O Papa Bento é que colocou a Teologia da Libertação. Ele sofreu com o próprio veneno.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Bom entrei nos movimentos populares, partido político, Associação de Moradores.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Na igreja, na missa era só um lugar para recarregar a bateria, mas na rua, era &nbsp;o lugar de agir.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Em tão o grupo pensou- tinha um grupo jovem muito bom, muito grande- e então resolvemos reativar a AMOATA. A associação de moradores da Taquara (1980/1981).</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Nós resolvemos assumir. E eu tinha pouca experiência. Eu acreditava em tudo. Era fácil me enganar. Então ia pra FAERJ e eu dava os informes- e os caras desciam o cacete em mim e eu percebi depois que era por questões politicas- eu vi que não era isso que eu queria- eu queria mudar a sociedade- eu voltava dava informes- falava que quase me bateram e eles riam- porque sabiam o por que.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Daí percebemos que nós precisávamos muito para encaminhar nossos projetos, as coisas, muitos problemas, questão de luz, transporte- (se agora é ruim- antes era muito pior).</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Então a gente organizava, comissões pra ir às secretarias. Aí percebemos que era preciso entrar aí resolvemos ajudar e colher assinaturas para organizar o PT na política.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Por isso me doe o coração com as mazelas que está aí hoje a corrupção e tudo que aconteceu- porque eu ajudei a criar este partido com o maior boa fé, tenho certeza disto.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">E aí nós nos envolvemos o máximo com a politica.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu acredito- partido politico é uma parte da sociedade- que pensa igual.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">No PT- a coisa vinha de baixo pra cima, as propostas vinham de base, mas quando chegou ao poder começa a vir de cima pra baixo.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">E hoje está difícil uma alternativa- se não houve uma reforma politica muito forte mesmo- não tem PSOL- não tem partido nenhum – porque são 3 poderes. Eu estava muito desanimado- mas parece que o povo começa a enxergar e vir pra rua. Mas não basta isto. Eu acho que até para um governo de boa fé- o povo na rua é muito importante- vai servir muito.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Agora não vai servir pros calhordas que estão pra seguir. Mas para o governo que tem boa fé, é muito importante esse pessoal na rua. Vai ajudar porque são 3 poderes e um travando o outro. O judiciário travando o executivo, os parlamentares travando o executivo. É uma loucura essa politica. que tá lá dentro é um balaio de gato.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">E a reforma politica que vem do povo- as decisões- na constituição diz do povo, mas nas eleições- se submete a pagar pessoas para fazer campanha- a politica moderna está profissional.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Antigamente era a gente que fazia os panfletos.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">O que eu penso, que é difícil fazer hoje uma reforma politica- porque os deputados que estão lá muitas pessoas acabam encantando – quando conseguem uma viagem de avião.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A Igreja ajudou muito- a gente colocar a pessoa humana na frente de tudo.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Na associação de moradores, eu fui presidente, nisso sem muita experiência, mas com bastante boa vontade.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Nesta época pipocou as ocupações e os conflitos.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Como presidente da Associação eu participei de muitas ocupações.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu sai no jornal toda semana, em entrave.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Tais perigosas- jogando uns com os outros.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Me lembro de uma entrevista- quando falei do curso do rio limpo até certa altura- depois ficava poluído- depois publicaram que eu acusei certa comunidade (do Tancredo) e depois eu recebi ligação me questionando.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">O passado não volta, mas é importante olhar o passado, para aprender algumas estratégias- dentro dos movimentos comunitários- nós fomos obrigados a fazer parcerias. Também os partidos políticos tem que fazer parceria.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Na Cebe Pe. Jozimo - com nossos recursos- não conseguíamos fazer as casas e então fizemos parcerias com ONGS- para apoio financeiro- O projeto técnico foi feito pela comunidade- com ajuda de engenheiros e arquiteto. Mas o financiamento?</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Fizemos parceria. Mas perdemos o&nbsp;&nbsp;&nbsp; apoio &nbsp;politico.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eles têm um preço é muito caro as vezes.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A divergência surge, quando os parceiros queriam usar o projeto como sua bandeira, e nos atrapalhando.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eles conseguem captar os moradores- e tivemos que sair.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Outras experiências, outros conflitos.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Nós tivemos duas ocupações muito complicadas.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Na Meringuava e na Amaú perdemos para militar</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Na véspera do natal- Amaú- o telefone tocou- eram gritos- pedindo ajuda. Tinham pessoas acampadas. Parecia um campo de guerra- barracos queimados- encapuzados, eram milicianos- que tinha a ver com o Eduardo Paes.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Dois meses depois ele derrubou os barracos. Fizemos acampamento morando na rua.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Novamente- as 6 horas da manhã- Eduardo Paes- estava lá, com tratores derrubando os barracos. A imprensa chegou.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Ele foi embora, mas esta tudo registrado nos jornais da época.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Na Meringuava- nós tentamos ocupar 3 vezes aquele terreno- quando chegava lá- a policia já estava lá- vazava do próprio grupo.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu tenho muita esperança se 5 ou 6 pessoas se entendessem de verdade. O gente difícil de se entender- dos movimentos sociais.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Então formamos um grupo de total confiança- eu (Taquara)João Marco( Boiuna),&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Isabel( pastora da Igreja Batista) e o Tião sem medo eram 5 pessoas de total confiança.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">E as definições da ocupação só esses sabiam.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Aí as reuniões continuaram na Igreja Batista. Toda semana tinha.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Meia noite- ocupamos o terreno. Em meia hora fizemos 1 barraco de 5 metros. As crianças e as mulheres todas lá dentro. A policia chegou e passou a noite do lado de fora. E nós cantando os hinos da Igreja. Passou a noite assim. De manhã chegaram os parlamentares. Edson Santos. Marcelo dias e Eliomar Coelho.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Aí começa o cadastramento e os conflitos.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">São tantos conflitos.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Aí surge um desentendimento. Certo momento da proposta do Tião e Isabel- do Tião fica no terreno. Eu discordei. Achava que ele até deveria ocupar depois, mas não naquele momento. Apenas quando ganharmos o terreno. Mas houve votação e o Tião ficou. Neste momento eu decidir sair.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Houve um dialogo entre nós, para que ele saísse. E ele perdeu a vida por isso. Porque era a milícia que estava por trás. Ele perdeu a vida por causa disto. Aí a milícia tomou conta do terreno.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A falta de união é muito ruim. Por isso eu faloque todo esse movimento que está aí pode ser muito positivo, se a gente conseguir aproveitar isso de verdade, mas também pode sair um desastre total, pode acontecer tudo.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu tenho que vai ser uma boa.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Tem que ter muito cuidado. Por isso é que temos que conversar pequenos grupos.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu sou de um principio que a gente vai ou não vai- não existe meio termo. Na bíblia está escrito que Jesus vomitava o morno.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A Fiocruz quando se instalou aqui- ela já começou a ajudar.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Uma vez fui no Parque do Pau da fome. Um dia um homem me chamou e me ofereceu um terreno, com o preço. Eu fiquei preocupado e assustado. Parecia terra de ninguém.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Minha esperança é que isto não aconteça aqui, por causa da Fiocruz, dá uma garantia- até por quem é a Fiocruz. Se isto acontecer- eu falo com alguém.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A Fiocruz tem tudo para ajudar mais. O caminho é a conscientização.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Porque tudo passa pela consciência. Eu tenho acompanhado os projetos da Fiocruz. Acho tudo bom, é democrático, chama o povo para participar. Mas poderia um esforço maior. Mas eu estou com 71- e a idade é um limitador. Como vamos atingir a juventude. E tem bolsas. Eu até tenho resistência a bolsa. Sabe que eu faço, eu mando para uma moça lá no Ceara com câncer.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Mas na politica moderna. Eu vejo que as pessoas não têm como para a vida para fazer uma panfletagem. Então isto ajuda- mas já tem aproveitadores- que faz disto salário- ajunta aqui e ali.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">E que nem a bolsa família- ela é positiva, mas passa ser negativa dependendo do como.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Se não traz essas pessoas. Como vamos contribuir com a conscientização.</span></span></p> <p style="margin-top:12.0pt; text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A viola é meu suporte. Quando estou com depressão. Eu aguento por causa da musica.</span></span></p>
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Quando cheguei, eu me senti em casa. Eu trabalhei na chácara de um alemão, na Rua Baipendí. Ele era dono de uma metalúrgica  e ele me levou para fábrica, trabalhei com ajudante geral e 2 anos depois eu já era serralheiro. Ele me perguntou o que eu sabia: eu sabia faz balaio, peneira, armadilha pra peixes, cortar cabelo, tocar viola. Nada disso servia pra ele. Ele me botou como ajudante, 2 anos depois eu já era serralheiro. E é por isso que estou aqui dando este depoimento.</span></span></blockquote>
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%"><span style="font-family:" calibri",sans-serif"="">Sr. Olívio Canto</span></span></span>
 
</blockquote> 
=== <span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Teologia da Libertação</span></span> ===
<blockquote><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Na prática, eu aprendia nas oficinas, mas e fui procurar algo mais teórico. Então eu fui pro sindicato dos metalúrgicos, lá tinha uns cursos. Naquela época já estava sob intervenção militar e eles só faziam cursos profissionais. Fui fazer o curso de serralheiro e não tinha no momento, então fiz de soldador. E lá comecei a encontrar alguns camaradas que, mesmo sob intervenção, falavam sobre política. Eu achava interessante. Naquele momento, paralelamente, eu estava estudando na Igreja Católica a Teologia da Libertação, as Conferências dos Bispos (Puebla e Medellin), nos anos 70. Eu estudava com o grupo MFC - Movimento Familiar Cristão, estudava e vinha de encontro a tudo que eu pensava da vida. Então eu achei que ia mudar a sociedade através da Igreja. Eu peguei a 1ª bandeira de luta.</span></span>  
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A Teologia da Libertação levava a gente ao povo, a procurar as comunidades carentes para trabalhos. E nós criamos grupos, o Pe. Alexandre bem de idade, muito conservador, mas ele deixava a gente fazer e dizia "Cuidado, porque se vocês forem presos eu não vou lá soltar vocês não". A gente ia pra porta da Igreja para formar o Movimento dos Circulos Bíblicos: o 1º passo era fazer formação para depois ir para as CEBS - Comunidades Eclesiais de Base. Aí criamos a CEB de Shangrilá, com Pe. Jozino, e outra na Boiuna. E no Lote Mil - que não virou CEB. Em menos de 1 mês, criamos 25 grupos. Nós trabalhávamos, e no tempo vago só fazia isso. A ideia era fazer uma Igreja em cada casa, uma igreja doméstica-popular.</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">O pensamento do João XXIII, depois Paulo VI, que diziam que estavam virando comunistas na Igreja. Aí veio João Paulo II e acabou com a Teologia. Frei Leonardo Boff foi perseguido, foi pro tribunal da inquisição. O Papa Bento é que colocou a Teologia da Libertação. Ele sofreu com o próprio veneno.</span></span></blockquote>
 
=== <span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Política</span></span> ===
<blockquote><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Bom, entrei nos movimentos populares, partido político, Associação de Moradores. Na igreja, na missa era só um lugar para recarregar a bateria, mas na rua, era o lugar de agir. Então o grupo pensou. Tinha um grupo jovem muito bom, muito grande, e então resolvemos reativar a AMOATA - Associação de Moradores da Taquara (1980/1981). Nós resolvemos assumir. E eu tinha pouca experiência, eu acreditava em tudo, era fácil me enganar. Então ia pra FAERJ e eu dava os informes, e os caras desciam o cacete em mim e eu percebi depois que era por questões politicas. Eu vi que não era isso que eu queria, eu queria mudar a sociedade, eu voltava dava informe, falava que quase me bateram e eles riam, porque sabiam o porquê. Daí percebemos que nós precisávamos de muito para encaminhar com nossos projetos, as coisas, muitos problemas, questão de luz, transporte. Se agora é ruim, antes era muito pior. Então a gente organizava comissões pra ir às secretarias. Aí percebemos que era preciso entrar, resolvemos ajudar e colher assinaturas para organizar o PT na política. Por isso me dói o coração, com as mazelas que estão aí hoje, a corrupção e tudo que aconteceu. Porque eu ajudei a criar esse partido com o maior boa fé, tenho certeza disto. E aí nós nos envolvemos o máximo com a política.</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Eu acredito. Partido politico é uma parte da sociedade, que pensa igual. No PT, a coisa vinha de baixo pra cima, as propostas vinham de base, mas quando chegou ao poder, começa a vir de cima pra baixo. E hoje está difícil uma alternativa Se não houver uma reforma política muito forte mesmo, não tem PSOL, não tem partido nenhum – porque são 3 poderes. Eu estava muito desanimado, mas parece que o povo começa a enxergar e vir pra rua. Mas não basta isso. Eu acho que até para um governo de boa fé, o povo na rua é muito importante, vai servir muito. Agora não vai servir pros calhordas que estão pra seguir. Mas para o governo que tem boa fé, é muito importante esse pessoal na rua. Vai ajudar porque são 3 poderes e um travando o outro. O Judiciário travando o Executivo, os parlamentares travando o Executivo. É uma loucura essa política! Só que tá lá dentro, é um balaio de gato. E a reforma política, que vem do povo (as decisões)... Na constituição diz do povo, mas nas eleições, se submetem a pagar pessoas para fazer campanha.</span></span>  
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A política moderna está profissional. Antigamente era a gente que fazia os panfletos. O que eu penso é que é difícil fazer hoje uma reforma política, porque os deputados que estão lá... Muitas pessoas acabam encantando quando conseguem uma viagem de avião.</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A Igreja ajudou muito. A gente colocar a pessoa humana na frente de tudo. Na associação de moradores, eu fui presidente, nisso sem muita experiência, mas com bastante boa vontade. Nessa época, pipocou (sic) as ocupações e os conflitos. Como presidente da Associação, eu participei de muitas ocupações. Eu saía no jornal toda semana, em entrave. Me lembro de uma entrevista, quando falei do curso do Rio Limpo até certa altura, depois ficava poluído, depois publicaram que eu acusei certa comunidade (do Tancredo) e depois eu recebi ligação me questionando.</span></span></blockquote>
 
=== <span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Movimentos comunitários, parcerias e conflitos</span></span> ===
<blockquote><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">O passado não volta, mas é importante olhar o passado para aprender algumas estratégias. Dentro dos movimentos comunitários, nós fomos obrigados a fazer parcerias. Também os partidos políticos têm que fazer parceria. Na CEBE Pe. Jozimo, com nossos recursos, não conseguíamos fazer as casas e então fizemos parcerias com ONGs para apoio financeiro. O projeto técnico foi feito pela comunidade com ajuda de engenheiros e arquiteto. Mas o financiamento? Fizemos parceria. Mas perdemos o apoio político. Eles têm um preço e é muito caro às vezes. A divergência surgiu quando os parceiros queriam usar o projeto como sua bandeira, e nos atrapalhando. Eles conseguiram captar os moradores, daí tivemos que sair.</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Outras experiências, outros conflitos. Nós tivemos duas ocupações muito complicadas. Na Meringuava e na Amaú, perdemos para militar. Na véspera do Natal, em Amaú, o telefone tocou. Eram gritos, pedindo ajuda. Tinham pessoas acampadas, parecia um campo de guerra: barracos queimados, encapuzados. Eram milicianos, que tinha a ver com o Eduardo Paes. Dois meses depois ele derrubou os barracos. Fizemos acampamento morando na rua. Novamente, às 6 horas da manhã, Eduardo Paes estava lá, com tratores derrubando os barracos. A imprensa chegou, ele foi embora, mas está tudo registrado nos jornais da época.</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Na Meringuava, nós tentamos ocupar 3 vezes aquele terren. Quando chegava lá, a policia já estava lá, vazava do próprio grupo. Eu tenho muita esperança, se 5 ou 6 pessoas se entendessem de verdade. Ô, gente difícil de se entender! [A gente] dos movimentos sociais. Então formamos um grupo de total confiança: eu(Taquara), João Marco (Boiuna), Isabel (pastora da Igreja Batista) e o Tião Sem Medo, éramos 5 pessoas de total confiança. E as definições da ocupação só esses sabiam.</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Aí as reuniões continuaram na Igreja Batista. Toda semana tinha. Meia noite, ocupamos o terreno. Em meia hora, fizemos 1 barraco de 5 metros. As crianças e as mulheres todas lá dentro. A polícia chegou e passou a noite do lado de fora. E nós cantando os hinos da Igreja. Passou a noite assim. De manhã chegaram os parlamentares. Edson Santos, Marcelo Dias e Eliomar Coelho. Aí começa o cadastramento e os conflitos. São tantos conflitos. Aí surge um desentendimento. Certo momento da proposta do Tião e Isabel, do Tião ficar no terreno. Eu discordei. Achava que ele até deveria ocupar depois, mas não naquele momento, apenas quando ganharmos o terreno. Mas houve votação e o Tião ficou. Nesse momento eu decidir sair.</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Houve um dialogo entre nós, para que ele saísse. E ele perdeu a vida por isso, porque era a milícia que estava por trás. Ele perdeu a vida por causa disso. Aí a milícia tomou conta do terreno.</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A falta de união é muito ruim. Por isso eu falo que todo esse movimento que está aí pode ser muito positivo, se a gente conseguir aproveitar isso de verdade, mas também pode sair um desastre total, pode acontecer tudo. Eu tenho que vai ser uma boa (sic). Tem que ter muito cuidado. Por isso é que temos que conversar pequenos grupos. Eu sou de um princípio que a gente vai ou não vai, não existe meio termo. Na Bíblia está escrito que Jesus vomitava o morno.</span></span></blockquote>
 
=== <span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">FIOCRUZ</span></span> ===
<blockquote><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A Fiocruz quando se instalou aqui, ela já começou a ajudar. Uma vez fui no Parque do Pau da Fome. Um dia um homem me chamou e me ofereceu um terreno, com o preço. Eu fiquei preocupado e assustado. Parecia terra de ninguém. Minha esperança é que isso não aconteça aqui, por causa da Fiocruz, dá uma garantia - até por quem é a Fiocruz. Se isto acontecer, eu falo com alguém.</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">A Fiocruz tem tudo para ajudar mais. O caminho é a conscientização. Porque tudo passa pela consciência. Eu tenho acompanhado os projetos da Fiocruz, acho tudo bom, é democrático, chama o povo para participar. Mas poderia um esforço maior. Mas eu estou com 71, e a idade é um limitador. Como vamos atingir a juventude? E tem bolsas. Eu até tenho resistência à bolsa. Sabe o que eu faço? Eu mando para uma moça lá no Ceará com câncer, conhecida, porque eu não preciso disso. De qualquer maneira, é útil, né, eu estou fazendo alguma coisa útil. Mas na política moderna (voltando à política), eu vejo que as pessoas não podem se dar o luxo hoje de parar a vida para fazer uma panfletagem, fazer um trabalho, sem receber alguma coisa. Então isso ajuda. Mas isso é negativo demais, porque tem gente que tira proveito disso, que faz salário com isso salário. Vi gente que quer receber uma bolsa aqui, outra lá... Igual o Bolsa Família. Ele é uma coisa positiva, mas passa a ser negativa dependendo do modo como ela é feita. Então como fazer isso? Eu acho que é uma questão que eu também estou procurando uma maneira pra utilizar isso de forma positiva. Porque se você não conseguir atrair essas pessoas pra conversa, como é que você vai conscientizar?</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Quando eu estou deprimido, a viola é o meu consolo. Eu canto e fiz uma música sobre a história de Jacarepaguá, eu sou compositor também.</span></span>
 
<span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">''[Sr. Olívio canta um trecho]''</span></span></blockquote>
 
== Outros depoimentos ==
[[Histórias, Memórias, Oralidades e Cartografia da Luta Social por Terra e Moradia na Região de Jacarepaguá]]
 
== Ver também ==
[[Category:Temática - Depoimentos]] [[Category:Temática - Habitação]] [[Category:Jacarepaguá]]
[[Category:Temática - Depoimentos]] [[Category:Temática - Habitação]] [[Category:Jacarepaguá]]

Edição das 20h54min de 4 de março de 2022

Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao Dicionário de Favelas Marielle Franco.

Sobre o projeto

A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Nesse episódio, o entrevistado é seu Olívio.

Entrevista

Transcrição

Eu sou Olívio Bonna. Eu nasci em 1942, no estado Espírito Santo, e vim para o Rio de Janeiro em 1965. Vim direto para Jacarepaguá, e estou aqui até hoje. A minha ideia era vir, conseguir dinheiro, voltar para comprar um terreno. Eu sou apaixonado pelo interior, vim da lavoura. Mas eu não consegui. Estou tentando até hoje para conseguir o dinheiro para voltar. Mas estou feliz aqui, porque hoje com 71 anos, me sinto... Não realizado, mas eu sei que contribuí com Jacarepaguá, que eu adotei como minha terra mãe. Eu vivo mais aqui do que na minha terra natal.

Eu cheguei no Rio de Janeiro, e não sabia fazer nada, eu só sabia trabalhar na agricultura. Então o primeiro lugar que eu procurei trabalho foi no Porto Agrícola, para trabalhar com agricultura. Então eu comecei a fazer biscate. Tinha muitas chácaras. Naquela época Jacarepaguá era uma área rural, em 1965. A única coisa que descaracterizava a área rural era o bonde. Quando cheguei, eu me senti em casa. Eu trabalhei na chácara de um alemão, na Rua Baipendí. Ele era dono de uma metalúrgica  e ele me levou para fábrica, trabalhei com ajudante geral e 2 anos depois eu já era serralheiro. Ele me perguntou o que eu sabia: eu sabia faz balaio, peneira, armadilha pra peixes, cortar cabelo, tocar viola. Nada disso servia pra ele. Ele me botou como ajudante, 2 anos depois eu já era serralheiro. E é por isso que estou aqui dando este depoimento.

Teologia da Libertação

Na prática, eu aprendia nas oficinas, mas e fui procurar algo mais teórico. Então eu fui pro sindicato dos metalúrgicos, lá tinha uns cursos. Naquela época já estava sob intervenção militar e eles só faziam cursos profissionais. Fui fazer o curso de serralheiro e não tinha no momento, então fiz de soldador. E lá comecei a encontrar alguns camaradas que, mesmo sob intervenção, falavam sobre política. Eu achava interessante. Naquele momento, paralelamente, eu estava estudando na Igreja Católica a Teologia da Libertação, as Conferências dos Bispos (Puebla e Medellin), nos anos 70. Eu estudava com o grupo MFC - Movimento Familiar Cristão, estudava e vinha de encontro a tudo que eu pensava da vida. Então eu achei que ia mudar a sociedade através da Igreja. Eu peguei a 1ª bandeira de luta.

A Teologia da Libertação levava a gente ao povo, a procurar as comunidades carentes para trabalhos. E nós criamos grupos, o Pe. Alexandre bem de idade, muito conservador, mas ele deixava a gente fazer e dizia "Cuidado, porque se vocês forem presos eu não vou lá soltar vocês não". A gente ia pra porta da Igreja para formar o Movimento dos Circulos Bíblicos: o 1º passo era fazer formação para depois ir para as CEBS - Comunidades Eclesiais de Base. Aí criamos a CEB de Shangrilá, com Pe. Jozino, e outra na Boiuna. E no Lote Mil - que não virou CEB. Em menos de 1 mês, criamos 25 grupos. Nós trabalhávamos, e no tempo vago só fazia isso. A ideia era fazer uma Igreja em cada casa, uma igreja doméstica-popular.

O pensamento do João XXIII, depois Paulo VI, que diziam que estavam virando comunistas na Igreja. Aí veio João Paulo II e acabou com a Teologia. Frei Leonardo Boff foi perseguido, foi pro tribunal da inquisição. O Papa Bento é que colocou a Teologia da Libertação. Ele sofreu com o próprio veneno.

Política

Bom, entrei nos movimentos populares, partido político, Associação de Moradores. Na igreja, na missa era só um lugar para recarregar a bateria, mas na rua, era o lugar de agir. Então o grupo pensou. Tinha um grupo jovem muito bom, muito grande, e então resolvemos reativar a AMOATA - Associação de Moradores da Taquara (1980/1981). Nós resolvemos assumir. E eu tinha pouca experiência, eu acreditava em tudo, era fácil me enganar. Então ia pra FAERJ e eu dava os informes, e os caras desciam o cacete em mim e eu percebi depois que era por questões politicas. Eu vi que não era isso que eu queria, eu queria mudar a sociedade, eu voltava dava informe, falava que quase me bateram e eles riam, porque sabiam o porquê. Daí percebemos que nós precisávamos de muito para encaminhar com nossos projetos, as coisas, muitos problemas, questão de luz, transporte. Se agora é ruim, antes era muito pior. Então a gente organizava comissões pra ir às secretarias. Aí percebemos que era preciso entrar, resolvemos ajudar e colher assinaturas para organizar o PT na política. Por isso me dói o coração, com as mazelas que estão aí hoje, a corrupção e tudo que aconteceu. Porque eu ajudei a criar esse partido com o maior boa fé, tenho certeza disto. E aí nós nos envolvemos o máximo com a política.

Eu acredito. Partido politico é uma parte da sociedade, que pensa igual. No PT, a coisa vinha de baixo pra cima, as propostas vinham de base, mas quando chegou ao poder, começa a vir de cima pra baixo. E hoje está difícil uma alternativa Se não houver uma reforma política muito forte mesmo, não tem PSOL, não tem partido nenhum – porque são 3 poderes. Eu estava muito desanimado, mas parece que o povo começa a enxergar e vir pra rua. Mas não basta isso. Eu acho que até para um governo de boa fé, o povo na rua é muito importante, vai servir muito. Agora não vai servir pros calhordas que estão pra seguir. Mas para o governo que tem boa fé, é muito importante esse pessoal na rua. Vai ajudar porque são 3 poderes e um travando o outro. O Judiciário travando o Executivo, os parlamentares travando o Executivo. É uma loucura essa política! Só que tá lá dentro, é um balaio de gato. E a reforma política, que vem do povo (as decisões)... Na constituição diz do povo, mas nas eleições, se submetem a pagar pessoas para fazer campanha.

A política moderna está profissional. Antigamente era a gente que fazia os panfletos. O que eu penso é que é difícil fazer hoje uma reforma política, porque os deputados que estão lá... Muitas pessoas acabam encantando quando conseguem uma viagem de avião.

A Igreja ajudou muito. A gente colocar a pessoa humana na frente de tudo. Na associação de moradores, eu fui presidente, nisso sem muita experiência, mas com bastante boa vontade. Nessa época, pipocou (sic) as ocupações e os conflitos. Como presidente da Associação, eu participei de muitas ocupações. Eu saía no jornal toda semana, em entrave. Me lembro de uma entrevista, quando falei do curso do Rio Limpo até certa altura, depois ficava poluído, depois publicaram que eu acusei certa comunidade (do Tancredo) e depois eu recebi ligação me questionando.

Movimentos comunitários, parcerias e conflitos

O passado não volta, mas é importante olhar o passado para aprender algumas estratégias. Dentro dos movimentos comunitários, nós fomos obrigados a fazer parcerias. Também os partidos políticos têm que fazer parceria. Na CEBE Pe. Jozimo, com nossos recursos, não conseguíamos fazer as casas e então fizemos parcerias com ONGs para apoio financeiro. O projeto técnico foi feito pela comunidade com ajuda de engenheiros e arquiteto. Mas o financiamento? Fizemos parceria. Mas perdemos o apoio político. Eles têm um preço e é muito caro às vezes. A divergência surgiu quando os parceiros queriam usar o projeto como sua bandeira, e nos atrapalhando. Eles conseguiram captar os moradores, daí tivemos que sair.

Outras experiências, outros conflitos. Nós tivemos duas ocupações muito complicadas. Na Meringuava e na Amaú, perdemos para militar. Na véspera do Natal, em Amaú, o telefone tocou. Eram gritos, pedindo ajuda. Tinham pessoas acampadas, parecia um campo de guerra: barracos queimados, encapuzados. Eram milicianos, que tinha a ver com o Eduardo Paes. Dois meses depois ele derrubou os barracos. Fizemos acampamento morando na rua. Novamente, às 6 horas da manhã, Eduardo Paes estava lá, com tratores derrubando os barracos. A imprensa chegou, ele foi embora, mas está tudo registrado nos jornais da época.

Na Meringuava, nós tentamos ocupar 3 vezes aquele terren. Quando chegava lá, a policia já estava lá, vazava do próprio grupo. Eu tenho muita esperança, se 5 ou 6 pessoas se entendessem de verdade. Ô, gente difícil de se entender! [A gente] dos movimentos sociais. Então formamos um grupo de total confiança: eu(Taquara), João Marco (Boiuna), Isabel (pastora da Igreja Batista) e o Tião Sem Medo, éramos 5 pessoas de total confiança. E as definições da ocupação só esses sabiam.

Aí as reuniões continuaram na Igreja Batista. Toda semana tinha. Meia noite, ocupamos o terreno. Em meia hora, fizemos 1 barraco de 5 metros. As crianças e as mulheres todas lá dentro. A polícia chegou e passou a noite do lado de fora. E nós cantando os hinos da Igreja. Passou a noite assim. De manhã chegaram os parlamentares. Edson Santos, Marcelo Dias e Eliomar Coelho. Aí começa o cadastramento e os conflitos. São tantos conflitos. Aí surge um desentendimento. Certo momento da proposta do Tião e Isabel, do Tião ficar no terreno. Eu discordei. Achava que ele até deveria ocupar depois, mas não naquele momento, apenas quando ganharmos o terreno. Mas houve votação e o Tião ficou. Nesse momento eu decidir sair.

Houve um dialogo entre nós, para que ele saísse. E ele perdeu a vida por isso, porque era a milícia que estava por trás. Ele perdeu a vida por causa disso. Aí a milícia tomou conta do terreno.

A falta de união é muito ruim. Por isso eu falo que todo esse movimento que está aí pode ser muito positivo, se a gente conseguir aproveitar isso de verdade, mas também pode sair um desastre total, pode acontecer tudo. Eu tenho que vai ser uma boa (sic). Tem que ter muito cuidado. Por isso é que temos que conversar pequenos grupos. Eu sou de um princípio que a gente vai ou não vai, não existe meio termo. Na Bíblia está escrito que Jesus vomitava o morno.

FIOCRUZ

A Fiocruz quando se instalou aqui, ela já começou a ajudar. Uma vez fui no Parque do Pau da Fome. Um dia um homem me chamou e me ofereceu um terreno, com o preço. Eu fiquei preocupado e assustado. Parecia terra de ninguém. Minha esperança é que isso não aconteça aqui, por causa da Fiocruz, dá uma garantia - até por quem é a Fiocruz. Se isto acontecer, eu falo com alguém.

A Fiocruz tem tudo para ajudar mais. O caminho é a conscientização. Porque tudo passa pela consciência. Eu tenho acompanhado os projetos da Fiocruz, acho tudo bom, é democrático, chama o povo para participar. Mas poderia um esforço maior. Mas eu estou com 71, e a idade é um limitador. Como vamos atingir a juventude? E tem bolsas. Eu até tenho resistência à bolsa. Sabe o que eu faço? Eu mando para uma moça lá no Ceará com câncer, conhecida, porque eu não preciso disso. De qualquer maneira, é útil, né, eu estou fazendo alguma coisa útil. Mas na política moderna (voltando à política), eu vejo que as pessoas não podem se dar o luxo hoje de parar a vida para fazer uma panfletagem, fazer um trabalho, sem receber alguma coisa. Então isso ajuda. Mas isso é negativo demais, porque tem gente que tira proveito disso, que faz salário com isso salário. Vi gente que quer receber uma bolsa aqui, outra lá... Igual o Bolsa Família. Ele é uma coisa positiva, mas passa a ser negativa dependendo do modo como ela é feita. Então como fazer isso? Eu acho que é uma questão que eu também estou procurando uma maneira pra utilizar isso de forma positiva. Porque se você não conseguir atrair essas pessoas pra conversa, como é que você vai conscientizar?

Quando eu estou deprimido, a viola é o meu consolo. Eu canto e fiz uma música sobre a história de Jacarepaguá, eu sou compositor também.

[Sr. Olívio canta um trecho]

Outros depoimentos

Histórias, Memórias, Oralidades e Cartografia da Luta Social por Terra e Moradia na Região de Jacarepaguá

Ver também