A tecnologia de reconhecimento facial da PMERJ
O Rio de Janeiro é um laboratório de tudo que há de pior na segurança pública, inclusive a aplicação desregrada de câmeras de reconhecimento facial, uma realidade que, promissora para uns, acaba sendo assombrosa para outros, uma vez que os algoritmos dessas IAs acabam por reproduzir estereótipos racistas tanto os programadores quanto das bases de dados das próprias polícias, construindo assim uma ferramenta de injustiça penal tecnológica.
Autor: Matheus de Moura
Do Jacarezinho em diante[editar | editar código-fonte]
A aplicação massiva das tecnologias de reconhecimento facial pela Polícia Militar do Rio de Janeiro começa mesmo em maio de 2021, quando a cidade é palco de uma tragédia: 27 pessoas morrem em uma chacina policial no Jacarezinho. A Polícia Civil alega que foi legítima defesa, mas laudos cadavéricos apontam para sinais de execução sumária. Essa tragédia foi o empurrão que a Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) precisava. Em 2022, a PMERJ usou a violência no Jacarezinho como motivo para expandir o sistema de monitoramento facial. A ideia era começar pelo Jacarezinho, considerado um lugar perigoso, e depois espalhar as câmeras por toda a capital fluminense e a Região Metropolitana. Na primeira fase do sistema de monitoramento, as câmeras só existiam no Maracanã e no Aeroporto Santos Dumont.
Em documentos conseguidos por repórteres, a diretora de Infraestrutura de Tecnologia da PMERJ, Major Agdan Miranda Fernandes, disse que as câmeras seriam para "pacificar" a favela. O plano era usar as câmeras para ajudar a polícia a ocupar e controlar o território, evidenciando assim uma intenção e uso calcada na mesma violência que gerou as UPPs, por exemplo..
O software russo[editar | editar código-fonte]
A tecnologia de reconhecimento facial utilizada pela PMERJ é um software russo chamado FindFaces. Esse software, criado pela empresa NTech Lab, já causou muita polêmica no mundo afora, tendo sido banido da União Europeia. Em sua fase embrionária, quando ainda era uma aplicativo de smartphone capaz de vencer as tecnologias da Google, ele chegou a ser usado para encontrar a identidade de atrizes pornôs e redes sociais de pessoas anônimas nas ruas. Após esse período, já como software militar, a empresa passou a contar com sociedade e parceria majoritária do governo russo e, assim, o programa foi usado também para perseguir manifestantes políticos na Rússia.
Um relatório da União Europeia aponta para a empresa como sendo “responsável por prover suporte técnico e material para sérias violações de direitos humanos na Rússia, incluindo prisões e detenções arbitrárias, e violações ou abusos de direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação”.
Para a imprensa, a PMERJ justifica que o FindFaces é usado apenas para procurar criminosos e suspeitos a partir do banco de procurados, e não para vigiar pessoas comuns. Mas não existe nenhuma norma publicada oficialmente que obrigue a PMERJ a usar o software apenas para isso. Na prática, os policiais podem abordar qualquer pessoa que for identificada pelas câmeras de acordo com seus interesses corporativos e/ou pessoais. Isso sequer pode ser considerado uma violação de quaisquer direitos ou normativa, uma vez que estas não existem.
Outros problemas[editar | editar código-fonte]
A aplicação desregrada das tecnologias de reconhecimento facial tende a reproduzir mais e mais casos de racismo por meios digitais. Todavia, mesmo dentro de um parâmetro ideal e técnico que respeitasse os direitos humanos, as câmeras falhariam:
De 2023 para cá, as câmeras de reconhecimento facial se espalharam pela orla e pelas vias expressas do Rio. Em fevereiro deste ano, algumas foram roubadas e destruídas. As câmeras são da empresa L8, que costuma vender as da empresa chinesa Hikvision. Embora no pregão fosse exigido pela PMERJ um equipamento que reconhecesse no mínimo 40 faces, as entregues pela L8 reconhecem no máximo cinco.
A PMERJ ignorou esse problema e disse que não havia diferença entre o que foi entregue e o que foi pedido. A L8, que também vendeu body cams para a PMERJ, já tinha sido multada em R$ 301 mil por causa da má qualidade das câmeras corporais.