Crônicas do Andaraí
Venham! Venham! Verbete sobre crônicas fresquinhas sobre o bairro do Andaraí, no Rio de Janeiro! Tem história de onça, vestígio de indígenas no Indarahy Grande e até caso de morte, freguesa! Não deixe de ficar por dentro das melhores crônicas, tome seu lugar e leia já!
Autoria: Diversos autores.
Do peabiru dos Tamoios à Rua Barão de Mesquita: a história da rua mais velha do Andaraí[editar | editar código-fonte]
Autoria: Marcelo Sant’Ana Lemos[1].
Conta Jean de Lery, um sapateiro francês protestante, que esteve no Rio de Janeiro, entre 1557 e 1558, que ele visitou uma aldeia Tamoio chamada Jabebiracica, que ficava provavelmente entre os bairros do Maracanã e São Cristóvão. Os habitantes desta aldeia exploravam as matas da Serra, ao fundo, conhecida pelo nome tupi de Andaraí e hoje como Maciço da Tijuca.
Para caçar nestas florestas os tamoios andavam por trilhas ou caminhos construídos por eles, que chamam de peabiru (caminho gramado amassado). Após a derrota dos Tamoios, com escravização e fuga dos moradores desta e de outras aldeias, a área que compreendida do Catumbi até o Engenho Novo foi doada aos Jesuítas em 1565.
Com os Tamoios escravizados, que viviam com os jesuítas, eles tiveram as informações de como andar por estas terras, quais eram os caminhos que levavam ao Andaraí. Esse caminho chamado nos documentos de “estrada que vay para o Macaco ou Indarahy Grande” era o trecho que hoje corresponde a Rua Pinto de Figueiredo e Rua Barão de Mesquita, que nos anos 70, do século XIX, era conhecida como estrada do Andaraí Grande. A partir de 1875 ela foi rebatizada de Barão de Mesquita, sendo a principal artéria do bairro do Andaraí atual.
Morreu por engano: acidente na pedreira do Morro do Cruz[editar | editar código-fonte]
Autoria: Marcelo Sant’Ana Lemos.
No final da rua Ernesto de Souza funcionava, do início do século XX até a década de 1950, uma pedreira que explorava a face oeste do Morro do Cruz, retirando dali pedaços do gnaisse semi-porfiróide para a alvenaria de fundações.
Essas escavações na pedreira feitas com suor dos trabalhadores e também a base de explosões de dinamite criaram um precipício do alto do Morro do Cruz a base da pedreira.
Paulo Martins, antigo taifeiro da Marinha Mercante, abandonou a sua profissão para virar apontador do jogo do bicho no Morro do Cruz. Jogo esse criado no Jardim Zoológico do Barão de Drummond, em 1892, para sustentar a alimentação dos animais, mas que depois virou jogo de azar e foi proibido pela polícia.
Estava ele exercendo a sua corretagem zoológica próximo a hora do almoço, quando avistou um senhor elegante subindo o morro e vindo na sua direção. Pressupondo que era um policial que vinha a seu encalço saiu em desabalada carreira, em direção as margens do precipício formado pela pedreira. Distraído, apenas preocupado com a pessoa que lhe seguia acabou caindo de mais de 50 metros de altura, estatelando-se no solo e vindo a falecer no meio da pedreira do Andaraí. Não era policial o cidadão que subia e ele morreu por engano!
Uma lembrança não tão feliz![editar | editar código-fonte]
Autoria: Marcelo Sant’Ana Lemos.
Ela é uma das mais antigas ruas do Andaraí, o seu nome já aparecia nos jornais, em 1872, apesar não ter sido anotado no levantamento feito pela Prefeitura, em 1878.
Para se chegar a ela, naquela década, pegava-se uma diligência e saltava na Rua Braça de Ouro (atual Ferreira Pontes). No século seguinte bastava pegar o bonde da linha Andarahy Leopoldo. A Prefeitura não cuidava da rua, havia uma verdadeira “fartura”: “farta” d’água, esgoto e limpeza que fazia com que os moradores reclamassem nos jornais.
O logradouro tinha alguns moradores e casas, entre elas um chalé, n.5. Para chegar aquele imóvel tinha que entrar pela Rua Leopoldo. Ali, em 24 de maio de 1904, acontecia uma animada serenata, com muitas pessoas, entre elas Augusto J. Oliveira, vulgo Bexiga, e Satyro de Souza.
Uma nota desafinada tirada no violão originou uma briga entre os dois que resultou em tiros disparados por Bexiga, na direção de Satyro, que ficou ferido. Será que foi deste episódio que surgiu a trova popular:
Na Rua Feliz Lembrança
Eu escapei por um triz
De ser mandado à tábua
Ai! Que lembrança infeliz
Tal nome por nessa rua
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Autoria: Marcelo Sant’Ana Lemos.
Morava no Andaraí, em 1899, uma mulher à frente de seu tempo: Francisca Edwiges Neves Gonzaga. Fruto de um amor proibido entre a filha de uma escrava e um marechal do Império, ela desde pequena se destacou por sua vocação artística: tocava piano e violão.
Essa paixão lhe causou desgostos na vida pessoal e pública, pois entre um casamento imposto e a música ela optou pelo segundo, numa época em que uma mulher independente era condenada pela sociedade patriarcal do Segundo Império. Com posicionamento forte, era uma ferrenha abolicionista e republicana. Por ser uma grande artista conseguiu reconhecimento e até a inclusão de uma nova palavra no vocabulário brasileiro: maestrina.
A Princesa Isabel ganhou do Papa Leão XIII uma Rosa de Ouro, por ter assinado a Lei Áurea. Assim, no Brasil, a Rosa de Ouro ficou vinculada à Abolição.
No Andaraí, existia um Cordão Carnavalesco, chamado por isso de Rosa de Ouro, formada por maioria de negro, que solicitou à Chiquinha Gonzaga, nome artístico de Francisca Edwiges, uma composição para o carnaval. Nascia ali a primeira marcha carnavalesca do Brasil, que mudaria o carnaval dali em diante: “Ô Abre Alas”.
Ouça a marchinha:
Birôlho[editar | editar código-fonte]
Autoria: Paloma Paixão[2].
Ele tinha o olho estranho.
Até hoje não sei se era cegueira, um olho virado.
Como os outros, era daqueles que andavam com uma pochete preta pendurada, misto de postura e temor que se almejava impor, como dos homens de delegacia.
O ponto certo na vida era o bar de esquina.
Quem nunca se deparou com esse canto de desafogo, embebido no copo americano de café ou cerveja.
A cerveja era amizade mais certa, quando muito, misturavam-se a narrar as contas do dia, os pontos do bicho, os debates e o mundo que se resolvia entre uma golada e outra.
Nunca avistei a hora derradeira, a saída.
Quando passava, sempre estavam chegando. As pequenas retinas infantis ainda guardavam apenas medo, inclusive da voz, que a gente torcia não se voltasse a dizer qualquer coisa pra nós, que não entendíamos nada!
Vozes grossas e repletas da resolução que os caminhos não davam. Apenas na esquina. O Birolho. Leia-se: Bi rô (sem puxar o r) lho. Sabe-se lá por que o chamavam assim...
Talvez ainda vaguem pelo território, para além das lembranças. Mas as paredes retiveram. E revivem as histórias com novos personagens na caricatura (sub)Urbana, centro povoado de universos.
Me deixa molhar a palavra.
* * *
Sobre meus personagens reais.
Ele era conhecido de meu avô, pai e tios.
Diva[editar | editar código-fonte]
Autoria: Paloma Paixão.
A casa da Diva era um mistério, porque só se via Diva na porta, cantando, berrando ou brigando.
Sua vida era alterada pelo álcool, ou pelas decepções, talvez.
Diva era uma mulher preta, sempre o lenço branco na cabeça, como se fosse crime ou vergonha mostrar os cabelos, coisa que naquelas décadas sequer era pensado com reflexão.
Quando Diva estertorava tirando a roupa, as mães recolhiam a criançada que já ria diante do inusitado. Era Diva querendo arrancar a dor. O álcool misturava as sensações, fazendo Diva vagar, dançar e gritar. Mas ninguém ouvia.
Companhia certa era na tendinha, essa não desistia das insistências, vendia-se a alma por um trago, uma alteração ou uma bala infantil. As crianças esperavam à espreita quando Diva tomava conta do espaço, misto de medo e fascínio pela figura diferente. Elas prestavam mais atenção sobre os próximos passos da Diva, que a ninguém mais enxergava ou lançava o olhar...incertamente cambaleava para o lugar do mistério, escuro e protegido.
Lugar de recomeço...era a casa de uma Diva.
(Diva era uma moradora do Morro do Andaraí, sobre a qual escrevi).
Poema[editar | editar código-fonte]
Autoria: Paloma Paixão.
Um verde tomado de esperanças
Vinha alcançar uma flor encarnada
Vermelha como o sangue que corre nas veias daqueles que aspiram a flor...
Inebriados, já não dormem.
Tem um pulsar quente e morada nos corações de batuque que se atrevem à vida.
Ela desperta em outras avenidas,
alcançando os mais distantes...
Quem entenderia esta menina
que renasce todo dia?
Hoje, mulher, canta suas dores e paixões, enganos e distrações
A dizer que permanece viva,
Inesgotável como a fonte cristalina
Única e atemporal...
É a Flor da Mina. 🌹🪨 (Feito para Escola de Samba Flor da Mina do Andaraí).
Ver também[editar | editar código-fonte]
- Crônicas do cotidiano de algumas favelas cariocas
- Histórias do Morro do Andaraí
- A onça pintada e a Favela do Arrelia
- ↑ Textos publicados originalmente no jornal "O Tijolinho" e no facebook "Ruas do Andaraí", do Coletivo Filhos do Joana.
- ↑ Professora, Coordenadora de Programas e Projetos Sociais e Escritora. Da Família Paixão.