Favela não se cala

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Favela não se cala é um coletivo, situado no Rio de Janeiro, que possui como objetivo mobilizar lutas sociais pelos direitos dos pobres, pretos, indígenas e favelados.

Autoria: Informações reproduzidas pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco, a partir de outras fontes[1]. 
Coletivo Favela não se cala

O ativista André e as influências que dão nome ao coletivo.[editar | editar código-fonte]

Figura 5 Escrava Anastácia, retrato pintado por Jacques Ettiene Arago, séc. XIX
Figura 5   Escrava Anastácia, retrato pintado por Jacques Ettiene Arago, séc. XIX
Daniel do Nascimento e Silva[1]

"André é residente da favela da Babilônia, na Zona Sul do Rio de Janeiro, e um ativista do movimento “Favela não se cala”.

Vestia uma camiseta branca na qual o nome do movimento estava disposto abaixo do retrato que Jacques Arago pintou em 1817 da Escrava Anastácia sendo submetida ao uso da Máscara de Flandres (ver Figura 5).

Essa “máscara do silenciamento [...] foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se tornou parte do projeto colonial europeu por mais de trezentos anos (ênfase da autora).”

Kilomba (2019, p. 33)


Kilomba explica ainda que, “oficialmente, a máscara era usada pelos senhores brancos para evitar que africanas/os escravizadas/os comessem cana-de-açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo, visto que a boca era um lugar de silenciamento e de tortura” (KILOMBA, 2019, p. 33, ênfase da autora).

Ou seja, esse “instrumento real” - “peça muito concreta” - tinha tripla função: dominar, impedir a alimentação e suprimir a fala. Significativamente, a camiseta de André combinava o nome do movimento, Favela não se cala, com essa imagem de dominação e silenciamento, talvez ecoando o antigo ensinamento freudiano de que o trauma, para ser superado, precisa ser narrado, em condições de enunciação adequadas (BUTLER, 1997, p. 102).

Enquanto falava, André batia com força, de punhos fechados, em seu próprio peito. A força e a frequência das pancadas, de algum modo, citavam o misto de autossacrifício e coragem que já havia emergido nas falas de Bandile e Lúcia. Essa performance corpórea era acompanhada do delineamento de uma perspectiva crítica aos interesses capitalistas na cidade do Rio de Janeiro, que à época haviam tornado algumas áreas urbanas em canteiro de obras para os megaeventos de 2014 e 2016.

Assim, o ativista apontou que a “militarização fascista” - isto é, a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora e outras ações militares em favelas, desde 2008 - estava “atreladada ao processo de gentrificação e remoção em favelas”. André criticou, assim, a mercantilização do direito à moradia - vinculada ao fato de o Rio de Janeiro ter virado alvo de grandes negócios imobiliários - bem como a “privatização do sistema penitenciário” e a função estratégica da polícia no capitalismo.

Na perspectiva do ativista, o quadro de mercantilização da cidade é sentido nas favelas por meio da histórica “guerra contra o pobre, o negro, o habitante de senzalas”.

Essa guerra é instanciada na “privatização do sistema penitenciário”, o qual, movido por lucro, facilita o encarceramento e fortalece o crime organizado, uma vez que a “mãe desesperada que roubou um litro de leite é colocada numa cela junto de uma gerente do tráfico e uma dona de boca de fumo.” O excerto de fala a seguir, em que o ativista fala da polícia, é significativo:

No capitalismo não tem outra polícia. Ela vai servir aos interesses do grande capital pra reprimir qualquer insurgência popular. É pra isso que serve a polícia. Quem a polícia mata desde a época do Império? Ela foi criada pra defender a coroa e matar os escravos e os negros. Coisa que ela faz muito bem até hoje.

A conexão acima entre polícia, capitalismo e repressão a insurgências populares é, a meu ver, mais uma instanciação da hibridização (LATOUR, 1994) entre recursos comunicativos, corpo e mercantilização que observei na maioria das intervenções dos participantes do debate sobre o documentário “Prezado Mandela”. Assim, na fala de André, a polícia “serv[e] aos interesses do grande capital pra reprimir qualquer insurgência popular”. Tal como a Máscara de Flandres, um híbrido de dominação econômica, impedimento orgânico à saúde alimentar e bloqueio à fala, os artefatos contemporâneos do capitalismo, como a polícia e a prisão, são híbridos da mercantilização da cidade, policiamento e silenciamento dos pobres. Tais híbridos são parte de um todo material - e, como qualquer prática de hibridização, podem ser purificados ou circunscritos situacionalmente. Em um momento do debate, André realiza uma dessas operações de objetificação ou circunscrição ao tematizar a ideologia de linguagem do Favela não se cala. Nas palavras do ativista:

Me identifiquei muito com aquele jovem [retratado no filme] porque o Favela não se cala tem essa praticidade de ir até as favelas e tentar organizar. Não chegar como uma referência que vai dar luz ou dar as diretrizes, mas tentar consolidar a organização orgânica já existente. Porque o trabalho de base tem que ser bem explicado, bem posto porque senão vira paternalismo.

Segundo André, o Favela não se cala possui um regime de linguagem e educação que opera segundo uma imaginação específica sobre língua e aprendizagem. Iterando o método educativo dialógico de Paulo Freire, o Favela não se cala não vai até as favelas para transmitir conhecimento (“[n]ão [vai] chegar como uma referência que vai dar luz ou dar diretrizes”), mas para construir conhecimento com base em processos dialógicos já em curso, de modo a “tentar consolidar a organização orgânica já existente.” O Favela não se cala, portanto, não visa suprimir, em nome de um ideal iluminista, ideias e mobilizações já em curso nas favelas - o que seria “paternalismo” - mas sim “consolidar” processos dialógicos, coletivos, orgânicos e correntes."

Fiocruz e MNU lançam documentário 'Saúde Antirracista na Favela, é possível?'[editar | editar código-fonte]

Cooperação Social da Presidência da Fiocruz - 24/01/2024[2]

"A Arena Dicró, espaço de lazer público e popular localizado na zona Norte do Rio de Janeiro, exibirá o documentário Saúde Antirracista na Favela, é possível? - uma produção conjunta da Fiocruz com o Movimento Negro Unificado (MNU) e outros nove coletivos populares do Estado do Rio de Janeiro. O lançamento ocorrerá no próximo domingo (28/1), das 10h às 13h, e tem entrada franca. Para o evento, foram convidadas autoridades da Secretaria Municipal de Saúde, os coletivos que participaram da criação do longametragem e pesquisadores da Fiocruz.

O filme é um dos resultados do projeto A saúde na Favela pela Perspectiva Antirracista, uma articulação entre o MNU e a Cooperação Social da Fiocruz, com atuação na Vila Cruzeiro, Jacarezinho, Vila Kennedy e Mangueirinha, localizadas no Estado do Rio de Janeiro.

O documentário reúne entrevistas gravadas com lideranças sociais dos territórios, pesquisadores e promotores populares de saúde antirracista formados pelas oficinas do projeto. Nos 21 minutos do longa, o espectador irá ouvi-los falando sobre a importância da perspectiva da raça quando são analisados os serviços oferecidos pelo SUS e a experiência das pessoas que moram em territórios de favelas.

“A extensão do impacto da violência armada na saúde de moradoras, moradores e profissionais em favelas do Rio de Janeiro vai desde o mais básico que é o impedimento do deslocamento para a Unidade de Saúde até transtornos que a gente não tem hoje dimensão: transtornos psicossociais, formas de depressão, síndrome do pânico, transtorno do estresse pós-traumático que é ainda pouco diagnosticado no nosso sistema e também o sofrimento que não é definido por uma doença - o sofrimento psicossocial que é gerado por uma determinação social que são os conflitos armados”, afirma Leonardo Bueno, coordenador do projeto pela Cooperação Social da Fiocruz. “Como profissional de saúde e como mulher periférica negra morando na Cidade de Deus, as queixas são muito comuns: aumento da pressão arterial, descompensação da glicose, sintomas de insônia, taquicardia, ansiedade, síndrome do pânico... e as pessoas não conseguem associar isso à violência armada que acontece no seu dia a dia. E essa procura sempre aumenta após um dia de tiroteio ou conflito armado na comunidade”, disse Cristiane Vicente, assessora técnica da Superintendência de Promoção de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS/RJ), em entrevista ao diretor do filme e militante de favela, Edilano Cavalcante.

Para Edilano, é muito importante que o documentário possa circular em espaços de formação e de cultura. “O filme é um produto de divulgação científica, mas é também um instrumento para levantar esse debate em qualquer outro espaço, seja um festival de cinema ou a sala de aula. Queremos fazer essa ponte com outros espaços sociais”, disse ele no seminário de lançamento da Cartilha Saúde na Favela pela Perspectiva Antirracista, que ocorreu em dezembro na Fiocruz, no Rio de Janeiro.

No lançamento do documentário, estiveram presentes Cristiane Vicente, assessora técnica da Superintendência de Promoção de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS/RJ); Leonardo Bueno, Heitor Silva e Valeria Montezuma, pesquisadores da Cooperação Social e representantes do Movimento Negro Unificado, e dos nove coletivos envolvidos em sua produção (Centro Comunitário Irmãos Kennedy, Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, Conselho Comunitário de Segurança do Rio de Janeiro, Complexo da Mangueirinha em Pauta, Centro de Referência para a Saúde da Mulher, Instituto de Defesa da População Negra, Espaço Gaia, Instituto de Pesquisa das Culturas Negras, Associação Brasileira Terra dos Homens).

O encontro é parte da agenda da campanha de divulgação da Cartilha Saúde na Favela pela Perspectiva Antirracista nos territórios de favelas que acontecerá entre janeiro e março de 2024, como parte do projeto."

Assista o documentário completo![editar | editar código-fonte]

Documentário "Saúde antirracista na favela, é possível?"

Produção conjunta da Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz com o Movimento Negro Unificado (MNU) e outros nove coletivos populares do Estado do Rio de Janeiro.

O material é um dos resultados do projeto A saúde na Favela pela Perspectiva Antirracista, uma articulação entre o MNU e a Cooperação Social da Fiocruz, com atuação na Vila Cruzeiro, Jacarezinho, Vila Kennedy e Mangueirinha, localizadas no Estado do Rio de Janeiro.

Dirigido por Edilano Cavalcante, o filme reúne entrevistas gravadas com lideranças sociais dos territórios, pesquisadores e promotores populares de saúde antirracista formados pelas oficinas do projeto. Nos 21 minutos do longa, o espectador irá ouvi-los falando sobre a importância da perspectiva da raça quando são analisados os serviços oferecidos pelo SUS e a experiência das pessoas que moram em territórios de favelas.

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